Tradição preservada

TJ-SP autoriza inversão de sobrenomes no registro de filha de bolivianos

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9 de março de 2019, 8h37

Se apegos formalistas à lei prejudicam o exercício de direitos, a norma deve ser relativizada para que direitos da personalidade não sejam lesados. Com esse entendimento, a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a inversão dos sobrenomes no registro de uma criança filha de bolivianos para que conste primeiro o nome paterno e depois o materno, conforme tradição do país vizinho.

Para relator do recurso, a existência de relevância social autoriza a alteração na ordem dos sobrenomes

O Ministério Público apelou ao TJ-SP depois que o pedido da família foi julgado improcedente em primeira instância. Os pais alegaram enfrentar dificuldades para requerer a dupla nacionalidade da filha, pois na Bolívia o sobrenome materno é assinado por último. Afirmaram também que essa inversão pode causar prejuízos em caso de herança.

"Considerando que a legislação brasileira não disciplina a matéria, não existe óbice ao deferimento do pedido, visto que a retificação aproximará as menores à cultura dos seus ancestrais", ressaltaram.

Relator do recurso, o desembargador Donegá Morandini deu razão aos apelantes. "Há relevância social a autorizar a alteração da ordem dos patronímicos", afirmou.

"Como se sabe, em virtude da tradição hispânica historicamente implantada, o nome de família paterno antecede ao materno. Tal circunstância, por si somente, é suficiente a autorizar a modificação excepcional do nome a fim de garantir a proteção da própria personalidade da apelante, nos termos do artigo 16 do Código Civil, preservando o reconhecimento de pertencimento nacional da infante, inclusive por seus compatriotas."

Morandini também levou em consideração o fato de que o nome, como registado, poderia impedir a conferência da cidadania boliviana, "quadro que reafirma a justa causa para a retificação pretendida, sob pena de que apegos formalistas à lei registral prejudiquem o exercício de direitos civis pela interessada, o que contraria a própria natureza do nome como elemento integrante da personalidade civil".

Por fim, o desembargador citou precedente de relatoria do desembargador Neves Amorim, julgado em fevereiro de 2013, em que o tribunal já reconhecera a inversão na ordem dos sobrenomes, por ausência de impedimento legal ou prejuízo a terceiros.

Apelação 1004353-10.2016.8.26.0001

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