Vanguarda do Atraso

Religiosos querem conservadores e punitivistas no STF e PGR

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9 de março de 2019, 10h25

A Frente Parlamentar Evangélica da Câmara dos Deputados, na onda religiosa que ganhou corpo na última eleição, anunciou que pretende usar da sua influência para a indicação de ministros do Supremo Tribunal Federal e do próximo procurador-geral da República, uma vez que Raquel Dodge deixará o cargo em setembro.

Em relação ao nome que substituirá Raquel Dodge na PGR, a bancada anuncia que vai indicar Guilherme Schelb, evangélico, procurador regional em Brasília e hoje o integrante do MPF considerado com mais interlocução com o segmento.

A discussão dos evangélicos surgiu durante um culto recente da Frente dentro Câmara dos Deputados, na semana passada, ocasião em que se discutiu a votação no STF que poderá criminalizar a homofobia. A maioria das lideranças evangélicas do país são contrárias. Além disso, o grupo critica as decisões da Suprema Corte que deram permissão para o aborto de anencéfalos, em 2013, e a autorização da união homoafetiva, em 2011.

São três movimentos paralelos na mesma direção: a tentativa de emplacar conservadores punitivistas na PGR e no STF e a produção insistente de notícias sobre pedidos de impeachment de atuais ministros do Supremo.

A preocupação da ala contrária a um punitivista na PGR chega a tal ponto que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pode só colocar em votação a Reforma da Previdência depois que o Planalto definir o substituto de Raquel Dodge.

Indicação Natural
Representantes de associações jurídicas afirmam que apoiar candidatos de suas afinidades é comum, mas que as indicações finais devem ser feitas com base em requisitos técnicos de conhecimento.

Para o presidente da Associação dos juízes Federais (Ajufe), Fernando Mendes, por exemplo, é natural que grupos políticos formadores de opinião defendam candidatos alinhados ao entendimento.

“O importante, na decisão final, é definir com base em critérios técnicos e reputação ilibada. A bancada ganhou uma pauta grande no Congresso e todos, de alguma maneira, vão tentar indicar nomes. O que tem que prevalecer é o conhecimento técnico”, diz.

A Ajufe defende para o STF a presença de um ministro que seja juiz de carreira. “Importante que seja levado em consideração esse requisito”, afirma.

Já na avaliação de Maurício Pizarro Drummond, presidente em exercício da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), discussões acerca de indicações para cargos que estão ocupados são “indelicadas e inoportunas”. “A discussão deve se dar em momento adequado, após a abertura de vagas e dentro dos princípios e normas previstos na Carta Republicana”, diz.

Requisito Constitucional
O presidente da Anamatra, Guilherme Guimarães Feliciano, afirma que a indicação do presidente é constitucional. Entretanto, para Guilherme, o sentido da fé não é requisito constitucional definidor para o acesso a esses cargos.

“Além disso, é legítimo que qualquer grupo social ou político sugira nomes, inclusive a Frente Parlamentar Evangélica. Há grandes juristas cristãos. O que não será jamais adequado, dada a natureza laica do Estado, é que o fato de ser cristão defina a escolha”, defende.

Curiosamente, o mesmo ministro cuja vaga está em questão, o decano Celso de Mello, duas semanas antes da manifestação a favor de cota religiosa no STF, incidentalmente tratou do assunto.

Em seu voto no julgamento do caso sobre a homofobia (ADO 26/DF), o decano reportou-se à carta de 1º de janeiro de 1802, enviada por Thomas Jefferson, um homem profundamente religioso, à comunidade batista de Danbury, Connecticut.

Jefferson, historiou o ministro que em 2019 completa 51 anos no serviço público, referiu-se “à necessidade de estabelecer-se, com apoio na Primeira Emenda à Constituição americana, “a wall of separation” entre Igreja e Estado”. E justificou essa medida, adotada pelos “Founding Fathers” quando da promulgação do “Bill of Rights”, indicando-lhe um tríplice (e essencial) objetivo:

“(1) IMPOR neutralidade axiológica ao Estado em matéria confessional, para, desse modo, assegurar a todos os cidadãos da República a plena fruição da liberdade religiosa,

“(2) PROTEGER a liberdade religiosa das pessoas em geral, impedindo que o Estado, ao indevidamente manifestar preferência em favor de determinado grupo confessional, venha a perseguir aqueles que professem outra fé religiosa e

“(3) FRUSTRAR qualquer tentativa de controle do aparelho de Estado por grupos religiosos, notadamente por grupos fundamentalistas, obstando, desse modo, a ilegítima apropriação religiosa do Estado e de suas instituições, inviabilizando, assim, o surgimento de Estados confessionais ou, o que é pior, a formação de Estados com perfil teocrático!”

A pretensão de cota religiosa no comando Judiciário, afirma outro juiz “é bastante reveladora de que setores declaradamente religiosos pretendem iniciar um processo que permita uma inconstitucional tomada de poder no âmbito das instituições estatais, em claro retrocesso e em frontal desrespeito à cláusula de nossa Lei Fundamental que estabeleceu a separação institucional entre a dimensão temporal ou secular na qual atua o Estado e a dimensão espiritual em que militam aqueles que professam qualquer fé religiosa!!!”

Há mais exemplos que trombam com a pretensão. Em 1947, a Suprema Corte dos EUA, ao julgar o caso “Everson v. Board of Education”, rememorou, no voto do Juiz Hugo Black, as palavras de Jefferson (“wall of separation”) para decidir que Igreja e Estado se acham constitucionalmente separados naquele País, vedadas, em consequência, recíprocas interferências de cada qual em suas respectivas esferas de atuação!”

PGR
José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, é legítimo influenciar, conversar e apoiar candidatos. "Tenho certeza que o presidente vai respeitar a nossa lista tríplice e acho natural porque são cargos importantes. Cada ministro da suprema corte que se aposenta segue um debate nacional. Até aí é um processo democrático de discutir ideias", diz. 

Escolhas
Até o final do seu mandato, Bolsonaro deverá indicar os substitutos de Celso de Mello — completa 75 anos em novembro de 2020 — e de Marco Aurélio Mello, que atinge a idade compulsória de aposentadoria em julho do ano seguinte. A expectativa é que haja um cuidado grande em relação a nomeações de juristas reconhecidamente conservadores.

Se a ministra Cármen Lúcia se aposentar em breve, como já chegou a dar sinais, serão três ministros escolhidos pelo novo presidente no primeiro mandato. Em eventual reeleição, Bolsonaro escolheria ainda mais dois ministros, já que os ministros Rosa Weber e Ricardo Lewandowski completam 75 anos em 2023.

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