Novo TRF

Para ser melhor, a Justiça não precisa ser maior, diz Noronha.

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29 de setembro de 2019, 7h30

Se o país quer uma justiça melhor, é preciso investir nela. Mas para a criação de um novo Tribunal Regional Federal, nem isso é necessário — já que é possível usar o mesmo pessoal e estrutura disponíveis. É o que explica o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha. — para explicar a viabilidade da criação de mais uma corte regional: o Tribunal Regional Federal da 6ª Região, que será sediado em Belo Horizonte.

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Justiça não pode ser apenas qualitativamente boa, diz Noronha

O TRF da 1ª Região, do qual se desmembrará o TRF/6 é gigantesco. Cobre 14 unidades da Federação, o que representa 80% do território nacional. A carga de trabalho (soma dos procedimentos pendentes e resolvidos no ano) é de 26.151 processos por desembargador — 260% superior à média do que cabe aos desembargadores de outros TRFs. A reorganização, explica o ministro em entrevista à ConJur, vai racionalizar o sistema — e para isso não é preciso gastar mais.

O raciocínio do ministro é que, para ser melhor, a Justiça não precisa, necessariamente, ser maior. Tanto que, na montagem do novo tribunal regional, vai-se implantar um projeto piloto que depois poderá ser replicado nos demais TRFs. Com o aumento da eficiência da prestação jurisdicional, aposta, "poderemos diminuir o número de litígios, e não vamos precisar ter uma Justiça tão grande como é a nossa".

"Prisão preventiva não é regra"
Noronha também falou sobre amplas condenações no Brasil por uma simples investigação. "Eu acredito que essa é uma coisa que nós precisamos pensar com muita prudência no Brasil. A regra num país democrático é a presunção da inocência, a condenação para depois se cumprir a pena. Nós não podemos transformar prisão preventiva como regra. Ela tem pressupostos traçados na Constituição e no Código Penal que devem ser observados. A banalização importa muitas vezes o cometimento de injustiça."

Para o ministro, "é preferível que o réu aguarde em liberdade até ser efetivamente condenado para ser aprisionado".

Leia a entrevista:

ConJur — Em seu artigo publicado na Folha de S.Paulo, o senhor diz que a criação do TRF-6 não vai ter custo porque os cargos de desembargadores serão dos atuais juízes. Mas os assessores, de onde virão?
João Otávio de Noronha Haverá adaptações. Porque não existe a opção de aumentar gastos. Está em vigência uma Emenda Constitucional (95/16) que congelou os gastos públicos. É preciso entender que o TRF-6 surge do desdobramento do TRF-1. Portanto, não estamos criando uma estrutura nova. Estamos reorganizando, racionalizando para dar maior eficiência à Justiça. Os assessores são cargos hoje que estão no corpo da Justiça Federal como um todo, que estão sendo deslocados para o TRF-1. Nós estamos aproveitando o cargo, tirando de um e alocando em Minas Gerais. Estamos redistribuindo os cargos.

ConJur — Uma reorganização dentro da mesma estrutura?
João Otávio de Noronha É mais do que isso. Nós estamos criando um modelo diferente de gestão. Não teremos uma secretaria a mais para cada vara ou Turma em Belo Horizonte. Teremos uma única secretaria, com ganho de escala, um tribunal fortemente informatizado, moderno, exatamente por causa da tecnologia.

ConJur — Existe uma proposta de emenda constitucional aprovada que criava cinco TRFs, mas que foi bloqueada pelo ex-ministro Joaquim Barbosa. Essa proposta não é melhor do que a de criar apenas um TRF?João Otávio de Noronha — A proposta para aquele momento era a solução. Não tínhamos, então, problema orçamentário. Hoje, com a PEC que congelou os gastos públicos, ela deixou de ser factível. Então, temos que trabalhar dentro da realidade orçamentária. O Brasil econômico hoje é muito diferente do Brasil econômico de sete, oito anos atrás.

ConJur — De que maneira o teto de gastos públicos impossibilita a reforma que se propõe. Quais as soluções encontradas para deixar o TRF-6 dentro do orçamento? A PEC do congelamento permite a criação do TRF?
João Otávio de Noronha Permite. A PEC do congelamento limita gastos, e nós vamos fazer a reforma. A ideia é criar o tribunal mantendo o gasto global da Justiça Federal. O que estamos fazendo é otimizar os recursos. O termo otimizar que os economistas usam e que os juristas não gostam quer dizer: nós vamos aproveitar melhor os recursos. Converteremos vagas de juízes substitutos em desembargadores. Você vai dizer: mas vai esvaziar o 1º Grau? Não, observe que nós, tempos atrás, ampliamos a Justiça Federal, criamos mais de 1.200 varas, só que esquecemos de uma coisa: que essa celeridade que se deu no 1º Grau, esse maior acesso que fez aumentar o número de volume de processo, esses processos agora chegaram nos tribunais, e os tribunais não têm estrutura para dar conta. Por isso nós estamos criando o tribunal de Minas, por desdobramento da 1ª Região, e, ao mesmo tempo, estamos aumentando o número de vagas de desembargadores nos demais tribunais, nos outros cinco tribunais, e aumentando exatamente por convolação, por transformação de vagas e juízes substitutos. Com isso, esperamos dar vazão.

De nada adianta julgar rápido no 1º Grau e o processo ficar 10, 12, 15 anos no 2º Grau esperando, porque essa é a realidade do TRF. Juiz com 30 mil, 40 mil processos, não vai dar conta nunca, e não podemos nos acomodar diante das dificuldades orçamentárias. Tem que fazer com que o gestor seja criativo, ousado, que ele crie exatamente soluções para enfrentar a crise. E é o que nós fizemos. Nós estamos hoje apresentando uma proposta, respeitando a Constituição, que limita gastos e ao mesmo tempo dando maior eficiência à Justiça. Jurisdicionado não pode ser punido pela inércia de gestões anteriores da Justiça Federal.

ConJur — Ou seja, se o país exige mais da Justiça, é preciso sustentar a melhora.
João Otávio de Noronha O Tribunal surge, e é muito importante. Com revisão de processos, não de processo judicial, mas processo de trabalho, protocolos. Estamos propondo um novo estilo de gestão, uma revolução nos processos de trabalho, de modo a ter eficiência. Vamos trabalhar em mutirão, como também com uma secretaria única com um pessoal especializado, preparado e treinado.

ConJur — Presidente, o atual TRF-1 atende 14 estados. Agora, o senhor está propondo a criação em um único estado e que, por coincidência, é seu estado de origem. O senhor não teme ser acusado de estar advogando em causa própria?
João Otávio de Noronha Primeiro que eu nunca fui juiz em Minas [risos], estou há 25 anos em Brasília. Depois, é muito fácil ver. O maior estado em demanda na Justiça Federal no TRF-1 é Minas, que corresponde de 36% a 40%, dependendo do tipo de processos do Tribunal. Portanto, Minas, individualmente, é o maior estado em demanda. Ao criar Minas, nós vamos retirar 36%, 38% a 40% de serviço da 1ª Região. Isso faz com que o Tribunal aqui [Brasília] fique com a quantidade menor de processos e possa nele trabalhar com mais agilidade.

Não acredito que a reforma da 1ª Região pare aí. É questão de tempo. Talvez nós temos que ver o problema do Norte, um tribunal que tem 80% da área geográfica do país não pode ser eficiente, evidentemente. Haja corregedor para correr todo esse espaço fiscalizando, auditando e fazendo correição nas varas da Justiça Federal. Por isso, essa criação de Minas chega atrasada dez anos.

ConJur — São quase 900 municípios em Minas. Isso provavelmente equivale à soma dos municípios do Nordeste todo, não?
João Otávio de Noronha — Possivelmente. São muitos municípios. Em Minas nós temos uma dimensão de país. Para se ter uma ideia, Minas sozinho tem 192 mil processos. O DF [Distrito Federal] que recebe ações do Brasil inteiro ajuizadas aqui tem 107 mil. A Bahia tem 57 mil, Goiás tem 46 mil, portanto, os demais dez estados somados, tirando Minas, DF, Bahia e Goiás, tem 146 mil. Os dez estados são menores em números de processos do que Minas Gerais. Acho que os números dizem tudo.

ConJur — As soluções para esse novo regional poderão ser replicadas nos demais regionais?
João Otávio de Noronha Sem dúvida, eu acho que nós estamos criando um tribunal que a gente espera que seja um padrão para os futuros tribunais regionais federais. É preciso também prestar atenção que não vem só a criação de cargo, vem uma nova estrutura e um novo modelo de gestão. Por exemplo, na proposta hoje há veículos de representação apenas para presidente, vice ou corregedor. Os demais desembargadores já não contarão com esse equívoco. O que nós queremos com isso? Racionalizar recursos. Podem se valer de um transporte coletivo, de vans do tribunal, diminuir o número de motoristas contratados, gastos no combustível, gastos com oficinas. Quer dizer, é preciso mudar a filosofia de trabalho. E é isso que nós estamos fazendo.

Então, Minas não se propõe a criação porque o João Otávio de Noronha é o presidente do STJ e do Conselho de Justiça Federal. Minas se propõe a criação como uma solução para o tribunal para resolver a ineficiência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

ConJur — Presidente, o CNJ diz que o gargalo da Justiça Federal está na 1ª instância. Não seria o caso de investir na 1ª Instância e não na Segunda?
João Otávio de Noronha Mas estamos investindo na 1ª Instância. Nós estamos informatizando, nós estamos agora melhorando os processos de trabalho, nós estamos investindo na secretaria. Eu acho que o CNJ quando diz, de um modo geral, é na 1ª Instância, mas esta não é a realidade do TRF-1. Aqui o gargalo está exatamente no próprio tribunal. Os números dizem tudo.

ConJur — O senhor esperava uma resistência como essa que está se vendo à criação desse novo regional?
João Otávio de Noronha Sim, eu acredito que alguma resistência vem pela desinformação. Por isso a nossa preocupação em escrever artigo, tornar claros os números e divulgar a realidade do tribunal. Todos aqueles que conhecem os números imediatamente defendem a criação do tribunal. Mais que defendem, propagam a necessidade dessa criação.

ConJur — Presidente, pelas projeções, o novo tribunal nasce com uma carga de trabalho de quase 14 mil processos por desembargador. Ele já nascerá congestionado?
João Otávio de Noronha Não, ele nasce com uma carga que é menos da metade do que o atual TRF. Nós estamos com desembargador com 30 mil, 40 mil processos. Catorze [mil] só torna factível, lembrando que esse tribunal será bem informatizado, com sistema moderno. Portanto nós temos uma expectativa também de maior produtividade.

ConJur — Existe no Brasil uma sensibilidade bastante exagerada em relação ao hipossuficiente, às pessoas. No entanto, o número de brasileiros que questiona a necessidade da Justiça do Trabalho tem aumentado muito em quantidade e em qualidade. O senhor examinaria, ou consideraria, a possibilidade de uma reorganização da Justiça Federal, aproveitando, incorporando a estrutura da Justiça do Trabalho, que deixaria de ser especializada?
João Otávio de Noronha Eu acho que nós temos sondar tudo. Se algo não funciona bem, precisa ser estruturado, acho que seria. Isso não quer dizer que eu já seja a favor. Eu acho que nada impede que venhamos a estudar. Se chegarmos à conclusão de que isso aqui é bom. Agora eu gostaria de chamar a atenção: historicamente a Justiça do Trabalho prestou relevante serviço ao jurisdicionado brasileiro. Nós temos uma tradição de Justiça Federal do Trabalho, nós temos uma tradição, e isso vem desde o Getúlio Vargas, portanto, acabar simplesmente com a Justiça do Trabalho não é uma coisa tão simples como alguns sustentam.

ConJur — Agora, ideologia à parte, o perfil dos conflitos sociais muda com o tempo. As últimas análises empíricas mostram que o número o volume de litígios na área de conflitos sociais sobe muito. O da Justiça do Trabalho, o que se vê hoje, é uma redução evidente do número de conflitos, o fato de ter sido prestado relevantes serviços ao longo da história não significa que vai continuar sendo assim…
João Otávio de Noronha Eu acho que todos os órgãos devem ser constantemente avaliados, e eu fui muitos anos do Banco do Brasil. O Banco do Brasil chegou a ter 120 mil funcionários. Eu fui um daqueles que participaram do estudo e da conclusão de que o banco deveria reduzir o número de funcionários à metade. E fizemos o primeiro PDV [Plano de Demissão Voluntária] da história de estatal no Brasil. Então, tudo é questão de momento. Primeiro, a Justiça do Trabalho reduziu, mas nós já temos uma amostragem suficiente, considerando o tempo decorrido. Segundo, o que vai se esperar das novas relações de trabalho, diante da alteração legislativa? Porque estamos tentando analisar, por que diminuiu o número de ações na Justiça do Trabalho? Porque instituíram a sucumbência, como alguns falam? Será verdade? Eu acho que nós temos que fazer um estudo profundo, qualquer conclusão antes de um estudo será chutômetro. Nós podemos mexer na Justiça do Trabalho e ela se tornar ineficiente, nós podemos também não mexer e ela traduzir em desperdício de recurso público porque superdimensionaram. Por isso que eu acho que é hora de fazer um estudo profundo. Do mesmo modo a Justiça do Trabalho Federal, que já foi menor, e começou a não dar conta, hoje o volume que está é muito grande, não é normal um juiz ter… Um desembargador ter 15 mil processos. Isso só ocorre no Brasil. Normal é que tivesse no máximo mil processos.

ConJur — Nos Estados Unidos, Alemanha, nem isso.
João Otávio de Noronha Nem isso, não passa de 200. Então, nós precisamos saber que tipo de Justiça nós queremos, quantitativa ou qualitativa, mas temos que saber que o tipo de Justiça não pode ser apenas qualitativamente boa, se nós não tivermos quantitativamente orçamento para aprimorar. Então a gente tem que fazer uma Justiça do possível, e não do desejável. O desejável a gente sabe que o orçamento do Brasil não permite, não vamos ter nunca um número de juízes que tem a Alemanha, o número casos que tem um juiz. Então o que nós precisamos aprimorar? E, segundo, quais as causas que fazem com que o Brasil seja, tenha um número tão alto de litígios? Eu nunca vi um país com uma litigância tão alta quanto o Brasil. Quais as causas? Nós vamos precisar atacar, mas vamos estudar para verificar essas causas e como as atacar, antes de mexer em tribunal nós não podemos buscar soluções alternativas? Nós falamos em mediação, falamos em conciliação, mas antes disso nós temos que ver por que tanto litígio, por que tanto litígio com o setor público? Será que se o setor público, se o Estado respeitasse melhor o direito do cidadão nós não teríamos um número muito melhor de demanda? Até onde vai o grau de responsabilidade da gestão pública em relação ao jurisdicionado, e os direitos do jurisdicionado? Poxa, não vejo como normal todo mundo ter que entrar na Justiça para revisar a sua aposentadoria, algo está errado e precisa ser visto, não estou dizendo que o INSS está errado, mas algo está errado. Ou estamos com a litigância sem fundamento em excesso ou estamos com um órgão que está sendo ineficiente e está desrespeitando um direito assegurado na Constituição de uma justa aposentadoria, na forma da lei, ao jurisdicionado. Nós já paramos para ver isso? Nós estamos a cada dia buscando soluções paliativas, aumenta aqui, cria um instrumento dali, mas por que nós não verificamos por que é que isso está acontecendo? É razoável você requerer sua aposentadoria, ficar esperando um ano para a análise do INSS? Algo está errado. Então, se a gente melhorar a eficiência da prestação de serviço público, certamente nós podemos diminuir o número de litígios, e não vamos precisar ter uma Justiça tão grande como é a nossa.

ConJur — Ministro, pela sua exposição, nós podemos entender que a criação do TRF-6 não é uma expansão da estrutura Judiciária, e sim uma reorganização, uma racionalização. Qualquer racionalização, como o senhor mostrou para gente, ela parte da constatação da vida real, dos números verdadeiros. Quando o senhor olha para o noticiário a respeito dos problemas brasileiros, e quando o senhor olha os números da Justiça, o que se percebe é que as causas criminais, o volume de causas criminais nacionalmente não ultrapassa a casa dos 10%. No Rio de Janeiro, os processos criminais, de corrupção então, não chegam a 1%. O que acontece? A imprensa está certa, e a Justiça não expressa os problemas verdadeiros vividos pelo país ou está havendo uma supervalorização do debate em torno de criminalidade e corrupção?
João Otávio de Noronha Primeiro, se você analisar que 10% a 14% das demandas são criminais, é sinal de que nós temos um alto índice de criminalidade. Mas, se nós tivéssemos uma participação no bolo das causas criminais, a metade ou 60%. Aí sim aqui seria um país de bandidos. Ainda bem que esse número não é maior do que está.

ConJur — Agora, tem o copo cheio e o copo vazio. Está se dizendo no noticiário, 90% do noticiário é sobre crimes.
João Otávio de Noronha  Sim, aí é porque todo crime aqui agora está noticiado. Agora, vamos analisar, nós temos uma população de 220 milhões. Quantos processos criminais nós temos? Se for maior do que está significa que toda a nossa população está no crime. Então nós temos que entender que esse índice não é pequeno, 10%, 14%, ele já é muito alto, maior ainda significaria dizer que nós estamos vivendo no estágio de guerra civil, praticamente.

ConJur — Então não há uma percepção exagerada?
João Otávio de Noronha Não, há uma supervalorização das ações. Há sem dúvida. É que a mesma causa é divulgada. Qualquer crime de corrupção tem uma repercussão muito grande. E, às vezes, nem há crime. Há uma mera investigação. Eu já vejo muita gente condenada no Brasil por uma simples investigação. Eu acredito que essa é uma coisa que nós precisamos pensar com muita prudência no Brasil. A gente sabe de gente que foi presa preventivamente e depois nem se ofereceu denúncia contra ele, contra essa pessoa, com algumas pessoas. Então, isso é passível de ocorrer em qualquer lugar do mundo. Agora nós temos um número alto de processo penal. É que nós não podemos comparar coisas diferentes. Processo penal com processo civil, porque uma coisa é não cumprir o contrato, uma coisa é atrasar o pagamento. Se a gente tiver mais do que nós temos, nós podemos dizer que não estaremos no Brasil mais, nós estaremos em um estado totalmente de conflito, e de conflito muito sério.

O que a gente precisa entender é que, de um tempo para cá, a imprensa passou a dar mais importância e maior cobertura às ações penais, que é porque começou a investigação chegar em políticos, em autoridades, e isso chamou muito a atenção da mídia. Enquanto estava lá no pé "rapado" [sic], era tratado só pelos números. Hoje são tratados pelos nomes. Então a gente precisa entender que não é desejável que esse percentual aumente. O desejável é que esse percentual não passasse de 1%, 2%.

ConJur — Agora, presidente, o direito de defesa começou a ganhar corpo e chegou-se a um ponto que muita gente passou a criticar o excesso de recursos de direito de defesa e tal. O pêndulo foi para o outro lado, e com a legislação anticorrupção, que não foi inventada em Curitiba, ela foi um movimento internacional e nacional, inclusive com a jurisprudência do STJ e do Supremo. Com esse movimento anticorrupção chegou-se a um extremo —que parece estar cedendo agora—, o senhor acha que se está caminhando para o equilíbrio?
João Otávio de Noronha  Olha, eu acho que se não está, precisar estar. A regra num país democrático é a presunção da inocência, segundo, a regra num país democrático é a condenação para depois se cumprir a pena, terceiro, nós não podemos transformar prisão preventiva como regra. Ela tem pressupostos traçados na Constituição e no Código Penal que devem ser observados. A banalização importa muitas vezes o cometimento de injustiça. É preferível aguardar em liberdade, que é preferível que o réu aguarde em liberdade até ser efetivamente condenado para ser aprisionado, isso. Nós tivemos alguém que foi preso por determinação até de um ministro do Supremo, ficou mais de 60 dias preso, e depois se arquivou o processo. E aí? Qual é o sentimento desse cidadão com relação ao Estado? A regra certa de julgamento deveria ser aguardar, abria o processo para depois julgar, exceto se a pessoa estiver fugindo ou praticar qualquer daqueles atos ou fatos que justifiquem a prisão preventiva. Então, muitos juízes se empolgaram em prenderem para investigar. A gente prende para cumprir pena. Essa é a regra. E não para investigar. A investigação deve ser feita tanto quanto possível com a maior liberdade, exceto nas hipóteses que a lei já prevê cabimento da prisão preventiva.

ConJur — Ministro, nos últimos anos, ou 5, ou 10 ou 15, o Brasil entrou em um estado de histeria em relação à palavra corrupção. Hoje quando se critica a 1ª Instância, o Ministério Público, eles logo levantam dizendo: não, mas as nossas teses foram sufragadas pelo TRF, pelo STJ, pelo STF. No que toca a este tribunal, o STJ foi complacente com essa fúria punitivista que veio de Curitiba?
João Otávio de Noronha Não acredito que tenha sido complacente. O tribunal é composto por homens, homens não são Deus, homens acertam e erram, homens acertam e deles discordamos do acerto, porque a visão de tudo isso é muito subjetiva, cada um tem uma posição. Nada mais difícil do que conceituar justiça. Justiça se afere diante do caso concreto, e justiça tem uma alta dose de subjetividade, aquilo que é justo para mim pode não ser justo para você.

Então, o STJ tem juízes que ora são apontados como garantistas, e juízes que teoricamente seriam menos garantistas. Até eu não gosto do termo garantismo, porque todo juiz tem que ser por essência, por natureza, um garantista, porque quem garante, quem descreve os direitos fundamentais não somos nós juízes, mas é a Constituição. E mais, existe direitos fundamentais que surgem sem que ainda estejam na Constituição, e a nossa Constituição manda considerá-los como incorporados ao próprio direito. A nossa Constituição é democrática, e que numa série de instrumentos, e regras de interpretação para que os direitos fundamentais sejam observados, principalmente os direitos fundamentais no que tocam as minorias.

Portanto, eu acredito que o Superior Tribunal de Justiça foi um tribunal que julgou as causas como tem julgado, com total isenção. Pode ter acertado do ponto, pode ter errado no outro, mas é um tribunal que julga com o máximo de isenção possível. Aliás, se você observar bem casos importantes, o tribunal reduziu penas, outro caso importante ele absolveu, o que se precisa entender é que uma coisa é o juiz que julga segundo a verdade dos autos, e outro é o que julga sobre a verdade da mídia, com base no clamor público. Isso é a negação da própria justiça. Juiz só tem um vínculo: os autos, o processo, e só está preso à Constituição e à sua convicção motivada na verdade constante dos autos. Juiz que não se blinda das influências externas é um juiz despreparado, e não pronto para assumir um cargo de tamanho mister, que é garantir a concretização dos princípios e dos direitos fundamentais. Por isso eu digo sempre: é preciso muito cuidado, muito cuidado porque na mão de um julgador está o patrimônio, a liberdade e a vida do seu semelhante.

ConJur — Esse pessoal de Curitiba está respondendo agora, tal por esse momento de insanidade do país, depois de terem sido instigados, insuflados, estimulados, aplaudidos, e agora eles estão respondendo sozinhos, o senhor não acha isso uma grande injustiça?
João Otávio de Noronha Não. Não, porque cada um tem que ter responsabilidade pelo ato que pratica. Eu também seria, se saísse por aí condenando, pré-julgando pessoas que ocupam cargos públicos ou cargo político, certamente estaria agregando muita gente, mas não estaria agradando a minha consciência, não estaria cumprindo o meu dever de ser um juiz isento.

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