Precedente descumprido

Defensoria do RJ vai ao STF pedir prisão domiciliar de mães e grávidas

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8 de março de 2019, 17h55

Mesmo após o Habeas Corpus coletivo (HC 143.641) concedido pelo Supremo Tribunal Federal determinando a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de gestantes, lactantes e mães de crianças com até 12 anos de idade ou de pessoas com deficiência em casos em de crime sem violência ou grave ameaça e da Lei 13.769/2018, o entendimento não vem sendo seguido à risca.

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Juízes do Rio vêm descumprindo entendimento do STF, diz Defensoria.

Por isso, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro protocolou, nesta (8/3), petição junto ao STF para noticiar o descumprimento do precedente da corte e requerer a concessão da prisão domiciliar para 20 mulheres, mães de crianças menores de 12 anos de idade, que tiveram a detenção domiciliar negada em audiências de custódia promovidas na central de Benfica, no centro do Rio, entre 23 de agosto de 2018 e 20 de fevereiro.

Destas, 14 respondem pelo crime de tráfico, duas pelo de furto e outras quatro por associação criminosa e porte ilegal de armas. As justificativas apresentadas pelos juízes para manter a privação de liberdade vão da possibilidade de um familiar cuidar da criança e a inaptidão da mulher para exercer a maternidade em razão da prática de um crime até a inadequação do ambiente familiar, onde supostamente o delito teria ocorrido, para a decretação da prisão domiciliar.

Segundo as coordenadoras do Núcleo de Audiências de Custódia e de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria, Caroline Tassara e Flávia Nascimento, respectivamente, o HC coletivo prevê a permanência da prisão em "situações excepcionais e devidamente fundamentadas".

Contudo, as alegações apresentadas nas decisões analisadas pela Defensoria já foram descartadas pelo STF em diversas determinações proferidas após o Habeas Corpus. Um exemplo é o argumento de que não há como comprovar que a mulher realmente tenha filhos. O Supremo foi pontual ao julgar o HC coletivo: "para apurar a situação de guardiã dos filhos da mulher presa, dever-se-á dar credibilidade à palavra da mãe".

Outro argumento rebatido pelo Supremo é o de que a mãe que trafica põe os filhos em risco e, por este motivo, não seria digna da prisão domiciliar. Para o STF, a alegação "não encontra amparo legal", pois não há como provar que a mãe "é indiferente ou irresponsável para o exercício da guarda dos filhos".

O STF também rechaça o fundamento da suspeita de que o crime de tráfico tenha sido praticado na casa da acusada. De acordo a corte, "a suspeita de que a presa poderá voltar a traficar caso retorne à sua residência não tem fundamento legal e tampouco pode servir de escusa para deixar de se aplicar a legislação vigente". Além disso, para a corte, "não é justo nem legítimo penalizar a presa e aos que dela dependem por eventual deficiência na capacidade de fiscalização das forças de segurança".

"A precarização do nível de vida das mulheres que, diante da necessidade de recursos econômicos associada as necessidades de cuidados com os filhos e a execução das tarefas domésticas, acaba empurrando as mulheres para atividades ilegais como forma de conciliar suas múltiplas funções. No entanto, elas ocupam lugar subalterno na hierarquia do tráfico e, por isso, são capturadas mais facilmente. Neste cenário, a resistência na implementação integral do HC Coletivo, além de contribuir para o superencarceramento, faz com que muitas crianças nasçam nas prisões", destacou Flávia Nascimento.

Julgamento moral
Na avaliação de Caroline, a análise das decisões proferidas nas audiências de custódia do Rio revela também um forte julgamento moral.

Em uma das decisões analisadas, o descumprimento do HC coletivo é justificado da seguinte forma: "Afasto a aplicação da referida lei em observância ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, tendo em vista que a companhia da custodiada com os filhos é mais nociva do que benéfica a eles".

Em outro caso, o juiz argumentou: "Veja que embora ela tenha dois filhos menores de doze anos, certo é que tudo leva a crer que no dia dos fatos não estava dispensando os cuidados aos filhos, sobretudo porque sua prisão já se deu após a meia noite, quando se presume que seria a hipótese de estar em casa amparando os infantes".

Um terceiro julgador se justificou da seguinte forma: "Não há dúvidas de que as crianças que residem com ela possuem muito mais risco com sua liberdade do que com a imposição de sua prisão, quando poderão ser acolhidas, temporariamente, por um parente próximo".

Com relação ao caso de uma mulher grávida, o argumento utilizado para manter a prisão preventiva foi: "Muito embora a custodiada alegue que está grávida, no caso concreto não há impedimento para a prisão preventiva. Inicialmente, ressalte-se que não há nos autos, até este momento, prova da alegada gravidez. Ademais, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no HC 143.641, ressaltou que o benefício previsto […] não se aplica em situações excepcionalíssimas. A situação dos autos é excepcionalíssima".

"Nós não sabemos em que circunstâncias essas mulheres foram presas. Não cabe ao juiz fazer presunções ou julgamentos morais, muito menos para restringir o direito fundamental à liberdade de alguém. Tais julgamentos são cruéis com a condição dessas mulheres e revelam, no mínimo, falta de técnica e de empatia", destacou Caroline Tassara. Com informações da Assessoria de Imprensa da DP-RJ.

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