Opinião

A reforma da Previdência e o princípio constitucional da igualdade

Autor

  • Cristiane Fátima Grano Haik

    é advogada sênior do escritório Furriela Advogados pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Universidade Gama Filho mestre e doutoranda em Direito das Relações Sociais — Direito Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo — palestrante professora em cursos preparatórios para concurso público e na pós-graduação do Complexo Educacional FMU nas disciplinas de Direito Previdenciário e do Trabalho.

7 de março de 2019, 12h56

Como amplamente divulgado e comentado, no último dia 20, o governo federal apresentou a PEC 6/2019, que pretende reformar a Previdência Social no Brasil.

Parece realmente evidente que a Previdência Social brasileira necessita de ajustes, pois a antiga Lei Orgânica da Previdência Social (Lei 3.807, de 26/8/1960) já previa que os homens se aposentariam aos 65 anos de idade e as mulheres, aos 60, mesmas idades da legislação atual. Contudo, na década de 1960, a expectativa de vida do brasileiro era de 52,4[1], enquanto em 2017 é de 76 anos[2].

Por seu turno, a expectativa de sobrevida aos chegarmos aos 65 anos também subiu significativamente. A expectativa de sobrevida do brasileiro que chega aos 65 anos de idade é de quase 19 anos[3], ao passo que em 1960 um brasileiro que chegasse aos 65 anos tinha a expectativa de ainda viver um pouco menos que 11 anos e meio[4].

Contudo, a despeito de tais dados serem realmente contundentes, parece que o primeiro e mais importante motivo para que o sistema previdenciário brasileiro seja ajustado é que os vários regimes de previdência existentes no Brasil descumprem o princípio constitucional da igualdade, segundo o qual “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (artigo 5º, caput).

Com efeito, há grandes, enormes diferenças que marcam os diversos regimes previdenciários existentes no Brasil, em total arrepio ao que determina claramente o artigo 5º da Constituição Federal, antes transcrito.

Ainda hoje, em 2019, temos regimes próprios — aqueles destinados aos trabalhadores da esfera pública —, que permitem aos seus aposentados e pensionistas a integralidade (benefício em valor igual ao do último salário do servidor) e a paridade (mesmas vantagens e reajustes do pessoal que está na ativa), bem como um sistema de pensões extremamente vantajosas para seus beneficiários. Muitas vezes sem limitação ao teto do regime geral, que é de R$ 5.839,45, mas, sim, ao teto do funcionalismo, que é de, bem mais vantajosos, R$ 39,2 mil.

Enfim, tais razões, por si só, já são mais que suficientes para justificar a adequação dos regimes de previdência, de modo a torná-los cada vez mais igualitários, visando a unificação o mais breve possível, a fim de concretizar o papel precípuo da seguridade social, que é reduzir as desigualdades sociais.

Neste contexto, e diante da perspectiva de que os gastos com previdência aumentem ainda mais nos próximos anos, prejudicando os investimentos em educação, saúde e segurança pública, por exemplo, é que a PEC 6/2019 propõe uma reforma ampla, no sentido que abrange o RGPS e regimes próprios (dos servidores públicos dos três entes da federação e titulares de mandatos eletivos), havendo a promessa de breve envio de projeto de lei com a proposta de reforma da Previdência das Forças Armadas, policiais e bombeiros militares.

Enfim, ao que tudo indica, a reforma da Previdência exigirá uma cota de sacrifício de todos os cidadãos. Espera-se que menor dos menos favorecidos e maior dos trabalhadores que percebem maiores remunerações, o que a colocaria em consonância com os princípios da Seguridade Social — da qual a Previdência é uma das três subáreas, juntamente com a saúde e assistência social —, sendo que, dentre tais princípios, é possível destacar o da (i) universalidade da cobertura e do atendimento e o da (ii) seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços (incisos I e II do artigo 193 da CF, respectivamente), segundo os quais se pretende igualar o tratamento aos beneficiários, com maior amparo à população que tem maiores necessidades, de modo a concretizar o princípio geral da igualdade na esfera da Seguridade Social.

Evidente que a PEC 06/2019 ainda percorrerá um longo trajeto, e resta atentarmos para que seus aspectos sejam discutidos de forma democrática, de modo a corrigir eventuais injustiças e distorções, sem ceder a interesses corporativistas ou de grupos com maior poder e influência, em detrimento da maior parte da população, uma vez que a ordem social deve sempre ter como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (caput do artigo 193 da CF). Afinal, nunca devemos perder de vista que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária” (artigo 3º, CF) e que a “ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” mediante “redução das desigualdades regionais e sociais” (artigo 170, VII da CF).

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