Direto do Carf

Carf analisa o momento de incidência do IRPF sobre stock options

Autor

  • Alexandre Evaristo Pinto

    é conselheiro do Carf doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP mestre em Direito Comercial pela USP professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Financeiras e Atuariais (Fipecafi).

6 de março de 2019, 8h00

Spacca
Na coluna desta semana, trataremos da tributação das stock options pelo imposto de renda. Embora o Carf já tenha analisado a incidência de contribuição previdenciária sobre a concessão de stock options em diversas situações, o mesmo não pode ser dito da tributação pelo imposto de renda dos beneficiários de tal instituto.

Antes de adentramos nos precedentes do Carf, cabe contextualizar as condições históricas que culminaram na criação de tal instituto. Na década de 30, Adolph Berle e Gardiner Means constataram que a maior parte das companhias norte-americanas possuía capital pulverizado no mercado de ações, o que apontava uma tendência ao divórcio entre a propriedade das ações (que é dos acionistas) e o controle da companhia (que estava sendo exercido pelos diretores em razão da dispersão do capital) [1].

Diante do risco de conflito entre os interesses dos acionistas e dos administradores, Michael Jensen e William Meckling formularam a teoria da agência, pela qual há um principal (ex.: acionistas) e o agente (ex.: administradores), sendo que o agente pode, eventualmente, agir em seu próprio interesse em detrimento do interesse do principal [2]. Nesse cenário, as stock options surgem como um dos vários instrumentos pelo qual se alinham os interesses dos administradores aos da empresa (e consequentemente aos dos acionistas), isto é, elas funcionam como um mecanismo de governança corporativa que diminui os potenciais conflitos de agência existentes entre administradores e acionistas.

Feitas essas considerações, passamos à análise da tributação das stock options pelo imposto de renda da pessoa física (IRPF). A materialidade do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza é auferir renda e proventos de qualquer natureza, sendo que o seu critério temporal diz respeito ao momento de percepção dos rendimentos pela pessoa física.

Nas hipóteses em que as ações (e não as opções de ações) são oferecidas gratuitamente para os seus beneficiários, o IRPF é devido, mensalmente, pela metodologia do recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão), conforme a tabela progressiva mensal do imposto de renda, sendo que tais rendimentos ainda serão levados em conta quando da declaração do ajuste anual.

Em caso envolvendo a concessão de ações de companhia estrangeira a beneficiário que é funcionário de pessoa jurídica brasileira integrante do mesmo grupo econômico, a Receita Federal do Brasil se manifestou por meio da Solução de Consulta DISIT n. 175/10 que tal concessão constitui rendimento tributável da pessoa física, pelo valor que as ações tiverem na data da percepção. Quando tais ações forem alienadas, haverá apuração de ganho de capital.

Todavia, quando houver onerosidade no tocante ao exercício da opção de compra da ação, resta dúvida sobre qual seria a forma e o momento de tributação pelo imposto de renda.

Viviana Dal Mas destaca que os planos de concessão de stock options se dividem geralmente em 4 fases: (i) fase de concessão da opção; (ii) fase de possibilidade de exercício da opção de compra; (iii) fase de compra das ações pelo beneficiário; e (iv) fase de venda das ações pelo beneficiário [3].

Ainda que não haja nenhuma garantia de que o beneficiário do plano de stock option irá cumprir as condições pré-estabelecidas em tal plano ou até mesmo de que exercerá a opção da compra, há necessidade de registro contábil da outorga da opção no momento de sua concessão ("grant date") segundo o Pronunciamento Contábil n. 10 "Pagamento Baseado em Ações" do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), sendo que os instrumentos patrimoniais outorgados deverão ser mensurados pelo seu valor justo [4].

Após o cumprimento de um prazo de carência ("vesting period") para o exercício das stock options, prazo este definido em seu plano como forma de incentivar que o beneficiário permaneça mais tempo na empresa, o beneficiário passa a ter o direito de exercer ou não essa opção de compra [5]. Trata-se da fase da possibilidade de exercício da
opção de compra.

Caso o preço da ação seja maior do que o preço de exercício da stock option, é razoável que o beneficiário exerça a opção de compra da ação, hipótese que provavelmente não acontece caso o preço da ação seja menor do que o preço do exercício da opção. Trata-se da fase de compra da ação.

Por fim, na fase de venda das ações, o beneficiário realiza o provável ganho, que é derivado da diferença entre o preço de exercício de compra da ação e o preço de alienação da ação.

A partir dos lançamentos tributários que foram revisados no âmbito do CARF, verifica-se que a grande discussão é se: (i) as stock options são tributadas no momento em que são exercidas, isto é, na fase de aquisição das ações pelo beneficiário, hipótese na qual elas seriam considerados rendimentos tributáveis sujeitos ao recolhimento mensal
obrigatório; ou (ii) as stock options são tributadas no momento em que as ações decorrentes do exercício da opção são alienadas, ou seja, na fase de venda das ações pelo beneficiário, hipótese na qual a alienação das ações é tributada como ganho de capital.

Ademais, partindo-se da premissa de que as stock options são tributadas na fase de aquisição das ações, ora as autoridades fiscais consideraram como base de cálculo do imposto de renda a diferença entre o preço de exercício da opção de compra da ação e o valor de mercado da ação na data de exercício, ora as autoridades consideraram a diferença entre o prelo do exercício da opção de compra da ação e o valor justo da opção concedida na data da concessão da stock option.

o Acórdão nº 2301­ 005.752, julgado em 08/11/2018, entendeu-se, por maioria de votos, que a diferença positiva entre o valor de mercado da ação no dia do exercício da opção de compra e o valor pago para o exercício da opção constituiria provento de qualquer natureza, isto é, um acréscimo patrimonial.

Tal acréscimo patrimonial teria ocorrido no momento em que o beneficiário exerce a opção de compra pelo valor inferior ao que ação vale segundo a sua cotação de mercado, de modo que se considerou que a tributação se dá na fase de aquisição das ações.

Em sentido contrário ao entendimento majoritário dos conselheiros julgadores no referido julgamento, o voto vencido considerou que não há que se falar em aquisição de disponibilidade de renda da pessoa física antes do momento de venda das ações adquiridas. Assim, a potencial renda decorrente do exercício da opção de compra da ação somente seria realizada com a alienação da ação, sendo tributada enquanto ganho de capital. Some-se a isso o fato de que a pessoa física é tributada, como regra geral, pelo regime de caixa.

Por fim, destaque-se que, no referido caso, entendeu-se que o montante pago pelo contribuinte a título de imposto de renda sobre o ganho de capital poderia ser compensado com o tributo objeto do lançamento. No Acórdão nº 2301­005.761, julgado em 03/12/2018, o entendimento manifestado pela Turma foi semelhante ao do Acórdão nº 2301­ 005.752, embora tenha sido dado provimento total, por maioria de votos, ao Recurso Voluntário.

Ocorre que na autuação fiscal, embora o lançamento do IRPF também tenha levado em consideração o momento do exercício da opção, ele teve como base de cálculo a diferença entre o preço de exercício da opção e o valor correspondente à despesa contabilizada no momento de concessão da stock option. Assim, a Turma entendeu que a base de cálculo deveria ser a diferença entre o preço de exercício da opção e o valor de mercado das ações (vigente no momento do efetivo exercício).

Diante de todo o exposto, verifica-se que os primeiros julgamentos do Carf relativos ao IRPF sobre as stock options têm sido no sentido de que o beneficiário das opções de ações aufere acréscimo patrimonial tributável pelo imposto de renda quando exerce a opção de compra, sendo que a base de cálculo é a diferença entre o preço do exercício e o valor de cotação da ação na data do exercício.

Tendo em vista que se trata de um tema ainda pouco debatido no âmbito do CARF e que ambas as decisões sobre o tema são oriundas da mesma turma, há ainda um grande espaço para uma maior discussão, a respeito do momento que se considera realizada a renda decorrente das stock options, se no momento da opção de compra, ou se no momento da alienação das ações com a consequente tributação enquanto ganho de capital.


[1] BERLE, Adolph, MEANS, Gardiner. A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Nova Cultural, 1987.

[2] JENSEN, Michael; MECKLING, William. Theory of the firm: Managerial Behavior, Agency Costs, and Ownership Structure, Journal of Financial Economics, v. 3, 305-360, 1976.

[3] DAL MAS, Viviana Castro Neves Pascoal. Stock Options na Relação de Emprego. São Paulo: LTr, 2008. pp. 25-26.

[4] GELBCKE, Ernesto Rubens, SANTOS, Ariovaldo dos, IUDÍCIBUS, Sérgio de, MARTINS, Eliseu. Manual de Contabilidade Societária: aplicável a todas as sociedades: de acordo com as normas internacionais e do CPC. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2018. pp. 601-605.

[5] KIMURA, Herbert, BASSO, Leonardo Fernando Cruz, PERERA, Luiz Carlos Jacob. Stock Options e Criação de Valor para o Acionista. Ribeirão Preto: Inside Books, 2009. pp. 16-22.

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    é conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Comercial pela USP e bacharel em Direito pelo Mackenzie e em Contabilidade pela USP. Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e coordenador do MBA IFRS da Fipecafi.

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