Segunda Leitura

É preciso maior atenção ao problema da destinação dos resíduos

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

3 de março de 2019, 11h57

Spacca
Consideram-se resíduos sólidos o “material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível” (art. 3º, inc. XVI, da Lei  12.305, de 2010). 

Segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria – CNI:

O impacto gerado pelos resíduos sólidos em um mundo cada vez mais urbano cresce de forma acelerada. Resíduos sólidos urbanos contêm significativa parcela de matéria orgânica cuja decomposição anaeróbica gera metano, um gás do efeito estufa. Os efeitos locais dos resíduos que não são adequadamente dispostos contribuem para prejuízos aos cofres públicos, alagamentos, poluição da água e do ar, além de gerar impactos sobre a saúde pública, como doenças respiratórias, proliferação de insetos vetores de doenças.  [1]

O destino mais comum dos resíduos são os lixões. Eles são amontoados de resíduos a céu aberto, sem qualquer tratamento ou cautela de separação. Constituem a fase mais atrasada de enfrentamento do problema. O ideal é que eles sejam colocados em aterro sanitário, que é “uma obra de engenharia projetada sob critérios técnicos, cuja finalidade é garantir a disposição dos resíduos sólidos urbanos sem causar danos à saúde pública e ao meio ambiente” [2].  

Os aterros sanitários são licenciados pelos órgãos ambientais e, neles, os restos são  depositados em camadas  intercaladas por faixas  de terra protegidas por mantas impermeáveis, atentando-se para a periculosidade ou utilidade que possam ter. Parte dos resíduos pode ser aproveitada. Por exemplo, os gases produzidos pela decomposição do lixo, que podem ser direcionados a uma usina geradora de energia.

A diversidade do depósito e tratamento dos resíduos abre a possibilidade de regramentos específicos, regra geral feitos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA.  Por exemplo, os restos dos serviços de saúde pela Resolução 358/2005 e a acomodação de resíduos residenciais, que permitem aterros de pequeno porte, pela Resolução CONAMA 404/2008. A Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT emite, também, atos disciplinando a matéria, como a NBR 8419, que trata da "Apresentação de projetos de aterros sanitários de resíduos sólidos urbanos" [3].  

O aumento da população e a mudança nos hábitos de consumo aumentaram significativamente a quantidade de resíduos e, com isto, criou-se um problema social, ambiental e econômico para cuja solução o Direito não vem dando contribuição significativa. 

Reportagem da Revista Exame em 2013, baseada em pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), alertava sobre a situação de cada estado da federação. Os dados já eram alarmantes, pois das 64 milhões de toneladas de resíduos gerados em 2012, 24 milhões seguiram para destinos inadequados, como lixões [4]

Na verdade, gestores públicos, a população, a legislação, principalmente a Lei 12.305, de 2010, que trata da Política Nacional de Resíduos Sólidos, bem como as decisões judiciais, não deram solução aos principais problemas. 

Tudo isto representa um desafio enorme para o Brasil, cuja população supera 200 milhões de pessoas. Principalmente porque, para a maioria delas, o problema termina quando o saco plástico de lixo é colocado em um recipiente destinado à coleta. O ditado “quem não é visto não é lembrado” aplica-se à situação, em uma estranha interpretação analógica. 

Poucos se preocupam com algo que não lhes atinge diretamente os sentidos. Não afetando a visão, o odor ou a audição, a maioria das pessoas não considera os rejeitos um problema.  No entanto, eles geralmente estão escondidos a alguns quilômetros dos centros urbanos e poderá estar contaminando o solo, a água subterrânea e o ar, trazendo o problema de volta ao despreocupado vivente em doenças de variadas espécies. 

Bem, se aí está o problema, necessário é que pensemos em soluções. Artigos, discussões em congressos, monografias, dissertações de mestrado ou teses de doutorado, de nada valem se não forem acompanhadas de propostas concretas  de soluções. 

Se temos que achar caminhos para o intrincado problema, sempre lembrando que, dele, somos parte, a premissa é que precisamos de educação ambiental, mas também de controle. Quando se fala em educação, não se está a pensar, simplesmente, no ambiente, mas também nas relações de consumo. O maior desafio é despertar o senso crítico nas pessoas. Por exemplo, mostrar a desnecessidade de embalagens excessivas, como plásticos envolvendo uma simples caixa de papelão. 

O segundo é mais complexo: orientar quanto às compras inúteis. A propaganda é feita por profissionais inteligentes, com apoio de psicólogos sociais, tudo a gerar a necessidade da compra. Por outro lado, não se pode ignorar que o não comprar tem efeitos econômicos sérios, um deles é o desemprego. Por tudo isto, a educação deve ser feita com maestria e mostrando esses diferentes ângulos.

Em seguida, vejamos a nossa conduta individual. Vale perguntar a nós mesmos: separo o lixo na hora de colocar em um saco plástico? Em condomínios, fiscalizo o destino do lixo posteriormente? Cobro, a colocação de coleta seletiva em locais de grande afluxo de pessoas, como clubes ou escolas? Rejeito plásticos quando compro substâncias protegidas? Uso copos de vidro para tomar água, recusando, quando possível, utilizar os de plástico? Óbvio que nosso comportamento é essencial, inclusive como exemplo para familiares e pessoas com quem convivemos.

Outro aspecto relevante: os órgãos públicos estão cumprindo seu dever constitucional de zelar pelo meio ambiente (art. 225), criando setor socioambiental? Em julho de 2017, em artigo publicado nesta revista eletrônica, apurei que nenhuma das Assembleias Legislativas tinham programa deste tipo [5]

As empresas têm também responsabilidade. Mas, se investem na proteção do meio ambiente, seus produtos podem ficar mais caros e, disto, resultarem prejuízos. Tal fato recomenda fiscalização severa contra os infratores, para que haja paridade de armas na concorrência, e incentivos aos que se portam de forma exemplar. Para as grandes sociedades anônimas, a Bolsa de Valores de São Paulo oferta Índices de Sustentabilidade, cujo reflexo pode ser maior interesse na compra de ações [6]

Finalmente, o mais difícil. A disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos (leia-se aterros sanitários), exigida pelo art. 54 da Lei de Resíduos Sólidos a partir de 2 de agosto de 2014, vem sendo adiada ano a ano. Óbvio que as dificuldades são muitas, inclusive a proibição pelo STF de empreendimentos destinados à gestão de resíduos sólidos em áreas de preservação permanente, não lhes reconhecendo utilidade pública [7].  Porém, da forma como se está procedendo, a cada ano adiando a exigência, resulta em perda de credibilidade no Poder Público e danos ao meio ambiente. Há que se achar o caminho da razoabilidade, pondo fim a este impasse.

Em suma, o problema está posto. Resta-nos praticar e achar a solução, sempre lembrando que a responsabilidade é de todos e não apenas do Poder Público.


[1] Visão da Indústria Brasileira sobre a Gestão de Resíduos Sólidos. Disponível em: http://www.fiepr.org.br/para-empresas/conselhos/moveleira/uploadAddress/Visao_da_Industria_Residuos_Solidos%5B61297%5D.pdf. Acesso em 02/02/2019.

[2] Ministério do Meio Ambiente. Mecanismo de desenvolvimento limpo. Ana Ghislane Henriques Pereira van Elk Disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/srhu_urbano/_publicacao/125_publicacao12032009023918.pdf. Acesso em 02/03/2019.

[3] Disponível em: licenciadorambiental.com.br/wp-content/uploads/2015/01/NBR-8.419-NB-843-Apresentacão-de-Projetos-de-Aterros-Sanitarios-RSU.pdf. Acesso em 02/03/2019.

[4] Revista Exame, Quanto lixo os brasileiros geram por dia em cada estado. Disponível em: https://exame.abril.com.br/tecnologia/quanto-lixo-os-brasileiros-geram-por-dia-em-cada-estado/. Acesso em 2/3/2019.

[5] Assembleias legislativas deixam claro que não se preocupam com meio ambiente. Revista Eletrônica do Consultor Jurídico, 9/7/2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jul-09/segunda-leitura-assembleias-legislativas-nao-preocupam-meio-ambiente. Acesso 2/2/2019.

[6] Disponível em: http://www.b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/indices/indices-de-sustentabilidade/. Acesso em: 02/03/2019.

[7] STF, ADI 4903, Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=370937. Acesso em: 02/03/2019.

Autores

  • Brave

    é chefe da Assessoria Especial de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).

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