Opinião

Os Estados Unidos também vivem seu declínio econômico

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  • Pedro Benedito Maciel Neto

    é advogado pós-graduado em Processo Civil Filosofia Social e Planejamento Fiscal pela PUC-SP tendo cursado Economia Monetária no IE da Unicamp sócio da Maciel Neto Advocacia autor de Reflexões sobre o Estudo do Direito (ed. Komedi) conselheiro da Sanasa S.A ex-professor universitário ex-secretário municipal em Campinas e Sumaré.

3 de março de 2019, 13h47

O processo de declínio do Império Romano do Ocidente começou em meados do século IV d.C., sobretudo em razão da série de problemas que desde o século III o assolava, como as invasões bárbaras, a crise econômica e a disputa dos militares pelo poder.

Do ponto de vista econômico, o Império Romano entrou em crise sobretudo após o colapso do sistema escravista, que teve de ser substituído pelo sistema de colonato, que consistia na relação entre pessoas com precárias condições de subsistência e grandes proprietários de terras, que contratavam seus serviços e, em troca, ofereciam proteção e terras para o trabalho. Muitos proprietários que possuíam escravos passaram a libertá-los e a estabelecer também o regime de colonato com eles. Esse processo acabou por provocar uma decadência dos centros urbanos e da atividade comercial nas cidades.

Os EUA também vivem seu declínio.

Ao final da Segunda Guerra Mundial, os EUA possuíam metade da riqueza do mundo; em 1970, a fatia norte-americana da riqueza mundial já era menor que 25%. Hoje ainda não há concorrente para seu poder econômico, mas vivemos num mundo em que o poder global segue se diversificando, o que obrigaria os Estados nacionais, o Brasil inclusive, a buscar manter e ampliar relações comerciais com tantos países quanto seja possível.

Aloísio Sérgio Barroso escreveu no seu EUA, império e espectros múltiplos da decadência que os centros industriais dos EUA se tornaram “cascas” daquilo que simbolizavam: Detroit (Michigan) perdeu 25% da sua população, assim como Gary (Indiana), 22%; Flint (Michigan), 18%, e St. Louis (Missouri), 20% dela! Noutro longo e veemente enfoque no O futuro dos Estados Unidos será a ruína[1], o então secretário assistente do Tesouro do governo Reagan, Paul Craig Roberts, afirmou que os EUA instalaram um nível de corrupção e manipulação na sua economia, assim como sua política externa, atualmente, que simplesmente seriam impossíveis em outros tempos, quando a ambição de Washington era conter a União Soviética: “A ganância pelo poder hegemônico fez de Washington o governo mais corrupto do planeta”.

Não é difícil afirmar que a posição atual do imperialismo norte-americano no sistema de relações internacionais deve-se grandemente ao seu poder militar ou sua eterna ameaça terrorista de deflagração de uma “guerra nuclear” mundial, mas a decadência é indisfarçável.

Sobre o poderio militar do império, Paul Kennedy, em seu clássico Ascensão e queda das grandes potências (Campus, 1989), afirma que a história dos últimos 500 anos de rivalidade internacional mostra que apenas segurança militar não é suficiente para manutenção do império, pode funcionar e “conter ou derrotar rivais” no curto prazo, porém, ao se estender demais “geográfica e estrategicamente” — e mesmo isso ocorrendo num nível “menos imperial”, volta-se à “proteção” e menos ao “investimento produtivo” —, provavelmente verá a redução de seu poderio econômico, “tristes implicações para a sua capacidade de manter em longo prazo o consumo de seus cidadãos e sua posição internacional”.

De outra parte, a constatação da decadência multiforme do imperialismo norte-americano é inegável, apenas Olavo de Carvalho e seus seguidores negam a dialética histórica.

Essa visão tacanha certamente esvaziará a participação do Brasil no Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que desde 2006 relaciona-se com vistas à formação de um bloco econômico ou uma associação de comércio formal, como no caso da União Europeia, além de converter seu crescente poder econômico em uma maior influência geopolítica. Desde 2009, os líderes do grupo realizam cúpulas anuais. Aguardemos o que nos espera.

O declínio é parte integrante da passagem da geopolítica do poder global do Ocidente para o Oriente: “Pela primeira vez na história, a política mundial é, ao mesmo tempo, multipolar e multicivilizacional. A modernização econômica e social não está produzindo nem uma civilização universal de qualquer modo significativa, nem a ocidentalização das sociedades não ocidentais” (Choque de civilizações e a reconstrução da ordem mundial, Objetiva, 1997 [1996], p. 19).

Essa é a premissa.

Evidentemente os EUA estão em declínio, porém não é um fenômeno que ocorrerá “de hoje para amanhã”, o poderio americano continua, sustentado no terror e num orçamento militar imoral (só as guerras de Bush e Obama no Iraque e Afeganistão custaram US$ 4,4 trilhões de ao povo norte-americano), mas o mundo continua a se tornar diversificado e os ianques mostram-se cada vez mais incapazes de impôr sua vontade. Mas, como ressalva Noam Chomsky, quem mais perde é o americano médio, pois “o que é declínio para alguns pode ser riqueza e privilégio inimagináveis para outros”.

O Brasil vinha contribuindo para o avanço de uma agenda de desenvolvimento, ampliação de direitos e promoção da igualdade nos países do sul global, por meio da produção de conhecimento crítico e relevante para o debate público acerca das transformações em curso no sistema internacional e seus desdobramentos nos planos local, nacional e regional, mas o governo eleito em outubro tem visão tacanha do papel e importância do Brasil no mundo.

O governo Bolsonaro ignora o cenário internacional que se apresenta desde a década de 1990, com o fim da Guerra Fria, com a derrocada da União Soviética, em que o modelo neoliberal pareceu unificar os valores sociais, políticos e econômicos, baseado no enfraquecimento do Estado e na abertura das economias nacionais à livre concorrência.

Eles parecem não saber que a globalização financeira, das informações e dos valores intensificou as desigualdades entre os Estados, produzindo, simultaneamente, grandes assimetrias econômicas e um alto grau de interdependência política. Talvez nunca tenham lido Celso Lafer e Gelson Fonseca Junior, que em 2001 chamaram de predominância de "forças centrípetas", agregadoras, que, entretanto, geraram um déficit de governança no sistema internacional.

O ocupante do Palácio do Planalto não compreende que essa realidade colocou dois desafios aos governos da comunidade internacional: (a) corrigir as assimetrias de ganhos e vantagens e (b) elaborar políticas voltadas à construção de uma globalização mais solidária.

Bolsonaro, seus filhos e escolhidos por ele para administrar os interesses nacionais parecem ignorar que o início do século XXI trouxe, portanto, algumas alterações no reconhecimento dos Estados, tanto quanto no tipo de relações estabelecidas entre eles, razão pela qual a multipolaridade define este novo momento.

Com exceção do âmbito militar, no qual os Estados Unidos ainda são bastante superior aos demais países, a multipolaridade se tornou uma constatação sistêmica, uma vez que outras formas de poder (como o soft power), para além da concebida pela vertente realista (hard power), se impuseram com relevância no sistema global. Por isso o realinhamento de forças, com a emergência de grandes países em desenvolvimento, como Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul, trilhou o caminho para uma nova ordem que, por sua vez, demandaria novos mecanismos de funcionamento.

Infelizmente teremos um período de obscurantismo, cujas consequências serão colhidas por outras gerações.


[1] http://www.paulcraigroberts.org/2015/01/16/ruin-future-paul-craig-roberts – Institute of Political economy, 16-01-2015.

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