Opinião

Panorama atual sobre dispute boards nos contratos públicos brasileiros

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2 de março de 2019, 12h40

Desde 2005, a Lei 8.987/1995 (Lei de Concessões) autoriza expressamente o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas aos contratos regidos por esta lei. No mesmo sentido, a Lei de PPPs (11.079/2004), em seu artigo 11, III, também o permite.

Neste cenário, passaram e ser usadas as dispute boards (DB), juntas, painéis, comitês ou conselhos para a solução de litígios no âmbito de um contrato, cujos membros são indicados por ocasião da celebração do contrato ou ad hoc para solucionar uma controvérsia quando previamente assim dispuser o contrato. Normalmente os membros de uma DB acompanham toda a execução do contrato, podendo, conforme o caso, fazer recomendações (dispute review boards – DRB), tomar decisões (dispute adjudication boards – DAB) ou até exercer ambas as funções (combined dispute boards — CDB), dependendo dos poderes que lhes forem outorgados pelas partes.

Ainda não há tratamento normativo geral e nacional para essa modalidade no Brasil. Exceção é o município de São Paulo, onde desde o ano passado vigora a Lei 16.873/2018, que introduziu a figura dos comitês de prevenção e solução de disputas na celebração de contratos da administração direta e indireta da cidade.

De acordo com a lei paulistana, os comitês poderão ter natureza revisora, adjudicativa ou híbrida, definida pelo contrato administrativo. Ao Comitê por Revisão é conferido o poder de emitir recomendações não vinculantes às partes em litígio; ao Comitê por Adjudicação é conferido o poder de emitir decisões contratualmente vinculantes às partes em litígio; e o Comitê Híbrido poderá tanto recomendar quanto decidir sobre os conflitos. Destaca-se que as decisões emitidas pelos comitês com poderes de adjudicação poderão ser submetidas à jurisdição judicial ou arbitral em caso de inconformidade de uma das partes.

Nesse cenário, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 9.883/2018, que pretender tratar exclusivamente do uso dos dispute boards em contratos administrativos a nível nacional. Tal proposição prevê disposições mais gerais, a fim de preservar a flexibilidade na sua estruturação, que é um dos seus maiores atributos. Já no Senado Federal tramita o PLS 206/2018, que, inspirando-se na experiência de São Paulo, pretende regulamentar a instalação das DBs em contratos administrativos continuados celebrados pela União.

Ademais, o Projeto de Lei 6814/2017, que pode se converter na nova Lei Geral Licitações, também pretende regulamentar a questão, em seu artigo 86, parágrafo 3º, chamando as DBs de “comitê de resolução de disputas”.

No entanto, atualmente, o fundamento dessa modalidade em todo o país é estritamente contratual, podendo o contrato disciplinar a vinculatividade (se o produto da junta será recomendação ou determinação), composição e funcionamento, dentre outras coisas. Além disso, diversas instituições nacionais e internacionais propõem modelos de regulamentos visando disciplinar a utilização das juntas.

Um exemplo é a Fédération Internationale des Ingénieurs-Conseils (Fidic), que desde 1995 apresenta a DB como importante meio de resolução alternativa de litígios que eventualmente podem surgir durante a execução do contrato.

A experiência prática tem mostrado que questões técnicas em contratos complexos são melhor equacionadas pelas DBs, tendo em vista a expertise dos membros que compõem as juntas e, principalmente, em razão da proximidade dos mesmos com o andamento do contrato, o que lhes permite analisar a questão à hora dos fatos e com subsídios contemporâneos ao litígio.

Contudo, apesar de eficiente, é necessária muita atenção para que a dispute board não se transforme numa dilatação indeterminada do tempo para resolução da controvérsia, por diversos motivos, dentre os quais estão a inabilidade dos membros da junta e a sucessiva prorrogação do prazo para análise da questão. Assim, é aconselhável que a escolha dos membros seja cuidadosa, buscando um perfil que seja técnico e vocacionado para a resolução de controvérsias. Combinar estas duas dimensões é essencial. De igual sorte, ter prazo para a resposta da junta, com limite de prorrogação, é essencial.

Sob este aspecto, são numerosos os exemplos de licitações e de contratos públicos que preveem o acionamento das DBs nos últimos anos e, apesar de ainda não ser uma prática consolidada no país, os instrumentos que prescreveram o acionamento de juntas têm apresentado resultados favoráveis. São exemplos o caso pioneiro do contrato de expansão do Metrô de São Paulo em 2003, dos contratos firmados para construção e reforma de estádios para a Copa do Mundo em 2014, além de sua utilização em parcerias público-privadas (como a MG-050) e na construção do trecho norte do Rodoanel em São Paulo.

Assim, em conclusão, é auspicioso o enfrentamento do tema pela lei no plano federal, indicando que o fortalecimento das dispute boards no Brasil é uma tendência. De igual sorte, representa um bom aceno para investidores, financiadores e contratantes, uma vez que sua aplicação pode motivar a diminuição dos riscos operacionais e garantir maior segurança à execução dos grandes contratos com a administração.

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