Opinião

A proteção excepcional da marca de alto renome no Brasil

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2 de março de 2019, 7h06

No Brasil, uma marca confere ao seu titular o direito de explorar com exclusividade determinado signo somente em seu ramo de atuação. Assim, ao depositar um pedido de registro, é necessário que o titular especifique os produtos e/ou serviços que pretende proteger, além de declarar expressamente ao Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (Inpi) que exerce efetiva e licitamente atividade compatível com os produtos ou serviços reivindicados, em cumprimento ao disposto no artigo 128 da Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/96). Exceção a essa regra se dá em relação à proteção conferida pelas marcas de alto renome, conforme previsão do artigo 125 da LPI, que se estende a todos os ramos de atividade.

Uma marca de alto renome é uma marca de prestígio, reputação e tradição incontestáveis, que a levam a extrapolar seu escopo primitivo, motivo pelo qual recebe proteção ampliada. Trata-se de exceção ao princípio da especialidade, em função da distintividade do signo, de seu reconhecimento por ampla parcela do público, além da flagrante capacidade de atrair os consumidores em razão de sua simples presença.

Atualmente, existem no Brasil 106 marcas de alto renome reconhecidas pelo Inpi, como Coca-Cola, Rolex, Microsoft, Havaianas e Flamengo. Tal proteção se dá igualmente a marcas figurativas, aquelas formadas apenas por imagens, sem qualquer tipo de texto, como o jacaré da Lacoste e o arco da Nike. Graças à proteção dada às marcas de alto renome, uma empresa do ramo alimentício não pode, por exemplo, usar a expressão Facebook, ou uma empresa de joias lançar uma coleção Ford. O reconhecimento de tal proteção excepcional cabe exclusivamente ao Inpi.

Na medida em que a LPI não regulamenta o procedimento nem mesmo os requisitos necessários para a obtenção desse reconhecimento, o Inpi publicou diversas resoluções sobre o assunto, até que, em 20/8/2013, foi publicado o Regulamento 107/2013, que estabelece a forma de aplicação do disposto no artigo 125 e veio a trazer nova definição de alto renome, passando a dispor no seu artigo 1º que se considera de alto renome a marca registrada cujo desempenho em distinguir os produtos ou serviços por ela designados e cuja eficácia simbólica levam-na a extrapolar seu escopo primitivo, exorbitando, assim, o chamado princípio da especialidade, em função de sua distintividade, de seu reconhecimento por ampla parcela do público, da qualidade, reputação e prestígio a ela associados e de sua flagrante capacidade de atrair os consumidores em razão de sua simples presença.

Assim, as indústrias viram a possibilidade de obter proteção de suas marcas em múltiplas classes na esfera administrativa. Segundo a própria resolução, o disposto no artigo 125 destina-se a possibilitar a proteção da marca considerada de alto renome contra a tentativa de terceiros de registrar sinal que a imite ou reproduza, ainda que ausente a afinidade entre os produtos ou serviços aos quais as marcas se destinam, a fim de coibir as hipóteses de diluição de sua capacidade distintiva ou de seu aproveitamento parasitário. A excitação para obtenção do reconhecimento do alto renome se deu, pois, além de garantir a proteção territorial em todas as classes de produtos e serviços, esse status representa significativo aumento no valor dos intangíveis das empresas.

Estabeleceu-se, ainda, na Resolução 107/2013 que o procedimento para requerer a anotação de alto renome ocorreria em etapa autônoma ao processo de registro da marca, mediante requerimento específico de seu titular, instruído com provas e sujeito ao pagamento de retribuição específica a ser analisado por uma comissão especial. Ainda, a comprovação do alto renome foi vinculada a três quesitos fundamentais, conforme o artigo 3º: o reconhecimento da marca por ampla parcela do público em geral, a qualidade, reputação e prestígio que o público associa à marca e aos produtos ou serviços por ela assinalados; e o grau de distintividade e exclusividade do sinal marcário em questão. O artigo 4º da Resolução 107/2013 recomenda, ainda, que nos casos dos incisos I e II os requisitos podem ser comprovados por meio de pesquisa de mercado e pesquisa de imagem de marca, respectivamente.

Caso seja reconhecido o alto renome, o titular terá direito à proteção especial por 10 anos (artigo 8º, parágrafo único da Resolução 107/2013). A partir do último ano desse prazo, o titular pode requerer novamente o reconhecimento do alto renome da marca (artigo 9º da Resolução 107/2013), instruindo a petição com dados recentes a fim de comprovar o preenchimento dos requisitos.

Ocorre que o estabelecido pelo regulamento não foi suficiente para compreender o que os examinadores da autarquia iriam considerar em sua análise do alto renome de uma marca. Os requisitos para comprovação da condição de alto renome foram inicialmente considerados como simples de cumprir, mas, em levantamento realizado nos anos de 2014 a 2016, verificou-se que, de 284 solicitações submetidas ao Inpi, 153 foram analisadas e apenas 10 foram concedidas.

As razões para essa taxa limitada de sucesso nos requerimento são a incorreção da metodologia aplicada nas pesquisas de mercado, resultando em evidências insuficientes de reconhecimento e prestígio da marca por uma parcela significativa da população geral brasileira, não apenas por seus clientes reais ou potenciais, a insuficiência de documentos em suporte ao requerimento, a diluição prévia da marca em outros campos do mercado e a insuficiência de dados relativos à percepção da população geral brasileira sobre o nível distintivo da marca.

Como resultado de evidências insuficientes, pedidos de marcas notórias em nível nacional e internacional, como Banco do Brasil, Fiat, Mastercard, Nike, Flamengo e Google, foram inicialmente rejeitados. Por outro lado, os pedidos de marcas não tão obviamente famosas para o público em geral brasileiro, mas com um conjunto de evidências mais sólido, obtiveram status de alto renome, como Toyota, Honda e Playstation.

Os titulares das marcas que tiveram seus pedidos de alto renome rejeitados verificaram a importância da apresentação de dados objetivos em relação ao conhecimento e ao prestígio da marca no Brasil. As pesquisas quantitativas, apesar de provar concretamente o significativo conhecimento da marca, não são suficientes sem os dados objetivos quanto ao conhecimento e prestígio da marca.

Tais dados objetivos foram definidos pelos parágrafos 1º e 2º do artigo 4º da Resolução Inpi/PR 107/2013. Assim, observando o definido pelo artigo 4º da resolução, o titular da marca que queira obter a proteção especial do alto renome deverá comprovar de forma objetiva que esta possui atração excepcional sob o mercado em geral. Para tanto, recomenda-se que seja apresentado junto ao Inpi o perfil do público já usuário e do público-alvo, perfil e fração dos consumidores de outros segmentos de mercado que imediata e espontaneamente identifiquem a marca pelos produtos/serviços oferecidos e pera tradição e qualificação no merca, informações que demonstrem que o público tem conhecimento sobre os valores da marca, demonstração do grau de confiança do consumidor com relação à marca, os meios de comercialização da marca no Brasil, a amplitude geográfica da comercialização efetiva da marca no Brasil, os meios de divulgação da marca utilizados, extensão temporal da divulgação e uso efetivo da marca, valor investido em publicidade e propaganda da marca, volume de venda dos últimos cinco anos e o valor da marca nos ativos intangíveis da empresa.

Destaca-se que os examinadores do Inpi têm demonstrado grande interesse na apresentação de pesquisas de mercado e de imagem para a comprovação do alto renome, sendo indispensável que os dados dessas pesquisas reflitam a percepção de amostra representativa da população brasileira em geral.

Inicialmente rejeitado, em 26/1/2016, o reconhecimento da marca Flamengo (nº 006085547) foi recentemente publicado pelo Inpi na RPI 2.504, de 2/1/2019. Apesar de entender que os documentos apresentados à época do requerimento não foram capazes de comprovar o pleito, à luz dos quesitos constantes do artigo 3º da Resolução Inpi/PR 107/2013, o titular Clube de Regatas do Flamengo apresentou recurso, tendo o Inpi publicado exigência, em 12/12/2017, requerendo a apresentação de documentação suplementar, em especial, pesquisa de mercado e de imagem que apresente, cumulativamente, abrangência nacional, clara descrição de metodologia e perfil detalhado e diversificado de entrevistados, no que tange a sexo, idade (16 anos ou mais), município de residência nas cinco regiões do país, classe econômica (A/B/C/D/E), entre outros, além de ser aplicada a consumidores em geral e não somente a consumidores dos produtos assinalados pela marca. A pesquisa também deve visar aferir especificamente o grau de conhecimento e reputação da marca para a qual se pleiteia o alto renome.

Em 2018, 23 pedidos de reconhecimento de alto renome foram deferidos pelo Inpi, dentre os quais apenas quatro foram deferidos sem qualquer exigência ou recurso para as marcas Sony, Maisena, Kibon e Toshiba. Por outro lado, 13 pedidos sofreram a mesma exigência pelo Inpi que o registro para a marca Flamengo, o que culminou com o reconhecimento da proteção especial. Tal posicionamento do Inpi pode ser visto como otimista em relação aos novos pedidos de reconhecimento, considerando à falta de clareza da Resolução Inpi/PR 107/2013 quanto às exigências dos examinadores na análise do alto renome de uma marca.

Ademais, com relação aos pleitos de alto renome indeferidos pelo Inpi, é possível apresentar novo requerimento administrativo, caso seja demonstrada uma mudança no quadro fático, na medida em que é a aceitação pública de uma marca que a torna apta a ser reconhecida como de alto renome. Assim, não há limitação à formulação de novo pedido de reconhecimento de alto renome, desde que comprovado que a marca passou a ser notoriamente reconhecida com o passar do tempo, sendo necessária a apresentação de novos documentos, incluindo, principalmente, uma nova pesquisa de mercado a fim de evidenciar o reconhecimento da marca por ampla parcela do público brasileiro (artigo 3º, I, da Resolução 107/2013) e a qualidade, reputação e prestígio que o público brasileiro associa à marca e aos serviços vinculados a ela (artigo 3º, II, da Resolução 107/2013).

Finalmente, no que concerne aos efeitos da declaração de alto renome pelo Inpi, é pacífico no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a proteção especial do alto renome possui efeito ex nunc, não podendo atingir as marcas iguais ou parecidas que haviam sido registradas quando o alto renome de uma marca foi reconhecido.

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