Medida invasiva

TRF-1 suspende quebra de sigilo do advogado de autor da facada em Bolsonaro

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1 de março de 2019, 15h03

O Desembargador Néviton Guedes, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, concedeu liminar para suspender decisão que autorizava quebra de sigilo de um dos advogados de Adelio Bispo de Oliveira, autor da facada do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

A decisão foi tomada em mandado de segurança impetrado pelo Conselho Federal e pela seção mineira da OAB contra acórdão da 3ª Vara da Subseção Judiciária de Juiz de Fora (MG), que autorizou além da quebra do sigilo bancário de Zanone Manuel de Oliveira Júnior, busca e apreensão de livros caixa, recibos e comprovantes de pagamento de honorários e do telefone do advogado.

Essa não é a única violação recente às prerrogativas da advocacia. Em 15 de fevereiro, noticiou-se a quebra do sigilo bancário do escritório de Atônio Cláudio Mariz de Oliveira, ex-advogado do ex-presidente Michel Temer. A Receita Federal, por meio de um grupo de trabalho anti-fraudes, também conduz investigações secretas para saber a origem dos rendimentos da mulher do ministro do Supremo Gilmar Mendes.

No caso do advogado de Adelio Bispo, de acordo com o desembargador Guedes, a decisão da 3ª Vara foi equivocada ao partir da premissa de que mesmo que Zanone não estivesse sendo investigado no caso, a autoridade policial teria "o direito e o poder de, por intermédio do Judiciário, perscrutar e investigar diretamente o próprio profissional do direito, por meio de invasiva busca e apreensão".

"De fato, no caso, abertamente, o que pretendeu a autoridade policial com a anuência do Poder Judiciário foi investigar o advogado, com medidas judiciais invasivas, para com isso esclarecer quem, juntamente com o cliente do advogado, praticou determinado crime e, obviamente, em consequência, por via oblíqua, também determinar se, eventualmente, o cliente praticou outros crimes além daquele que inicialmente justificou a deflagração da persecução criminal, como seria o caso de se determinar se o cliente do advogado integraria ou não determinada organização criminosa", explicou o desembargador.

Se não pesa contra o advogado qualquer suspeita de prática de crime como a própria decisão da 3ª Vara admitiu, sustenta Néviton Guedes, "não se pode compreender como tais medidas possam ter sido consideradas legítimas", completou, ressaltando em seguida que o único fundamento fático para a invasão da privacidade do advogado seria as circunstâncias da contratação de seus serviços.

Isso porque a investigação justificou seu pedido no fato de que Adélio Bispo, embora desempregado e com poucos recursos financeiros, viajava com frequência por vários cidades no Brasil, tinha quatro celulares, um notebook e mantinha três contas bancárias em instituições diferentes. Para a Polícia Federal, o réu poderia ter praticado o crime com a ajuda de terceiros. A apuração da PF chegou a falar em participação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no atentado e de "grupo político radical". 

A qualidade de Zanone Manuel de Oliveira Júnior também foi considerada um fundamento pela investigação, que dizia existirem “evidentes inconsistências em torno da disponibilização, em favor de Adélio Bispo de Oliveira, de defesa técnica altamente qualificada, composta por advogados notoriamente reconhecidos por suas atuações em casos de grande repercussão nacional, os quais não poderiam ser custeados por Adélio Bispo de Oliveira, tampouco por sua família”.

Outra circunstância que levou ao juízo de primeiro grau à concessão das medidas contra o advogado foi a negativa em apresentar a identidade de quem estaria patrocinando a defesa. "Não há vedação legal para o fornecimento de tal dado: ao contrário, há o dever de informar, em prol da tutela de um bem maior, que deve prevalecer sobre o interesse privado da relação contratual celebrada com financiador da defesa de Adélio Bispo de Oliveira", dizia a decisão.

Violação de direitos
Para o desembargador do TRF-1, a decisão "viola não apenas o direito brasileiro, mas toda a experiência acumulada no direito comparado, no que respeita às garantias que revestem a atuação do advogado". 

"A Corte Europeia dos Direitos Humanos há muito pacificou o entendimento de que o advogado, na ausência de indício de que seja ele próprio autor de crime, não pode ser utilizado pelas autoridades dos Estados membros como instrumento de investigação de seu cliente, ou do delito de que ele (cliente) é acusado", afirmou Néviton Guedes. "Essa garantia nasce não apenas do artigo 8º da Convenção Europeia de Direitos do Homem, que resguarda a privacidade do indivíduo contra ingerência do Estado, mas, também e sobretudo, assenta-se no direito do ser humano de não produzir prova contra si mesmo, incriminando se por intermédio de seu advogado", completou.

Já no âmbito da legislação brasileira, Néviton Guedes pondera que a decisão desrespeitou as prerrogativas do advogado e seus direitos fundamentais, como a privacidade e intimidade, além de afrontar a jurisprudência já consolidada sobre a matéria.

"Para além da quebra da prerrogativa de sigilo, expressamente, a lei proíbe qualquer utilização de informações sobre os clientes, bem como veda a utilização de instrumentos de trabalho do advogado que contenham informações sobre seus clientes", disse o desembargador. "Não importa, pois, se tais informações foram obtidas diretamente de clientes ou de terceiros, pois, o que se veda é que o Estado se utilize, na ausência de indício de crime pelo advogado, do ofício, dos instrumentos, das informações e contatos do profissional, alcançados precisamente para e em razão da defesa de seu cliente, como instrumento de persecução criminal", afirmou citando tanto a Constituição Federal quanto o Estatuto da Advocacia.

Clique aqui para ler a decisão.
Processo 1000399-80.2019.4.01.0000

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