Olhar Econômico

Inovações no processo regulatório: Aneel e demais agências

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

30 de maio de 2019, 10h18

Spacca
A adoção da análise de impacto regulatório (AIR)[1] é, sem dúvida, mecanismo primordial na busca de incremento da qualidade regulatória, por meio de processo transparente, em que a sociedade coopera na estruturação das normas que as agências reguladoras pretendem criar.

Originada nos Estados Unidos, na década de 1970, a AIR espraiou-se rapidamente para outros países[2].

Os ventos liberalizantes que sopraram no Brasil, na década de 1990, resultaram na privatização, na reforma regulatória e na consequente criação de agências. Passado esse primeiro momento, cresceu o interesse para aperfeiçoar a intervenção regulatória e para buscar regulação de qualidade. Entre as agências, em 2010, a Aneel foi precursora em incentivar estudos sobre a AIR. Nesse mesmo ano, missão brasileira, voltando de Londres, após contato com a implementação do instrumento, o marco regulatório, as diferentes metodologias, o fluxo do processo de trabalho, as espécies de consultas públicas etc., criou projeto-piloto para a avaliação de impacto regulatório na Aneel[3].

Por meio da Resolução Normativa 540/2013, a Aneel aprovou a Norma de Organização Aneel 40/2013 (NO 40), com nove artigos, cujo artigo 1º tornou obrigatório a realização de AIR antes da expedição de qualquer ato normativo da agência.

Também em 2013 foi instituída no seio da Aneel a Comissão Técnica de Apoio à Análise de Impacto Regulatório (CT-AIR), com dúplice missão: (i) velar e apoiar a aplicação da AIR; e (ii) intercambiar conhecimentos e experiências com outras agências reguladoras, brasileiras ou não. A Portaria 5.561, de 19 de fevereiro de 2019, alterou a composição da CT-AIR, aumentado a representação, com a inclusão de todas as áreas regulatórias e dos macroprocessos de concessão e de fiscalização.

A Resolução Normativa 798/2017 revogou a Resolução Normativa 540/2013 e seu anexo e aprovou a revisão da NO 40, cujo conteúdo passou a ser o constante do anexo da nova resolução normativa. O anexo dessa resolução, em vigor desde 1º de julho de 2018, valorizou a figura da AIR.

O artigo 1º manteve a obrigatoriedade de realização da AIR previamente à expedição de ato normativo. Definiu, no artigo 2º, AIR[4] e Avaliação de Resultado Regulatório (ARR)[5]. Embora menos vulgarizada, a ARR constitui momento relevante da sequência regulatória que permite tanto aquilatar a atuação realizada quanto fornecer elementos para o aperfeiçoamento da regulação.

Os artigos 3º a 7º tratam dos procedimentos. É responsável pela condução da AIR e da ARR o titular da unidade (artigo 3º), devendo ela ser apresentada no formato de relatório específico, que, obrigatoriamente, deve conter no mínimo 13 informações (artigo 4º), que permitem visão acurada da questão regulatória a ser solucionada e suas circunstâncias.

Conforme o artigo 5º, antes de eventual elaboração de minuta de ato normativo, o relatório de AIR deve ser submetido à primeira fase de audiência pública. Esse relatório, já enriquecido com as contribuições recebidas em audiência, será levado à diretoria, quer para aprovação de alternativa não regulamentar; quer para instauração de segunda fase de audiência pública, destinada a colher sugestões para a minuta de ato normativo. Em certos casos, o relatório da AIR e a minuta de ato normativo podem ser submetidos à audiência pública, conjuntamente.

O artigo 7º consagra a obrigatoriedade de que os atos normativos contenham previsão para a realização de ARR, para avaliação de desempenho relativamente aos objetivos pretendidos, bem como aos impactos sobre o mercado e a sociedade.

A Casa Civil da Presidência da República iniciou, em setembro de 2017, a Consulta Pública 001, com intuito de angariar sugestões para elaboração de orientações para as agências reguladoras referentemente à aplicação prática da AIR. Findas as discussões de representantes de ministérios, agências reguladoras e institutos federais, sob a coordenação da Casa Civil, dois documentos, harmônicos entre si, foram aprovados e publicados pela referida Casa Civil, em fevereiro de 2018: as Diretrizes Gerais e Roteiro Analítico Sugerido para Análise de Impacto Regulatório – Diretrizes Gerais AIR e o Guia Orientativo para Elaboração de AIR – Guia AIR[6]. As Diretrizes Gerais agrupam modelos comuns norteadores da aplicação da AIR, enquanto que o Guia Orientativo, cujo objetivo é difundir práticas que impulsionem a qualidade regulatória, orienta os elaboradores de AIR.

Inobstante a última revisão da NO 40 tenha sido levada a cabo em 2017, pela Resolução 798, ela não apresenta discrepâncias com as Diretrizes Gerais e o Guia Orientativo, de 2018.

O Guia Orientativo possui 61 páginas e disseca aspectos importantes da AIR, como:

  • princípios da boa regulação, conceito de AIR e quando realizá-la;
  • orientações gerais (proporcionalidade e níveis de análise, linguagem, fonte de informação e dados, e participação social e transparência;
  • etapas básicas do relatório de AIR (sumário executivo, identificação do problema, identificação dos atores ou grupos afetados pelo problema regulatório, identificação da base legal, definição dos objetivos que se pretende alcançar, descrição das possíveis alternativas de ação, análise dos possíveis impactos e comparação das alternativas de ação consideradas, estratégia de implementação, fiscalização e monitoramento, considerações sobre contribuições e manifestações recebidas ao longo da elaboração da AIR, identificação e assinatura dos responsáveis pela AIR;
  • etapas adicionais quando for preciso análise mais detalhada (experiência internacional, impactos das alternativas de ação sobre os diferentes grupos ou atores e riscos das alternativas de ação);
  • avaliação de Resultado Regulatório — ARR 5.

O guia é complementado por glossário, farta e atualizada bibliografia, além de dois esclarecedores anexos: questões para orientar a AIR e roteiro básico para elaboração da AIR.

Duas atividades recentes e importantes da Aneel foram a elaboração de um conjunto de cinco vídeos e a Agenda Regulatória 2019-2020.

Os vídeos, com conceitos relativos à AIR, contribuem para aumentar o diálogo e a transparência relativamente à feitura das normas da agência, assim como para difundir a AIR.

Primeiro instrumento de planejamento, gestão e participação pública realizado na vigência da Resolução Normativa 798/2017, a Agenda Regulatória 2019/2020 prevê a realização de 45 análises de impacto regulatório e apresenta a relação dos 81 temas passíveis de regulamentação ou estudo, durante o período assinalado.

Dez agências regulatórias federais, por meio de portaria conjunta[7], datada de 17 de setembro de 2017, publicada no Diário Oficial da União no dia subsequente, criaram uma câmara permanente para trocar conhecimentos, experiências e informações, com o intuito de promover as melhores práticas com relação a assuntos de interesse comum. O tema de agenda da Radar, em 14 de março de 2019, foi a AIR. As oito agências presentes compartilharam experiências, mormente: (i) técnicas de avaliação da qualidade; e (ii) experiências e desafios.

O labor com relação a AIR efetuado pela Aneel, incansavelmente, desde 2010, contaminou as demais agências, que já possuem mecanismos institucionais para trocar experiências entre si. Dessa forma, pode-se prever que a disseminação de boas práticas vis-à-vis a AIR continuará em crescendo, beneficiando a prática regulatória e a sociedade.


[1] Rodas, João Grandino, “É indispensável a avaliação do impacto regulatório”, revista eletrônica ConJur, 2 de maio de 2019.
[2] Rodas, João Grandino, “Aspectos internacionais da avaliação dos impactos regulatórios”, revista eletrônica ConJur, 16 de maio de 2019.
[3] Nota Técnica 0073/2011-SRD-CGA-ASS-SPG-SGE-SPE-SMA/ANEEL, http://www.aneel.gov.br/documents/656877/16864182/Nota+T%C3%A9cnica+N%C2%BA+0073_2011/c4924ad9-face-309a-87a5-3102e5b17c2b.
[4] “Análise de Impacto Regulatório (AIR) é o processo sistemático de análise baseado em evidências que busca avaliar, a partir da definição de um problema regulatório, os possíveis impactos das alternativas de ação disponíveis para o alcance dos objetivos pretendidos, tendo como finalidade orientar e subsidiar a tomada de decisão.”
[5] “Avaliação de Resultado Regulatório (ARR) é um instrumento de avaliação do desempenho do ato normativo adotado ou alterado, considerando o atingimento dos objetivos e resultados pretendidos, bem como demais impactos observados sobre o mercado e a sociedade, em decorrência de sua implementação.”
[6] http://www.casacivil.gov.br/governanca/regulacao/boas-praticas-regulatorias/consulta-publica/consulta-publica-001-2017-diretrizes-e-guia-air-pasta/encerramento/relatorio-consulta-publica-no-001.pdf
[7] Portaria Conjunta ANTT/ANA/Anatel/Ancine/Aneel/ANP/Antaq/Anac/ANS/Anvisa 1, de 17 de setembro de 2018.

Autores

  • Brave

    é sócio do Grandino Rodas Advogados, ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), professor titular da Faculdade de Direito da USP, mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!