Opinião

Maximização de honorários sucumbenciais e argumentação colaborativa

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29 de maio de 2019, 6h37

Como se sabe, existem basicamente três tipos de honorários: a) contratuais, que são aqueles acordados diretamente entre advogado e cliente (através de um contrato, por exemplo); b) os arbitrados, que são definidos pelo juiz quando advogado e cliente não ajustam previamente a respectiva remuneração ou no caso de eventual desentendimento acerca do montante devido; e c) sucumbenciais, que são fixados judicialmente em caso de sucumbência[1] da parte[2].

Neste artigo, vamos tratar especificamente dos honorários sucumbenciais, que pertencem exclusivamente ao advogado e têm natureza alimentar (artigo 85, parágrafo 14, do CPC c/c Súmula Vinculante 47 do STF).

De acordo com o CPC, os honorários sucumbenciais devem ser fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa[3], observando-se alguns critérios (grau de zelo do profissional; lugar de prestação do serviço; a natureza e a importância da causa; o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço — artigo 85, parágrafo 2º, I a IV)[4].

Vale lembrar que o dever de fundamentação das decisões judiciais se aplica a qualquer pronunciamento jurisdicional (artgos 93, IX, da CF c/c 11 e 489, parágrafo 1º, do CPC), o que abrange, evidentemente, a fixação dos honorários sucumbenciais (um capítulo da decisão).

Assim, cabe ao juiz fundamentar a escolha do percentual que servirá de base de cálculo dos honorários (que, como visto, pode variar entre 10% e 20%) e da própria verba sucumbencial, em caso de fixação por equidade.

Ocorre que, na maioria das vezes, os honorários sucumbenciais são fixados automaticamente no patamar mínimo legal (10%), sem a análise dos critérios indicados no artigo 85, parágrafo 2º, do CPC.

O expediente é comum[5] e causa algum desconforto, pois, na prática, subvaloriza o trabalho e a dedicação dos advogados.

Ainda que o advogado possa manejar recurso pleiteando a majoração dos honorários (trazendo, obviamente, elementos para amparar sua tese), já terá, na realidade, despendido tempo para elaborar seu recurso e arcado com as custas judiciais pertinentes. Sem falar que, diante do grande backlog dos tribunais, nem sempre as decisões fazem uma análise pormenorizada do tema.

Nesse sentido, é interessante que o causídico, de forma prévia e colaborativa[6], apresente desde logo — de forma sistematizada — os fundamentos capazes de justificar a fixação da verba sucumbencial em patamares mais elevados[7].

Essa “contribuição” argumentativa pode ser explorada em alegações finais, memoriais ou mesmo em petições avulsas. Para facilitar a visualização pelos julgadores, sugerimos uma tabela com os critérios legais e as respectivas atividades desempenhadas pelo advogado.

Tabela meramente exemplificativa:

Grau de zelo do profissional O advogado pode demonstrar, por exemplo, que estimulou os métodos adequados de resolução de conflitos (artigo 3º, parágrafo 3º, do CPC), comparecendo às audiências com propostas de acordo ou fomentando meios eficientes de pacificação antes e durante o processo; indicou precedentes vinculantes em suas petições, explicando de forma objetiva sua incidência no caso concreto; se preocupou em delimitar as questões controvertidas, facilitando o saneamento pelo juiz; cumpriu seus prazos com regularidade e não retardou o processo com o recolhimento equivocado de custas; não interpôs recursos destituídos de fundamento[8]; não destratou colegas, partes e serventuários da Justiça; não revolveu teses jurídicas já definidas em precedentes vinculantes sem fazer a distinção, entre outros
Lugar de prestação do serviço O advogado pode indicar, por exemplo, a distância (se relevante) entre seu escritório e o local de tramitação do processo, o número de deslocamentos realizados no curso do feito para comparecer às audiências designadas, despachar com o juiz e participar de oitivas de testemunhas via carta precatória. Mesmo em se tratando de processo eletrônico, tais atividades exigem, a rigor, a presença física do advogado
Natureza e importância da causa O advogado pode destacar, por exemplo, o valor econômico do conflito, a sua eventual repercussão social, apontando, ainda, a envergadura e a densidade da matéria em discussão, ressaltando quando se tratar de caso pioneiro (leading case)
Trabalho realizado pelo advogado e tempo exigido para seu serviço O advogado pode pontuar, por exemplo, que o juiz deve considerar não apenas a sua atuação no âmbito do processo judicial, mas também na esfera pré-processual[9]. Nessa toada, cabe ao advogado registrar a participação em mediações extrajudiciais ou mesmo em reuniões prévias com a parte contrária na busca de uma solução consensual, bem como o envio de eventual notificação extrajudicial, entre outros. Paralelamente, deve destacar a qualidade de seu trabalho e o tempo de duração do processo[10], indicando a quantidade de intervenções necessárias, o número de audiências realizadas, de petições protocoladas, de recursos respondidos, entre outros

De um lado, a estratégia[11] pode inibir uma fundamentação genérica em tema tão relevante para a classe e, de outro, estimula a maximização dos honorários sucumbenciais.


[1] Não se deve atrelar a ideia de sucumbência à de derrota na causa, pois muitas vezes aquele que “vence” o litígio acaba sendo obrigado a pagar os honorários sucumbenciais, à luz do princípio da causalidade. É o que acontece, por exemplo, no caso de acolhimento de embargos de terceiro oferecidos por adquirente de imóvel que não registra a transferência do bem. Vide, a propósito, a Súmula 303 do STJ: Em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios. Sobre a correlação entre sucumbência e interesse de agir, vide UZEDA, Carolina. Interesse recursal. Salvador : Juspodivm, 2018, p. 142-172.
[2] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Manual de Direito Processual Civil Contemporâneo. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 395.
[3] STJ, AgInt no AREsp 983.554/PR; Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze; Terceira Turma, DJe 24.08.2018. Vide também REsp 1.746.072/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ acórdão Min. Raul Araújo, Segunda Seção, DJe 29.03.2019.
[4] Note-se que, “nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa” (artigo 85, parágrafo 8, do CPC). Destaque-se, ainda, o regramento específico dos honorários em casos envolvendo a Fazenda Pública (artigo 85, parágrafos 3º e 4º, do CPC).
[5] Vide, por exemplo, as recentes sentenças proferidas nos processos 0072618-42.2017.8.19.0001, 0467278-23.2015.8.19.0001, 0024041-98.2011.8.19.0209 e 0005402-26.2011.8.19.0211, em curso no TJ-RJ.
[6] O artigo 6º do CPC/15 estabelece que todos os sujeitos processuais devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. Para uma análise mais vertical do tema, sugerimos o nosso MAZZOLA, Marcelo. Tutela Jurisdicional Colaborativa: a cooperação como fundamento autônomo de impugnação. CRV: Curitiba, 2017.
[7] Como lembra Fredie Didier, a exigência de cooperação na órbita processual “não é um fato isolado no universo jurídico; antes é um corolário das transformações pelas quais passou o direito positivo durante o século XX, notadamente o reforço da ética das relações jurídicas”. DIDIER JR., Fredie. Fundamentos do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 102.
[8] Algumas dessas condutas, inclusive, podem configurar litigância de má-fé (artigos 80 e 81 do CPC).
[9] MAZZOLA, Marcelo. Atuação conjunta de advogados e a fixação dos honorários sucumbenciais. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-fev-23/marcelo-mazzola-sucumbencia-atuacao-conjunta-advogados. Acesso em: 15/5/2019.
[10] “(…) Desse modo, entende-se ser caso de superação, na hipótese em exame, da Súmula 7 do STJ, aplicada nas decisões anteriores, para considerar, além do trabalho desenvolvido pelo advogado, no período de mais de cinco anos apenas nas instâncias ordinárias, o expressivo valor econômico da causa. Assim, os honorários de advogado devem ser majorados para o montante de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais)”. STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1285277/MG, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 19/02/2019).
[11] A sistemática também pode ser interessante no caso dos honorários recursais (artigo 85, parágrafo 11, do CPC), sobretudo quando o advogado consegue apresentar memoriais antes do julgamento do recurso discriminando as atividades realizadas desde a decisão que fixou a verba sucumbencial.

Autores

  • é sócio do Dannemann Siemsen, doutorando e mestre em Processo Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), professor de Processo Civil da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj).

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