Direto do Carf

Carf analisa tributação das stock options pela contribuição previdenciária

Autor

  • Alexandre Evaristo Pinto

    é conselheiro do Carf doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP mestre em Direito Comercial pela USP professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Financeiras e Atuariais (Fipecafi).

29 de maio de 2019, 9h46

Spacca
O tema das stock options já tinha sido objeto da coluna, mas sob a perspectiva da tributação pelo IRPF do beneficiário[1]. Nesta semana, trataremos da tributação das stock options pela contribuição previdenciária.

Tendo em vista que a evolução histórica dos planos de stock options e as suas diferentes fases já foram tratadas em artigo anterior, passaremos diretamente para a questão de incidência ou não de contribuição previdenciária.

Cumpre lembrar que a contribuição previdenciária sobre a folha de salários está prevista no artigo 22, I, da Lei 8.212/91[2], no qual se determina sua incidência sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho.

Aqui se faz fundamental mencionar que não incide contribuição previdenciária sobre toda remuneração paga pelo empregador ao empregado, mas tão somente sobre aquela remuneração que se destina a retribuir trabalho.

Wladimir Martinez destaca a importância da sinalagmaticidade do pagamento para fins de determinação da contribuição previdenciária, de modo que, para o referido autor, o legislador previdenciário não desejou incluir valores indenizatórios ou ressarcitórios, deixando de fora do conceito de salário de contribuição os pagamentos não retributivos do trabalho[3].

Giácomo Paro assevera que a retributividade aos serviços prestados é a característica fundamental que refletirá a natureza remuneratória da verba (e a sua sujeição à contribuição previdenciária), de modo que a remuneração deve ser entendida como uma contraprestação proporcional ao serviço prestado pelo trabalhador[4].

A partir dos lançamentos tributários que foram revisados no âmbito do Carf, verifica-se que a grande discussão é se: (i) as stock options possuem natureza salarial; ou (ii) as stock options possuem natureza mercantil.

A natureza salarial das stock options teria como consequência a incidência da contribuição previdenciária, uma vez que elas seriam concedidas como forma de retribuição pelo trabalho, ao passo que a natureza mercantil das stock options demonstrariam que elas não se destinam a retribuir trabalho, o que afastaria, por si só, a incidência da contribuição previdenciária.

Diante da falta de previsão específica sobre a natureza das stock options no ordenamento jurídico, há inclusive o Projeto de Lei 286/15[5], de autoria do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), no qual há expressamente uma tentativa de tornar mais claros os contornos salariais ou não de cada plano de stock options a partir das características contratuais específicas.

Na seara da Justiça do Trabalho, cumpre ressaltar que há várias decisões em que foi entendido, com base nos elementos concretos do plano analisado, que as stock options possuem natureza mercantil, não sendo parte do salário do beneficiário, quer seja em função da onerosidade dos planos analisado, quer seja em virtude da existência de risco de mercado para o beneficiário. Nesse sentido, foram as decisões do Tribunal Superior do Trabalho nos processos AIRR 85740- 33.2009.5.03.0023; RR 3273/1998-064-02-00; RR 217800-35.2007.5.02.0033; e RR-201000-02.2008.5.15.0140[6].

No âmbito das decisões emanadas do Carf, verifica-se que as seguintes características têm levado os julgadores a decidir pela natureza salarial das stock options: (i) obrigatoriedade de adesão ao plano de stock options, o que poderia demonstrar que inexiste voluntariedade por parte do beneficiário; (ii) inexistência de onerosidade na aquisição da ação, quer seja em virtude sua gratuidade para o beneficiário, quer seja em virtude da instituição de um preço vil; (iii) inexistência de risco de mercado para o beneficiário, que pode tanto ser derivada da falta de onerosidade quanto pela existência de alguma cláusula que retire ou mitigue o risco de quem possui uma opção de compra de ação; (iv) habitualidade, isto é, a stock options passa a ser concedida com frequência, tal qual uma remuneração salarial; (v) sujeição do beneficiário a metas vinculadas, o que pode vir a demonstrar algum caráter retributivo direto do trabalho prestado pelo beneficiário; e (vi) existência de cláusulas de limitação de perdas para o beneficiário, o que denota que o risco permanece no todo ou em parte significativa com a instituidora do plano de stock options.

Por sua vez, há características que podem indicar uma maior natureza mercantil às stock options, tal qual as seguintes: (i) liberdade de adesão ao plano de stock options, o que demonstra a mencionada voluntariedade; (ii) onerosidade, isto é, o beneficiário deve pagar pela aquisição da stock options; (iii) existência de risco de mercado para o beneficiário, de modo que ele suporte o ônus caso as condições de mercado daquela ação mudem de tal forma que não compense o exercício da opção; (iv) inexistência de habitualidade; (v) inexistência de metas vinculadas, demonstrando a falta de vinculação da concessão da opção com a retribuição pelo trabalho; e (vi) inexistência de cláusulas de limitação de perdas, o que só confirmaria que o risco de mercado é do beneficiário.

No âmbito das decisões do Carf acerca do tema, proferidas a partir de 2016, nota-se que o entendimento majoritário tem sido no sentido de que as stock options possuem natureza salarial.

Nessa linha, a partir da análise concreta de cada plano de stock options, frente a ausência de risco de mercado para o beneficiário somada ao entendimento de que a concessão da stock options teria caráter retributivo ao trabalho, as seguintes decisões do Carf entenderam que as stock options teriam natureza salarial: acórdãos 2402-005.011 (17/2/2016); 2402-005.010 (17/2/2016); 2401-005.781 (6/4/2016); 2402-005.346 (15/6/2016); 2401-004.467 (16/8/2016); 2202-003.741 (16/3/2017); 2301-004.973 (4/4/2017); 2301-005.006 (9/5/2017); 2301-005.007 (9/5/2017); 2401-004.861 (6/6/2017); 2402-006.475 (7/8/2018); 2301-005.772 (5/12/2018); 2301-005.771 (5/12/2018) e 2401-005.990 (12/2/2019).

Na Câmara Superior de Recursos Fiscais, também se verifica o entendimento predominante pela natureza salarial das stock options, o que foi confirmado nos acórdãos 9202-005.470 (24/5/2017); 9202-005.968 (26/9/2017) e 9202-006.628 (21/3/2018).

Por sua vez, a natureza mercantil das stock options só foi entendida no Acórdão 2401-005.729 (11/9/2018), no qual os julgadores consideraram que não houve apresentação de provas que demonstrassem o desvirtuamento do plano de stock options para qualificá-lo como retribuição salarial.

Ainda que as decisões recentes do Carf tenham entendido pela natureza salarial das stock options, vale ressaltar que alguns casos os créditos tributários não foram mantidos em função de erros ou vícios na base de cálculo da contribuição previdenciária.

Nessa linha, no Acórdão 2301-004.973 (4/4/2017), o crédito tributário foi lançado tendo em vista a parcela da stock options suportada pela empresa concedente, sendo que o entendimento da relatora era no sentido de que a base de cálculo da stock options seria a diferença entre o valor desembolsado pelo participante do plano e o valor da ação no mercado, no momento do exercício da opção. Como decorrência da adoção de tal critério no lançamento, a relatora entendeu que este continha vício material e deu provimento ao recurso voluntário, no que foi seguida pela maioria dos julgadores (alguns pelas conclusões).

No Acórdão 2401-005.990 (12/2/2019), também se entendeu pela natureza salarial das stock options, no entanto, o crédito tributário foi exonerado, por unanimidade, uma vez que o lançamento tributário teria partido da equivoca premissa de que o fato gerador seria a data de vencimento da carência (vesting period), independentemente do exercício das ações, bem como não houve comprovação pela autoridade fiscal do efetivo exercício do direito de ações.

Diante de todo o exposto, verifica-se que os recentes julgamentos do Carf acerca da incidência de contribuição previdenciária sobre as stock options têm sido no sentido de que elas possuem natureza salarial, quando estiverem presentes características como habitualidade, falta de onerosidade e ausência de risco de mercado para o beneficiário, o que implica a incidência de contribuição previdenciária sobre tais valores. O critério temporal da contribuição previdenciária sobre stock options se dá no momento do exercício da opção pelo beneficiário, sendo que a base de cálculo seria a diferença entre o preço pago pela opção e o valor de mercado da ação naquele momento.

Por fim, tendo em vista a discrepância no que tange à natureza das stock options na jurisprudência trabalhista e nos precedentes do Carf, resta saber se os lançamentos tributários somente vem alcançado as stock options que não foram adequadamente instituídas, uma vez que não havia onerosidade e risco de mercado na quase totalidade dos casos autuados.


[1] https://www.conjur.com.br/2019-mar-06/direto-carf-carf-analisa-momento-incidencia-irpf-stock-options
[2] Lei 8.212/91: “Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:

I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa”.
[3] MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários à Lei Básica da Previdência Social. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2003. pp. 193-194.
[4] PARO, Giácomo. Tributação da Renda nos Planos de Opção de Compra de Ações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018. p. 43.
[5] Projeto de Lei 286/15: “Art. 458-A A participação acionária de empregado por meio de Plano de Concessão de Ações sob a modalidade de Opções de Ações (Stock Options) consiste em vantagem contratual de natureza:
I – não salarial, quando tratar-se de condição de contrato estabelecida como luvas ou apenas com o objetivo de fidelizar o trabalhador na empresa, sem qualquer conotação de caráter retributivo, e o método de exercício autorizado implicar onerosidade e risco para o empregado;
II – salarial, quando, em complementação ao salário fixo contratado, entre outras hipóteses de utilização do plano de opções como estratégia de remuneração variável: (..)”.
[6] No que tange às decisões dos tribunais regionais do trabalho, destaquem-se as seguintes decisões no sentido de que as stock options possuem natureza mercantil: RO 42364200290202002 (TRT 2ª Região); RO 0387-2003-045-15-85-7 (TRT 15ª Região); e RO 02125-2007-109-15-00-2 (TRT 15ª Região).

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    é conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Comercial pela USP e bacharel em Direito pelo Mackenzie e em Contabilidade pela USP. Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e coordenador do MBA IFRS da Fipecafi.

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