Sem garantias

MP não é obrigado a formalizar acordo de delação, decide 2ª Turma do STF

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28 de maio de 2019, 20h49

O Ministério Público não é obrigado a fechar um acordo de colaboração premiada, independentemente da duração do processo de negociação com os envolvidos. Foi o que definiu a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, nesta terça-feira (28/5), ainda que acrescentando críticas à postura do MP ao se alongar nas tratativas sobre acordos e, por fim, decidir pelo não envio ao Judiciário para homologação.

O colegiado analisou caso em que uma pessoa pretendia fechar acordo e, considerando a demora do MP e posterior negativa, decidiu cobrar judicialmente a formalização. O réu foi condenado sem acesso a qualquer benefício. O caso corre sob segredo de Justiça, mas está no âmbito na "lava jato", sendo o pleiteante um condenado da operação.

Para o relator do caso, cabe exclusivamente ao MP avaliar a conveniência da celebração do acordo. "Diante das características do acordo de delação e distanciamento entendo não caber compelir a celebração do acordo, medida voluntária por essência." Do contrário, o Judiciário estaria invadindo competências do Ministério Público e assumindo funções de persecução penal.

Com o julgamento de agravo regimental, foi mantida decisão monocrática de Fachin que havia negado seguimento a mandado de segurança sobre o tema. No voto, Fachin explicou que o acordo de colaboração premiada constitui negócio jurídico, cuja conveniência e oportunidade não se submetem ao crivo do Estado-juiz. Segundo ele, trata-se de um negócio jurídico-processual personalíssimo e sua celebração é medida processual voluntária por essência.

No caso em questão, segundo a Procuradoria-Geral da República, a celebração do acordo foi recusada porque os elementos de corroboração de prova apresentados não tinham a consistência necessária à elucidação dos fatos, não sendo conclusivos para a certificação das irregularidades relatadas. A PGR argumentou que os anexos apresentados tinham pouca perspectiva de viabilizar uma as investigações.

Já a defesa, feita pelo advogado Antônio Pitombo, houve comportamento contraditório por parte do Ministério Público. De acordo com ele, foram realizadas 13 reuniões prévias em Brasília ao longo de 17 meses, três entrevistas com o réu, além dele ter entregado material sobre condutas tidas como criminosas que resultaram em 40 anexos.

Ao acompanhar, a ministra Cármen Lúcia afirmou que a tese relacionada ao tema carece de clareza no Supremo. Assim como o relator, ela chamou a atenção para o fato de colaboração e acordo de colaboração, sendo as declarações dadas como colaboração tendo a oportunidade de serem aproveitadas num possível futuro acordo.

Tom crítico
O ministro Gilmar Mendes, ainda que acompanhando os votos anteriores, teceu críticas ao MP, afirmando que a postura encampada nos momentos anteriores à firmação dos acordos provoca insegurança. Dessa forma, deveria haver previsão sobre os critérios a serem seguidos pelo MP.

“Temos um pedregoso caminho para ter uma dogmática sobre esse tema. Semanalmente nos debruçamos sobre essas questões, com um sem número de casos em aberto, delações que não foram conclusivas e, por isso, é importante que essas teses sejam agitadas e talvez vá se desenvolvendo uma doutrina que seja consequente à aplicação do devido processo legal já nessa fase inicial”, refletiu o ministro.

O decano da corte, ministro Celso de Mello, concordou. “É tema extremamente importante e que permite ao Supremo a construção da sua jurisprudência”, apontou. Para ele, o cuidado com a fase que precede a formalização dos acordos deve ser tomado para que não se frustre a confiança depositada em nos agentes públicos.

Presidente da Turma, o ministro Ricardo Lewandowski reforçou as críticas. Para ele, os relatos levados por meio dos memoriais do caso impressionam negativamente. “Consta do memorial que havia certa expectativa no sentido da conclusão deste acordo. Há uma espécie de pré-contrato, que não precisa necessariamente ser efetivado. Mas obriga-se alguém a antecipar dados com boa fé, como tem que ter no acordo, na legítima expectativa de que o acordo fosse celebrado. Impressiona também a questão da legalidade dessa prova colhida, eis que consta também que foi usada para instauração de procedimentos”, afirmou.

O condenado do caso foi obrigado a comparecer a reuniões e fornecer “dados torrenciais”, conforme classificou Lewandowski, e para instaurar procedimentos. “É algo que impressiona muito mal”, disse o ministro. Além disso, ele ressaltou o fato de que ex-sócio teria sido acusado no contexto dos mesmos fatos e obteve a homologação do acordo pelo Judiciário, de forma que poderia-se evocar, inclusive, o princípio da isonomia.

“Extrai-se das pessoas tudo que se pode extrair e concede-se as benesses apenas a um. Temos que pouco a pouco construir uma doutrina da colaboração premiada, balizar os limites da delação premiada e pensar sobre ele de forma mais verticalizada”, ponderou Lewandowski.

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