Poder de polícia

Decisão do Supremo é defesa contra humilhação em CPIs, dizem advogados

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28 de maio de 2019, 20h33

A decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal de liberar investigados de comparecer a CPIs foi um importante escudo contra os abusos cometidos pelos inquéritos tocados pelo Congresso. Segundo advogados ouvidos pela ConJur, o Supremo já entende há anos que o direito de não produzir prova contra si autoriza investigados e réus a ficar calados em depoimentos.

Marcelo Camargo / Agência Brasil
Ex-presidente da Vale já havia deposto em inquérito policial, apresentado documentos e prestado diversos esclarecimentos. Não faria sentido obrigá-lo a fazer tudo de novo a uma CPI, entendeu 2ª Turma do STF
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Portanto, dizem, obrigar o comparecimento às comissões só serve para animar o circo de humilhações a que às vezes os parlamentares gostam de submeter investigados.

Nesta terça-feira (28/5), a 2ª Turma concedeu Habeas Corpus preventivo ao ex-presidente da Vale Fábio Shvartsman de ir à CPI de Brumadinho. O executivo presidia a Vale quando a barragem de rejeitos que ficava Brumadinho rompeu, matando quase 300 pessoas.

Para criminalistas, a decisão do Supremo foi acertada. Na prática, o tribunal mudou sua jurisprudência. A 2ª Turma costumava entender que os investigados são obrigados a comparecer à CPI, mas não precisam falar, para não se autoincriminar. Agora, dera um passo adiante, o que deve ser comemorado, defendem os advogados.

Veja os comentários da comunidade jurídica:

Alberto Toron, advogado
É uma grande vitória da cidadania, essa decisão. Na verdade, havendo já investigação, não faz sentido que a pessoa seja ouvida numa CPI. A pessoa acaba sendo ridicularizada, sendo colocada numa situação constrangedora, de modo que agiu bem o supremo em impedir que uma pessoa seja obrigada a comparecer a CPI quando ela já é investigada nos autos de inquérito ou de ação penal. Aplaudo a decisão.

Lenio Streck, constitucionalista
Correta a decisão. É o império da Constituição. Direito à não autoincriminação. O ônus é do Estado. Isso serve para todo o sistema jurídico. Ninguém pode ser obrigado a “se enterrar” ou “se prejudicar”. As críticas à decisão são compreensíveis. Todavia são críticas de índole moral ou política. O STF proferiu uma decisão constitucionalmente adequada.

Rodrigo Mudrovitsch, advogado
Trata-se de um importante precedente. A conformação correta do direito a não se incriminar não se exaure no mero direito ao silêncio. Confirmado o desinteresse do indivíduo no exercício do seu direito de defesa, submetê-lo ao constrangimento de comparecimento é uma medida completamente desproporcional.

Luís Henrique Machado, advogado
Não faz qualquer sentido comparecer à CPI se já se sabe previamente que o investigado não deseja responder as perguntas. O direito de presença é uma faculdade outorgada à defesa, para, em tese, desenvolver melhor o exercício do contraditório. Pode ser que pelo fato de a audiência ser pública e o investigado, em muitas ocasiões, já ter prestado, inclusive, depoimento perante à autoridade policial, ele simplesmente não queira comparecer para ter sua imagem preservada. Impingir o investigado à exposição, contra a sua vontade, é restaurar, de um modo mais sútil, a condução coercitiva que o próprio Supremo julgou inconstitucional.

Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay), advogado
A jurisprudência antiga era toda no sentido de que a pessoa era obrigada a comparecer, mas não precisava se autoincriminar. Ocorre que, no Congresso, o tratamento dado àqueles que são convocados não tem a humanidade vista em quase 100% das vezes no Judiciário. Eu mesmo já levei pessoas a depor, com direito de não se autoincriminar, e que foram tratados de forma às vezes até jocosa. O próprio presidente da Vale, quando foi lá, foi ofendido até. O Supremo tomou uma decisão extremamente importante. Não há nenhum desrespeito ao Congresso. Se a pessoa pode ficar calada, ela vai para lá para que se crie certo circo. E isso é extremamente negativo. É sempre negativo para a imagem do convocado que usa do direito constitucional de ficar calado e é tratado de forma indevida, mas também é negativo para o Poder Legislativo, que, ao tratar mal uma pessoa convida para depor, se diminui. Portanto, foi uma decisão correta.

Leonardo Yarochewsky, advogado
A decisão consagra definitivamente o direito à não autoincriminação. A Constituição assegura ao acusado, ou investigado, o direito de não produzir prova contra si, consequentemente o direito ao silêncio e o direito de não se incriminar. Se é garantido pela Constituição, não se justifica obrigar o investigado a comparecer a CPI. A Constituição da República, além de tudo, garante o princípio da presunção de inocência. Assim, não há por que obrigar acusado ou investigado, seja na polícia, seja numa CPI, a se submeter a esse constrangimento.

Eduardo Carnelós, advogado
A decisão merece aplausos. Se é direito de todos não auxiliar o trabalho de quem pretenda incriminá-lo, não há por que submetê-lo à humilhação e aos ataques à sua honra, que é o que ocorre nos casos em que alguém comparece e exerce o direito de se manter em silêncio. Oxalá esse entendimento passe a ser adotado por todos doravante, para evitar novos casos de exposição de pessoas ao achincalhe, o que viola um dos fundamentos da República, inscrito no artigo 1° da Constituição, que é a dignidade da pessoa humana.

Marcelo Ribeiro, advogado
Foi uma importante decisão do Supremo. As CPIs devem observar os limites legais. Se o investigado não é obrigado a responder, o seu comparecimento serviria apenas para injusta exposição pública, simples constrangimento.

Davi Tangerino, advogado
A decisão parece coerente inclusive com a inconstitucionalidade da condução coercitiva para investigados. Ora, se o depoente pode se calar sem que isso pese negativamente contra ele, obrigá-lo a comparecer a CPI não teria sentido jurídico e geraria exposição desnecessária.

Luiz Flávio Borges D’Urso, advogado
Essa decisão é muito bem-vinda e retrata coerência e justiça, pois o investigado não está obrigado a se autoincriminar, pelo contrário, pode exercer seu direito constitucional ao silêncio. Assim, absolutamente desnecessária sua presença na sessão da CPI, quando irá ficar em silêncio, pois, além de inútil, sua presença obrigatória neste caso se prestaria somente a uma exposição indevida e vexatória. 

Luiz Fernando Pacheco, advogado
Decisão consentânea com o direito básico à não autoincriminação. Assim como é direito de qualquer investigado se manter calado, é seu direito também não ter sua imagem exposta desnecessariamente, apenas para satisfação daqueles que vibram com o escracho alheio. Se não vai prestar depoimento, é óbvio que o investigado não tem de ser levado às dependências de uma CPI para ter seu nome e imagem pisoteados pelos justiceiros do momento.

Rogério Cury, advogado
Entendo a decisão correta. Pelas peculiaridades do caso, a interpretação do princípio da não autoincriminação não pode ser reduzida. Assim, pelo fato de já estar sendo investigado, ter prestado depoimento em investigação perante a PF e a própria Câmara , juntar documentos, informar todos os endereços onde possa ser encontrado, ter o direito de ficar em silêncio e de não produzir prova contra si mesmo, no caso, lhe daria o direito de não comparecer ao ato, o que já é reconhecido em casos de reprodução simulada dos fatos.

Leonardo Pantaleão, advogado
A decisão guarda absoluta simetria com os ditames inerentes à legislação processual vigente, posto que, por consectário lógico, se consagrado o direito ao silêncio em face do princípio da não autoincriminação, impor seu comparecimento afronta a razoabilidade, sendo a obrigatoriedade de sua presença caracterizadora de evidente constrangimento ilegal.

Willer Tomaz, advogado
É preciso acautelar o cidadão no seu direito ao silêncio, de não produzir prova contra si mesmo. Já na seara judicial, o juiz atua com técnica e imparcialidade. Não raro, ocorrem ameaças e constrangimento contra a pessoa, não fazendo nenhum sentido ser obrigada a comparecer perante a CPI, já que se manterá em silêncio durante a sessão.

João Paulo Boaventura, advogado
A decisão acertadamente refina a jurisprudência na medida em que reconhece, no princípio da não autoincriminação, a desnecessidade de comparecimento de investigados a CPI para depor sobre fatos em apuração na Justiça. Como bem consignado na decisão, em tais situações, a obrigatoriedade de comparecimento, mesmo em casos em que é assegurado o direito ao silêncio, tem servido, na prática, como meio de constrangimento, intimidação.

Rafael Soares, advogado
A decisão do STF é acertada e reforça o direito a não autoincriminação disposto na Constituição Federal. Não fazia sentido a obrigação de comparecimento do investigado ou acusado que expressasse o desejo de permanecer em silêncio. A presença servia apenas como forma de constrangimento e prática de atos desnecessários.

Michel Saliba, advogado
Se o investigado tem o direito ao silêncio, não há fundamento jurídico, nem lógico, que o obrigue a comparecer a uma sessão de CPI para ficar calado. Acertada a concessão da ordem para  eximi-lo da obrigação de comparecer à CPI. O direito do cidadão de não se autoincriminar é uma baliza garantista, baseada nos princípios da Constituição de 1988, a qual nasceu após um período  de mais de duas décadas de repressão aos direitos e garantias da cidadania. Logo, a decisão da 2ª Turma do STF cumpre e homenageia a Constituição, respeita o espírito do constituinte originário e relembra que não podemos retroceder em conquistas libertárias e avanços civilizatórios.

José Carlos Porciúncula, advogado
Trata-se de decisão absolutamente acertada. A garantia da não autoincriminação (em sua fórmula latina nemo tenetur se detegere) representa não somente um consectário lógico do princípio da presunção de inocência, como também do princípio da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, de nada adiantaria, evidentemente, assegurar ao investigado o direito de permanecer em silêncio e, ainda assim, obrigá-lo a comparecer a uma CPI, onde, não raras vezes, acaba se submetendo a uma sessão de escárnio e constrangimento público.

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