Opinião

Medida do governo do Rio que restringe banho de sol a presos é absurda e ilegal

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23 de maio de 2019, 6h59

O direito social fundamental à saúde está previsto na Constituição Federal de 1988, no artigo 6º, com o objetivo de promover o bem-estar e a justiça social, e no artigo 196, como direito de todos e dever do Estado.

Com efeito, a saúde está intimamente ligada ao direito à vida (artigo 5º, caput, da CF/88), como consequência do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CF/88), um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Para a garantia da saúde humana, é essencial a produção de níveis suficientes de vitamina D, responsável pela homeostase do cálcio, um processo vital para o funcionamento normal do sistema nervoso e para a manutenção da densidade óssea. Sua deficiência pode causar patologias como depressão, problemas nos ossos, doenças no coração, riscos na gravidez, diabetes, prejudicar a força muscular, doenças autoimunes, câncer, autismo e risco de morte prematura.

Como se sabe, apenas de 10% a 20% do nível diário recomendado de vitamina D pode ser sintetizado a partir da alimentação, sendo a maior parte produzida a partir da exposição diária do corpo humano à luz do sol.

A Constituição da República, em seu artigo 5º, XLIX, dispõe que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” e, no inciso XLVII, alínea “e”, prevê que “não haverá penas cruéis”.

Se a luz solar é condição de possibilidade para a saúde corporal e, consequentemente, a vida humana, a proibição de banho de sol e a manutenção de presos em cela escura constituem evidente tratamento cruel e desumano, bem como punição física que pode levar à morte, silenciosamente.

Recentemente, a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária suspendeu o banho de sol em todos os presídios do estado do Rio de Janeiro nos fins de semana e feriados, por “medida de segurança”, em razão da falta de efetivo.

A medida é absurda e ilegal!

Em 2014, o juízo da 8ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, nos autos do Processo 0410810-73.2014.8.19.0001, decidiu julgar procedente em parte a pretensão autoral para ratificar a tutela antecipada em grau recursal e lhe ampliar o escopo, a fim de determinar ao estado do Rio de Janeiro o cumprimento das seguintes obrigações de fazer: (i) proporcionar a todo detento um período mínimo de duas horas de banho de sol, assim entendido a permanência ao ar livre, nas dependências externas da unidade (fora das celas, galerias e respectivos solários); (ii) nesse período total de duas horas diárias de permanência ao livre, franquear a todo preso, pelo menos durante uma hora, local apropriado à prática de exercício, esporte e lazer, com espaço, instalações e equipamentos adequados a esse fim, conforme a dicção expressa das Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos.

Em 2015, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, nos autos do Agravo de Instrumento 01452123.2015.8.19.0000, deu parcial provimento ao agravo de instrumento interposto pela Defensoria Pública, para deferir parcialmente a antecipação de tutela pleiteada nos autos de ação civil público movida contra o estado do Rio de Janeiro, para determinar que este implemente, no prazo de 30 dias da ciência do julgado, o banho de sol diário, por no mínimo uma hora, em local adequado à prática de atividade física, na parte externa integrante das unidades prisionais, sob pena de multa diária no valor de R$ 10 mil, por estabelecimento penal, em caso de descumprimento.

Ato contínuo, o ministro Ricardo Lewandowski, à época no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, indeferiu pedido de tutela antecipada (STA 807) contra a decisão supracitada.

Com base na jurisprudência da corte, em especial o julgamento do Recurso Extraordinário 592.581, o ministro ressaltou que a integridade física e moral dos presos é dever constitucionalmente imposto ao Estado e disse que, em razão das precárias condições materiais de existência nas prisões brasileiras, os juízes e tribunais estão autorizados a determinar ao administrador público a tomada de medidas ou a realização de ações para fazer valer, com relação aos presos, o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos constitucionais a eles garantidos.

Vivemos tempos sombrios de superencarceramento em massa, superlotação nas prisões, condições desumanas em presídios fétidos e insalubres.

Perdemos a racionalidade? 

Não reconhecemos no outro — preso — alguém. 

Perdemos a alteridade? 

Tolerar a vedação ao banho de sol, além de impor pena cruel, é uma forma de legitimar a pena de morte silenciosa, por definhamento. 

Perdemos a humanidade?

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