Opinião

Julgamento de candidaturas laranjas não pode virar discurso vazio

Autor

  • Juacy dos Santos Loura Júnior

    é advogado especialista em Direito Eleitoral mestrando em Direito Eleitoral na Uninove-SP conselheiro federal da OAB vice-presidente da Comissão Especial de Reforma Política Eleitoral do Conselho Federal da OAB membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e ex-juiz eleitoral do TRE-RO.

22 de maio de 2019, 17h47

Na noite desta terça-feira (21/5), voltou à pauta do Tribunal Superior Eleitoral para continuidade de julgamento o Recurso Especial 13.392, da cidade de Valença do Piauí (PI). Neste apelo, o TSE decidirá sobre a cassação e inelegibilidade de seis vereadores eleitos em 2016 na referida cidade. Eles são acusados de se beneficiar de candidaturas fictícias de mulheres que não chegaram sequer a fazer campanha eleitoral, as chamadas candidaturas “laranjas”.

Antes de pontuar algo em torno do julgamento em si, é importante discorrer do que vem a ser essas tais candidaturas laranjas. A palavra “laranja”, sozinha, pode ser empregada para definir alguém que assume uma função ou responsabilidade no papel, mas não de fato. Na prática, ela está “emprestando” seu nome para uso de outra pessoa. O termo, nesses casos, aparece geralmente em investigações policiais sobre fraudes, toma-se como exemplo o suposto uso de candidaturas laranjas pelo PSL[1].

Neste sentido, portanto, o(a) candidato(a) "laranja" é aquele de fachada, que entra na eleição sem a intenção de concorrer de fato, com objetivos que podem ser irregulares ou até ilícitos, como desviar dinheiro dos fundos eleitorais (partidário e especial de campanha), somente emprestar seu nome e auxiliar diretamente na campanha de outro candidato, com o intuito de burlar a legislação eleitoral (que determina a cada partido ou coligação preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, nas eleições para Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, assembleias legislativas e câmaras municipais).

Geralmente, a maioria das vagas sempre é preenchida por homens, dessa forma, é imprescindível ter ao menos os 30% de mulheres na nominata de candidatos apresentada à Justiça Eleitoral. Desse modo, o estímulo à participação feminina por meio da chamada cota de gênero está previsto no artigo 10, parágrafo 3º, da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997), não é faculdade que partidos cumpram, mas, sim, obrigação!

Candidaturas laranjas, deste modo, podem ser enquadradas como espécie de fraude e na dicção do doutrinador José Jairo Gomes[2] “a fraude implica frustração do sentido da finalidade da norma jurídica, pelo uso de artimanha, astúcia ou ardil. Aparentemente age, sim, em harmonia com o direito, mas o efeito visado o contraria. A fraude tem sempre em vista distorcer as regras e princípios jurídicos. No âmbito eleitoral, a fraude visa influenciar ou manipular o resultado da eleição. Por isso, equivocadamente, sempre foi relacionada à votação, embora não se restrinja a essa fase do processo eleitoral”.

Foi exatamente nesse sentido que evoluiu o Plenário do TSE, quando afirmou que devem ser examinados pela Justiça Eleitoral os desvirtuamentos que possam anular a regra que impõe a existência de candidaturas nos patamares previstos pela legislação para cada gênero. Ressalte-se que a decisão do tribunal foi unânime, nos autos do Recurso Especial Eleitoral 243-42, José de Freitas (PI), relator ministro Henrique Neves da Silva, em 16 de agosto de 2016.

A nosso sentir, a fraude eleitoral, em virtude de sua gravidade, deve ser guerreada por todas as formas, pois atenta contra os princípios básicos do sistema eleitoral, quais sejam, a liberdade de voto, a soberania popular e a igualdade entre os candidatos.

A respeito do julgamento do Respe 13.392, o ministro Jorge Mussi é o relator do caso e, quando do início do julgamento em 14 de março, encaminhou seu voto no sentido de determinar a cassação do registro dos seis políticos e do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) das duas coligações pelas quais eles concorreram e que também estavam ligadas as candidatas laranjas. Naquela oportunidade, o ministro Luiz Edson Fachin pediu vista para analisar o caso.

Na sessão desta terça, o ministro Fachin trouxe seu voto-vista. Após longa leitura, concluiu aderindo em sua maioria com aquilo que o relator Jorge Mussi tinha entendido, ou seja, de que no caso havia, sim, existido fraude e com candidaturas fictícias. Todavia, divergiu quanto aos efeitos jurídicos dessa consideração, isto é, o ministro Fachin defendeu a cassação e a inelegibilidade de apenas dois dos vereadores eleitos, Leonardo Nogueira Pereira e Antônio Gomes da Rocha. O ministro também votou pelo reconhecimento da configuração de quatro candidaturas fictícias femininas, diferentemente do relator, que havia indicado cinco mulheres.

Diante desse voto divergente, quanto aos efeitos jurídicos, o ministro Mussi pediu a palavra à presidente da corte e reafirmou seu voto, aduzindo que, como se trata da primeira vez que o TSE vai decidir sobre o tema, não há como arredar de que, havendo o reconhecimento da fraude, não se puna todos os envolvidos com o cancelamento do Drap e consequentemente de toda a chapa.

O julgamento foi novamente suspenso porque o ministro Og Fernandes também pediu vista para analisar o caso. Não há data regimental para volta da análise do Respe pelo Plenário do TSE.

Esse leading case, como afirmado tanto pelo relator, ministro Jorge Mussi, quanto pelo ministro Luiz Edson Fachin, é o primeiro em que o TSE está se debruçando efetivamente sobre o reconhecimento de candidaturas laranjas em campanhas eleitorais e seus efeitos jurídicos, ou seja, se sendo reconhecida a fraude e o uso de candidaturas fictícias de mulheres em determinada campanha, se toda a chapa ou coligação deve ser cassada (entendimento do ministro Mussi) ou somente o beneficiário e de quem haja concorrido para a fraude (entendimento do ministro Fachin).

Em todo Brasil, existem inúmeras ações de investigação judicial eleitoral (Aije) ou ações de impugnação de mandato eletivo (Aime) em andamento que estão a combater esse tipo de fraude e que foram propostas em relação ao último pleito geral de 2018, onde se alega em síntese: a utilização de candidaturas fictícias para beneficiar um ou alguns nomes do partido. O uso de mulheres de forma irregular, seja porque elas não fizeram campanhas, seja porque não autorizaram expressamente suas “candidaturas”, ou por estarem fora do Brasil. Há ainda a alegação de que muitas mulheres colocaram o nome à disposição do partido ou coligação e não participaram de campanhas em prol de sua candidatura, apoiando e repassando o dinheiro recebido do Fundo Partidário ou do Fundo Especial para financiamento de campanha para que homens aplicassem em suas campanhas. Em muitos casos, essas mulheres “candidatas” não obtiveram nenhum voto ou uma ínfima quantidade de votos.

A decisão pendente de julgamento no TSE será balizadora para que os tribunais regionais eleitorais possam nortear o futuro das ações que têm o mesmo objeto do Respe 13.392-PI e que digam respeito às eleições de 2018, podendo mudar significativamente as bancadas de assembleias legislativas e da Câmara Federal.

Certo é que a corte[3] (no julgamento da ADI 5.617) decidiu que a distribuição de recursos do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais direcionadas às candidaturas de mulheres deve ser feita na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos, respeitado o patamar mínimo de 30% de candidatas mulheres, previsto no artigo 10, parágrafo 3º, da Lei 9.504/1997. A Justiça Eleitoral[4] (quando da resposta à Consulta 0600252-18.2018) vêm recrudescendo as decisões para que haja uma maior participação das mulheres na política com lisura e respeito à própria legislação eleitoral, e tal postura mais dura e eficaz se faz necessário porque os partidos e seus dirigentes insistem em não cumprir a lei e dar o famoso “jeitinho brasileiro”, e ainda pelo fato de não coadunar, por exemplo, com o entendimento externado no voto do ministro Fachin, que de certa forma, na prática, não vai cassar ninguém ou quase nenhum candidato que tenha sido beneficiário da fraude no modelo “mulher-laranja”, ainda que devidamente reconhecida. Sem dizer que, pela demora na efetiva prestação jurisdicional, possa haver perda de objeto, acaso referido recurso não seja finalizado seu julgamento antes do término dos mandatos dos vereadores que foram eleitos no pleito de 2016, fazendo cair por terra um princípio constitucional da razoável duração do processo.

Por agora, nos resta aguardar e confiar na sensibilidade dos julgadores da Justiça Eleitoral, para que não seja apenas um discurso moralizador vazio ouvido há algum tempo, que tanto critica a nefasta prática de uso de candidaturas laranjas nas eleições por alguns partidos e dirigentes partidários. Esperemos a volta do caso ao Plenário do TSE!


[1] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/02/pf-abre-investigacao-e-chama-candidata-laranja-do-psl-para-depor.shtml.
[2] GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey 2010.
[3] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=372485.
[4] CONSULTA Nº 0600252-18.2018.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relatora: Ministra Rosa Weber Consulente: Vanessa Grazziotin e outras Advogados da Consulente: Luciana Christina Guimarães Lóssio e outros CONSULTA. SENADORAS E DEPUTADAS FEDERAIS. INCENTIVO À PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC)E DO TEMPO DE PROPAGANDA ELEITORAL GRATUITA NO RÁDIO E NA TV. PROPORCIONALIDADE. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/1997. MÍNIMO LEGAL DE 30% DE CANDIDATURAS POR GÊNERO. APLICABILIDADE. FUNDAMENTOS. ADI 5617. STF. EFICÁCIA TRANSCENDENTE. PAPEL INSTITUCIONAL DA JUSTIÇA ELEITORAL. PROTAGONISMO. PRÁTICAS AFIRMATIVAS. FORTALECIMENTO. DEMOCRACIA INTERNA DOS PARTIDOS. QUESITOS RESPONDIDOS AFIRMATIVAMENTE.

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    é advogado especialista em Direito Eleitoral, mestrando em Direito Eleitoral na Uninove-SP, conselheiro federal da OAB, vice-presidente da Comissão Especial de Reforma Política Eleitoral do Conselho Federal da OAB, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e ex-juiz eleitoral do TRE-RO.

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