Sem surpresa

Supremo valida dispositivo que criou a URV como transição para o Real

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16 de maio de 2019, 19h54

O Supremo Tribunal Federal declarou constitucional a Unidade Real de Valor (URV), índice de correção monetária instituído entre julho e agosto de 1994 para a conversão da moeda ao Real. A decisão, desta quinta-feira (16/5), atendeu a pedido da União, para quem a declaração de inconstitucionalidade da URV invalidaria os pagamentos de títulos públicos e poderia causar prejuízo de R$ 2,4 bilhões.

Carlos Moura / SCO STF
Não existe direito adquirido a regime de correção monetária, diz Toffoli sobre URV
Carlos Moura / SCO STF

"Tudo aponta para o sentido de que o dispositivo em tela é parte integrante e inseparável das leis e medidas provisórias responsáveis pela introdução do Real", votou nesta quinta o ministro Dias Toffoli, relator do processo, uma arguição de descumprimento de preceito fundamental.

O relator foi acompanhado por oito ministros: Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Luiz Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Marco Aurélio e Celso de Mello ficaram vencidos e Luís Roberto Barroso estava impedido.

Os ministros aprovaram a seguinte tese: "É constitucional o artigo 38 da Lei 8.880/94, não importando a aplicação imediata desse dispositivo violação do artigo 5º, XXXVI, da Constituição".

Portanto, o Supremo reafirmou jurisprudência já antiga de que não existe direito adquirido a regime de correção monetária. Ou seja, não existe o direito de decidir qual moeda será aplicada ao próprio contrato. A discussão chegou a ser retomada em 2013, quando o Supremo começou a discutir a constitucionalidade dos expurgos inflacionários dos planos econômicos. Toffoli era relator de um dos recursos. Mas, como o caso terminou em acordo, a tese não foi debatida.

No caso das URVs, Toffoli afirmou que, ao contrário do que pedia a ADPF, não houve quebra de direito adquirido. Segundo o ministro, na época havia duas moedas, uma corrente e uma de conta que a refletia, que em julho de 94 passou a ser o Real. Portanto, não houve "surpresa", mas um regime de transição.

De março a junho de 1994, o cruzeiro Real e a URV integraram o Sistema Monetário Nacional. A partir de julho, apenas o Real passaria a compô-lo. Levando em conta que, para se apurar a inflação relativa a certo mês é preciso, a depender do índice usado, observar preços coletados até cerca de dois meses antes, a apuração da inflação dos meses de julho e agosto de 1994 teria de seguir, sob as ópticas jurídica e econômica, uma lógica adequada, respeitando o equilíbrio econômico-financeiro das obrigações então em curso.

Essa lógica foi estabelecida pelo art. 38 da Lei nº 8.880/94, o dispositivo questionado na ação em análise, e que regulamentou as bases a serem adotadas no cálculo dos índices de correção monetária em cada um dos meses. “Trata-se de dispositivo imanente à mudança da moeda. E, em sua criação, inequivocamente, esteve presente o espírito da preservação do referido equilíbrio econômico-financeiro”, afirmou Toffoli.

A arguição de descumprimento de preceito fundamental foi proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) em 2005, representada pelos advogados Arnoldo Wald e Marcus Vinícius Vita Ferreira, sócios do escritório Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados.

A Consif acionou a Justiça depois que várias ações passaram a questionar o uso da URV. Eram investidores que questionavam o uso da URV no período por, de acordo com eles, ter levado em conta a correção mais desfavorável da inflação. Apontam diferença entre o IGP-M e o IGP-2, que chegou a 40% em um dos meses, e pedem a correção maior.

Marcus Vinícius Vita Ferreira fez a sustentação na sessão desta quinta. Segundo ele, “o art. 38 da Lei nº 8.880/94 trouxe uma regra a ser observada no cálculo dos índices representativos da inflação experimentada nos dois primeiros meses de vigência do Real (julho e agosto de 1994), configurando típica norma de conversão de padrão monetário, não interferindo em cláusulas contratuais ou em formação de preços, nem determinando a alteração de índice ou de metodologia de cálculo utilizada pelas instituições especializadas”.

Ao divergirem, os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello votaram no sentido de que os contratos em vigência quando o dispositivo passou a valer não poderiam ser impactados pela mudança, porque isso afetaria a segurança jurídica.

De acordo com Marco Aurélio, as queixas de investidores estrangeiros sobre a confiabilidade das normas no Brasil são justas a partir do momento em que a própria sociedade brasileira vive, segundo ele, aos sobressaltos.

“Como confiar no Brasil se a própria sociedade brasileira vive aos sobressaltos sendo surpreendida pela interpretação de diplomas legais, colocando-se em plano secundário o ato jurídico perfeito e acabado, ou seja, o contrato, o direito adquirido e a coisa julgada?”, questionou. Ele afirmou, ainda, que nos contratos então formalizados quando da implantação do Real aplicou-se um verdadeiro expurgo. 

ADPF 77

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