Opinião

Financiamento e (des)igualdade na educação pública brasileira

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16 de maio de 2019, 7h25

A educação brasileira teve importantes avanços nas últimas décadas, especialmente quanto à escolarização da população e ao incremento do investimento público. A taxa de atendimento escolar na faixa etária de 4 a 17 anos duplicou no último meio século, passando de 48% da população matriculada, em 1970, para pouco mais de 96% em 2017. Já o investimento público em educação evoluiu de 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB) na década de 70, para mais de 5,8% atualmente, em patamar superior à média dos países da OCDE.

Tais conquistas não foram suficientes, porém, para garantir a aprendizagem efetiva dos estudantes brasileiros. A cada 100 crianças, apenas 45 estão alfabetizadas aos 8 anos. Somente 7 em cada 100 adolescentes no ensino médio possuem aprendizado adequado em matemática. Convivemos com o contingente de mais de 2,5 milhões de crianças e jovens brasileiros fora da escola. As deficiências na busca ativa na educação infantil e a evasão no ensino médio estão, com certeza, na raiz desse grave problema.

A sociedade como um todo tem debatido de forma acalorada o que fazer para modificar esse quadro. Há um relativo consenso de que a “fórmula da mudança” deve aliar o aumento no investimento por aluno na educação básica com uma gestão mais eficiente, ou seja, obter o máximo de resultados com os recursos disponíveis.

Muito embora o percentual do PIB investido na educação seja maior do que a média dos países da OCDE, é fato que o Brasil investe 2,6 vezes menos por aluno na educação básica do que a média desses países. Além disso, países com gasto similar ao Brasil, como é o caso do Chile e do México, possuem resultados educacionais muito superiores no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), o que demostra que é possível gastar com mais eficiência.

Mas será que basta gastar mais e melhor na educação básica para mudarmos a fotografia educacional do Brasil?

Um dos dez países mais desiguais do mundo, o Brasil enfrenta o desafio de reduzir as disparidades de sua política educacional. Para tanto, é fundamental acrescentar um outro ingrediente na “fórmula da mudança”: a distribuição mais equitativa de recursos. A desigualdade está presente em todas as etapas da vida escolar. Na educação infantil, enquanto 86,8% das crianças de 4 e 5 anos cujas famílias possuem renda de até um quarto de salário mínimo estão na escola, esse percentual é de 94,8% para aquelas pertencentes aos grupos familiares que ganham pelo menos um salário mínimo. No ensino médio (15 aos 17 anos), a taxa de atendimento no primeiro grupo é de 79,1%, enquanto no segundo, 91,5%.

Para monitorar esse fenômeno, o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep) criou, em 2014, o indicador de Nível Socioeconômico (NSE), que permite comparar resultados educacionais por esse critério. De acordo com o Anuário Brasileiro da Educação Básica (2018), do Todos pela Educação, a desigualdade da educação no país possui relação direta com o nível socioeconômico: nos anos iniciais do ensino fundamental, o Ideb das escolas públicas de NSE muito baixo é de 3,6, enquanto que nas escolas públicas de NSE muito alto o Ideb alcança 7,2. Exatamente o dobro!

O Brasil tem muito a fazer para enfrentar o desafio da equidade educacional, provendo mais a quem mais necessita. O local de nascimento e a classe social não podem ser determinantes para o acesso, a permanência e o desempenho escolar. Ter ou não uma boa educação não pode estar condicionada à sorte, em uma espécie de “loteria pública social”.

O Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) foi eficaz em reduzir as diferenças de investimento com a previsão de um valor mínimo per capita comum a todos os estados e ao Distrito Federal, o que produziu um efeito redistributivo. Sem esse mecanismo, a diferença do valor-aluno-ano (VAA) entre municípios brasileiros seria da ordem de 10.012%. Mas ainda é necessário resolver a discrepância que continua a existir e que representa uma diferença de recursos da ordem de 564% entre alguns municípios. Para exemplificar, enquanto o município de Turiaçu (MA) recebe o valor por aluno/ano de R$ 2,9 mil, Pinto Bandeira (RS) recebe R$ 19,5 mil. As redes de ensino com maiores desafios continuam a receber menos investimentos.

Há uma ótima janela de oportunidade para aperfeiçoar os critérios de financiamento da educação, já que o Fundeb, criado pela Emenda Constituição 53/2006, expirará no final de 2020. Há duas propostas de emenda à Constituição sobre o tema tramitando no Congresso Nacional: a PEC 33/2019, no Senado Federal, e a PEC 15/2015, na Câmara dos Deputados, ambas objetivam tornar o Fundeb permanente.

Em estágio mais avançado de discussão, a PEC 15/2015 aumenta a complementação obrigatória da União de 10% para 30% e prevê um novo critério norteador de sua distribuição no âmbito dos estados, Distrito Federal e municípios. Segundo a proposta, parte da complementação da União (10%) continuaria a ser feita da mesma forma, no âmbito de cada estado e do Distrito Federal que não alcançar o mínimo definido nacionalmente, considerando o VAA de cada fundo contábil estadual; e os 20% restantes, no âmbito de cada município, estado e Distrito Federal, sempre que o VAA total, considerados além dos recursos vinculados ao Fundeb, o percentual de 25% da arrecadação de impostos que estados e municípios tem o dever de aplicar na manutenção e desenvolvimento do ensino, quando não alcançar o mínimo definido nacionalmente.

Aperfeiçoamentos a essa proposta têm sido debatidos no Congresso Nacional, com a especial ênfase na redução das desigualdades sociais. Merece destaque o Fundeb Equidade, elaborado por um grupo suprapartidário liderado pelo movimento Todos pela Educação, que propõe um critério de equalização fiscal, considerando a capacidade arrecadatória própria dos entes federados (estados, Distrito Federal e municípios), somado a um fator multiplicador relacionado ao perfil de vulnerabilidade dos estudantes, considerando as matrículas de crianças e jovens identificadas pelo Cadastro Único como “extremamente pobres” ou “pobres”.

Alternativa mais imediata, uma vez que não exigiria reforma da Constituição Federal, embora de alcance mais limitado, é a inserção, desde já, nas transferências intergovernamentais de recursos que competem à União, de critério que considere as especificidades locais dos destinatários, tais como nível socioeconômico, condições fiscais e de custo dos insumos necessários à implementação das ações.

Em todos os programas federais conduzidos pelo Ministério da Educação poderiam ser acrescidos benefícios variáveis, na definição dos valores a serem transferidos a estados e municípios, que considerassem, por exemplo, e quando for o caso, o nível socioeconômico dos alunos, o número de estudantes residentes em área rural, custos locais de transporte e outros insumos e necessidades nutricionais das crianças e jovens. A inserção desses novos critérios nos três principais programas a cargo do MEC (Pnae, PDDE e Pnate), que adotam apenas o número de alunos matriculados para a definição dos valores a serem repassados a estados e municípios, poderia ser efetivada por alteração da Lei Ordinária 11.947/2009.

Essas estratégias, ao considerarem a capacidade fiscal dos entes federados e a condição socioeconômica dos estudantes, possuem o mérito de ampliar o investimento onde ele é mais necessário para garantir igualdade de oportunidades educacionais a todos os estudantes do país, independentemente de sua classe social. Somente assim avançaremos como nação. A cidadania agradece.

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