Olhar Econômico

Aspectos internacionais da avaliação dos impactos regulatórios

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

16 de maio de 2019, 10h33

Spacca
É de conhecimento geral que cada Estado, em razão de sua soberania, possui ordenamento jurídico próprio e independente, não tendo suas leis compromisso de coerência com as legislações dos demais Estados. Porém, em razão da interdependência real entre eles e de os fatos não se circunscreverem às fronteiras de cada Estado, é inevitável o contato e a influência mútua nas respectivas legislação, doutrina e jurisprudência. A regulação e seus aspectos, como a AIR[1], não fogem a essa regra.

A proto história da AIR — regulatory impact analysis (RIA) em língua inglesa — teve lugar quando a Dinamarca passou a se preocupar, em 1966, com os impactos administrativos e econômicos da regulação. Sua estruturação, entretanto, começou nos Estados Unidos em 1978, durante o governo Carter, que passou a levar em conta as inflation impact assessments, e, em 1981, quando Reagan exarou a Ordem Executiva 12.291, determinando o benefit-cost analysis, ou seja, que os benefícios da regulação suplantassem os respectivos custos. Na Ordem Executiva 12.866/1993, de Clinton, subjaz a ideia de que os benefícios da regulação devem justificar os custos da regulação. A AIR foi utilizada a seguir na Finlândia e Canadá (final dos anos 70), no Reino Unido, Países Baixos e Alemanha (meados dos anos 80), na Austrália (1985), nos Estados-membros da OCDE (1995), na Comissão Europeia (1995) e na Nova Zelândia (1998).

Dois organismos internacionais, de naturezas diferentes, vêm contribuindo para que a AIR seja disseminada e para que se torne capítulo permanente na história da regulação. Tal inobstante os países adotem diferentes tipos de AIR, com formato e objetivo de análise diferentes.

O fato de o Banco Mundial ter recomendado que os Estados que são seus clientes a adotassem fez com que inúmeros países em desenvolvimento o fizessem. Por outro lado, as boas práticas aprovadas no seio da OCDE vêm possibilitando que países introduzam regulação ou implementem reformas regulatórias, incluindo sistemas de RIA.

O exame, ainda que sucinto, dos dois documentos abaixo evidencia a importância do trabalho das citadas organizações.

O Banco Mundial organizou a Global Database for Regulatory Impact Assessment (RIA)[2], contendo o inteiro teor de documentos relacionados à AIR, publicados por governos nacionais, e publicações sobre o modo como os diferentes governos a implementam. Embora não se explicite se esses documentos estão vigentes e sejam efetivamente aplicados pelos governos, servem como radiografia do impacto dessas legislações. Nele há 303 documentos referentes a 38 países, além de oito documentos gerais. Cinco desses documentos relacionam-se ao Brasil, sendo o mais recente intitulado Assessing Regulatory Governance and Patterns of Regulatory Reform in Brazil. De autoria de Bruno Queiroz-Cunha e Delia Rodrigo, a obra data de 2013.

Publicado pelo Banco Mundial, o Global Indicators of Regulatory Governance: Worldwide Practices of Regulatory Impact Assessments[3] é um estudo que, utilizando dados globais sobre implementação de AIRs em todo o mundo, chega a conclusões sobre melhores práticas e áreas a serem aperfeiçoadas. Logo no início desse trabalho, três afirmações são dignas de nota: (i) os países mais desenvolvidos reconhecem ser a AIR o instrumento por excelência para melhorar a qualidade das decisões de cunho regulatório; (ii) países membros da OCDE e crescente número de países em desenvolvimento introduziram a AIR, em seus sistemas de governança e, efetivamente, a utilizam; e (iii) o objetivo final da AIR é melhorar a qualidade da regulação.

A citação dos capítulos da obra, acompanhados das respectivas ideias centrais, permitem aquilatar o escopo e a utilidade do trabalho:

Introdução: Definição

1. Benefícios
A utilização da regulação como instrumento político aumentou grandemente, sendo atualmente mecanismo governamental importante para gerir sociedades diversas e complexas.

2. Eficiência
Os reguladores devem escolher as alternativas políticas mais eficientes, deixando de lado as menos.

3. Accountability
O emprego de RIAs faz com que reguladores/formuladores de política se sintam mais responsabilizados em alcançar os resultados propostos.

4. Transparência
O modo transparente de conduzir a RIA aumenta a eficiência e a accountability.

5. Implementação
Especialistas são de opinião que a implementação de RIA é processo difícil, com desafios técnicos e administrativos.

6. O que é medido?
O escopo da RIA varia de país para país.

7. Quem conduz as RIAs
Aspecto importante é a existência ou não de órgão governamental encarregado de rever e monitorar os órgãos implementadores das RIAs.

8. Comunicando a RIA
A comunicação pública da redação final e dos resultados da avaliação contribuem para aumentar a transparência e a accountability dos reguladores.

9. Colocando a RIA em prática
Muitos países reestruturaram sua governança antes de introduzir ou aprimorar as RIAs.

10. Boas práticas para a implementação
Duas boas práticas seguidas por vinte cinco países: (i) Único website contendo todas as RIAs disponíveis; e (ii) órgão governamental especializado para rever e monitorar RIAs, levadas a cabo por agências ou órgãos governamentais.

11. Em estreito resumo, as conclusões do Global Indicators of Regulatory Governance: Worldwide Practices of Regulatory Impact Assessments são as seguintes:

Embora análises de impacto potencial de mudanças regulatórias concentrem-se em países ricos, RIAs de qualidade são encontradiças também em países menos dotados economicamente. Há maior consistência na condução de RIAs nos países de alta renda, mormente dentre os membros da OCDE. Apenas metade dos países, de renda média a baixa, conduzem RIAs. A simples introdução de AIR em um país contribui para melhorar a governança regulatória. Geralmente, os países possuem mais processos de consultas do que RIAs em realização. As RIAs são suscetíveis de aperfeiçoamento, pois a qualidade delas, globalmente, não é das melhores. Não há dúvida de que os reguladores das mais diversas regiões do mundo, já compreenderam os benefícios de incluir RIA em seus sistemas regulatórios.

A guisa de arremate, recorde-se que, se quisermos que as AIRs no Brasil sejam bem formuladas e aplicadas, é imprescindível o conhecimento, por parte dos nossos reguladores atuais e dos nossos reguladores do futuro (nossos estudantes), de documentos de países estrangeiros e de documentos de organizações internacionais sobre a matéria, que constituem repositório inestimável. Dessa forma, os erros regulatórios serão minimizados, e os acertos, maximizados.

Autores

  • Brave

    é sócio do Grandino Rodas Advogados, ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), professor titular da Faculdade de Direito da USP, mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!