Tribuna da Defensoria

O uso de recomendações na atuação institucional da Defensoria Pública

Autor

  • Hugo Fernandes Matias

    é defensor público do Espírito Santo mestrando em Política Social pela Universidade Federal do Espírito Santo e coordenador do Comitê Estadual para a Prevenção e Erradicação à Tortura do estado e do Núcleo Especializado de Direitos Humanos da Defensoria do ES.

14 de maio de 2019, 8h00

Atualmente, salta aos olhos a importância da utilização do instrumento da recomendação pelos defensores públicos sempre que houver a constatação ou a possibilidade de violações de direitos de vulneráveis, conforme se depreende da análise do artigo 134 da Constituição de 1988.

Nessa linha, o artigo 4º, incisos II e X, da LC 80/94 aponta que são funções institucionais da Defensoria Pública a promoção prioritária da solução extrajudicial de conflitos, bem como a realização da mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados.

Tais previsões encontram-se alinhadas ao disposto no artigo 3º, parágrafos 2º e 3º, do CPC/2015, que assevera que o Estado promoverá sempre que possível a solução consensual dos conflitos, a qual deve ser estimulada pela Defensoria Pública. Fica aberta então a porta para a tentativa de solução administrativa de violações de direitos através de recomendações, que em última análise consistem em orientações dirigidas ao cumprimento da lei e que se destacam por seu dinamismo.

Anote-se que a recomendação “é medida que tem seu valor em termos práticos e, até mesmo, pode ser adotada como última tentativa de resolver a questão no plano extrajudicial, antes da propositura da ação judicial”[1].

Dito isso, é de se sublinhar que a base normativa para a utilização de recomendações no âmbito da Defensoria Pública reside na Constituição, na Lei Complementar 80/94 e no atual CPC, sem prejuízo de eventuais disposições específicas na legislação que organiza a instituição nos estados, Distrito Federal e União.

Nesse sentido, cabe assinalar que algumas Defensorias Públicas têm produzido normas sobre o tema[2] — com diferentes graus de especificidade —, sem, contudo, haver, até o momento, uma regulamentação homogênea no âmbito da instituição[3]. Fabio Schwartz com acerto adverte que “torna-se necessário que as Defensorias Públicas regulamentem internamente o método de elaboração das recomendações, de modo a potencializar a tutela coletiva que é um norte de atuação da Defensoria Pública, nos termos do art. 106-A da LC n. 80/94”[4].

Manejar recomendações, quando viável, significa entender que o mero ajuizamento de uma ação individual ou coletiva não implica necessariamente a superação da violação constatada. E mais, que atualmente o espectro de atribuições da Defensoria Pública lhe impõe a adoção de novos caminhos em busca de celeridade, efetividade e eficiência (artigo 37 da CF/88), sobretudo num contexto de excesso de ações em tramitação no Poder Judiciário.

Em outras palavras, é compreender e assumir o protagonismo que a Constituição impõe à Defensoria Pública, com as prerrogativas e responsabilidades correspondentes, em especial após a EC 80/2014 e julgamento da ADI 3.943 pelo Supremo Tribunal Federal[5].

Dois pontos importantes em relação às recomendações merecem destaque: cabe ao membro da Defensoria Pública, ao expedi-las, sempre que possível, uma postura proativa de indicar medidas pertinentes para a superação ou prevenção da situação de violação de direitos, inclusive por conta da incidência do princípio da boa-fé objetiva. Além disso, as recomendações não possuem carácter coercitivo, por falta de previsão legal, embora sirvam para fins de constituição do destinatário em mora.

Entretanto, em caso de descumprimento das orientações expedidas pela Defensoria Pública, após razoável prazo ofertado, não haverá óbice à utilização de instrumentos judicias para a tutela individual ou coletiva dos direitos envolvidos. Tampouco para a adoção de outras medidas administrativas pertinentes, como, por exemplo, a convocação de audiências públicas (artigo 4º, XXII, da LC 80/94), a depender da estratégia jurídica planejada.

Temos observado o crescimento da expedição de recomendações pela Defensoria Pública, por si só, ou em conjunto com outros órgãos como o próprio Ministério Público, valendo destacar situações recentes ligadas a direitos de adolescentes transsexuais[6], maus-tratos e tortura[7], direito à saúde[8], direitos da mulher[9] e também em relação ao crime de Mariana[10], dentre outros.

Essa atuação extrajudicial e compromissada da Defensoria Pública indica que a instituição amadurece e caminha para sua consolidação como essencial ao regime democrático brasileiro, com singular participação na luta pela efetivação da Constituição de 1988 para a parcela mais pobre e vulnerável da população brasileira.


[1] FENSTERSEIFER, Tiago. Defensoria pública, direitos fundamentais e ação civil pública: a tutela coletiva dos direitos fundamentais (liberais, sociais e ecológicos) dos indivíduos e grupos sociais necessitados. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 169.
[2] Destaque para os artigos 8º, III, e 12, parágrafo único, da Resolução 127/2016 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União, artigo 25 da Deliberação 139/2009 do Conselho Superior da Defensoria Pública de São Paulo e artigo 21, VI e IX, III, do Ato Normativo DPG 001/2015, com alterações efetuadas pelo Ato Normativo 12 de 20018, da Defensoria Pública do Espírito Santo.
[3] Diferente do que ocorre com o Ministério Público, haja vista a Resolução 164/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público.
[4] SCHWARTZ, Fabio de Souza. O que fazer de novo na tutela coletiva? Uma reconstrução dos instrumentos de assistência jurídica no plano dos direitos coletivos. Projeto de tese apresentado ao XII Congresso Nacional de Defensores Públicos. Disponível em: <https://www.anadep.org.br/wtksite/cms/conteudo/25710/Fabio_de_Souza_Schwartz.pdf>. Acesso em 5 de maio de 2019.
[5] Notícia do julgamento em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=291085>. Acesso em 5 de maio de 2019.
[6] Disponível em: <http://casoteca.forumjustica.com.br/wp-content/uploads/2017/11/Recomenda%C3%A7%C3%A3o-Revista-Transexuais.pdf> Acesso em 1 de maio de 2019.
[7] Disponível em: <http://www.defensoria.es.def.br/site/index.php/2019/04/01/defensoria-publica-faz-recomendacao-sejus-apos-inspecao-na-penitenciaria-de-cachoeiro/> Acesso em 1 de maio de 2019.
[8] Disponível em: <http://www.defensoriapublica.go.gov.br/depego/index.php?option=com_content&view=article&id=1338:dpe-go-e-mp-go-fazem-recomendacao-conjunta-ao-prefeito-de-trindade-sobre-atendimento-do-sus-no-municipio&catid=8&Itemid=180> Acesso em 1 de maio de 2019.
[9] Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-abr-01/dpu-recomenda-autorizacao-venda-abortivo-farmacias> Acesso em 1 de maio de 2019.
[10] Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/informativos/edicoes-2018/abril/mps-e-defensorias-da-uniao-de-mg-e-do-es-expedem-recomendacao-para-frear-abusos-da-fundacao-renova/> Acesso em 1 de maio de 2019.

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    é defensor público do Espírito Santo, mestrando em Política Social pela Universidade Federal do Espírito Santo e coordenador do Comitê Estadual para a Prevenção e Erradicação à Tortura do Espírito Santo.

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