Opinião

Governo Federal precisa ser assertivo no apoio aos ambientes inovadores

Autores

  • Carolina Mota Mourão

    é pesquisadora do Núcleo Jurídico do OIC/IEA-USP. Mestra em Direito do Estado pela USP com graduação em Direito pela PUC-SP e em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP. Professora de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

  • Eduardo Altomare Ariente

    é doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie assessor do Núcleo de Inovação Tecnológica da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisador do Núcleo Jurídico do Observatório de Inovação e Competitividade do Instituto de Estudos Avançados da USP.

  • Gabriel Romitelli

    é pesquisador do Núcleo Jurídico do OIC/IEA-USP. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP com graduação em Direito pela mesma instituição. Advogado com experiência profissional e acadêmica em propriedade intelectual inovação e empreendedorismo.

  • Maria Marinho

    é pesquisadora e coordenadora do Núcleo Jurídico do OIC/IEA-USP. Doutora em Direito Pela Universidade Paris 1 Panthéon Sorbonne mestra e graduada em Direito pelo UniCeub. Advogada e professora de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

  • Vitor Monteiro

    é pesquisador do Núcleo Jurídico do OIC/IEA-USP. Doutorando em Direito pela Universidade Paris 2 Panthéon-Assas e pela Faculdade de Direito da USP. Graduado em Direito (2009) e Mestre em Direito do Estado (2014) pela USP. Analista jurídico da Finep- Inovação e Pesquisa

13 de maio de 2019, 6h21

Encerrou-se, no último dia 18 de abril de 2019, o prazo para manifestações da sociedade à consulta pública lançada em março pelo Governo Federal, por meio do pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), através da Secretaria de Empreendedorismo e Inovação (SEMPI), para atualização do Programa Nacional de Apoio aos Ambientes Inovadores (PNI).

Parte dos membros do Núcleo Jurídico do Observatório de Inovação e Competitividade (NJ-OIC) do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), que subscrevem essa nota, participaram do processo com contribuições à proposta de atualização do PNI.[1]

Contudo, o curto espaço de tempo aberto pelo Governo Federal para a consulta pública e a complexidade do tema para o desenvolvimento da inovação merecem uma extensão do debate com a comunidade jurídica.

Pilar do modelo de estímulo estatal à atividade de inovação, os ambientes inovadores, constantes do Capítulo II da Lei Federal de Inovação (Lei 10.937/04), foram objeto de profunda revisão em 2016 pela Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei Federal 13.243/16).

Nessa esteira, o Termo de Referência (TR) lançado pelo MCTIC/SEMPI pretende adequar o PNI às novas disposições normativas organizadoras desses ambientes inovadores. A proposta de TR poderia, contudo, ter sido mais ambiciosa, em face da atual liberdade legal para mobilizar atores, recursos e instrumentos para a geração compartilhada de produtos, processos e serviços inovadores por meio da transferência e da difusão de tecnologia.

Muito embora importantes entidades públicas e organizações da sociedade civil vinculadas ao tema da inovação tenham participado do projeto, o curto espaço de tempo para manifestação da sociedade e a ausência de outros documentos de apoio que detalhem a situação atual dos ambientes inovadores integrantes do PNI em curso que se pretende atualizar são um ponto que merece maior cuidado do Governo nas suas próximas aberturas a contribuições por parte da sociedade.

Contudo, é no mérito da proposta que o TR poderia ser mais arrojado para dinamizar ecossistemas propícios à inovação.

Apesar de realizar o esforço de compilar e rememorar os conceitos dos possíveis ambientes promotores de inovação de acordo com as alterações promovidas pelo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei 13.243/2016) na Lei Federal de Inovação (Lei 10.973/2004), a posterior edição do Decreto Federal de Inovação (Decreto 9.283/2018) e a doutrina especializada no tema, o TR é pouco propositivo para sair do frequente lugar comum das políticas de inovação em curso no país.

Situar o Programa no núcleo do poder político nacional, integrar Estados e Municípios, arrolar prioridades e sinalizar à sociedade o montante financeiro que pretende movimentar no apoio a esses ambientes vitais para o desenvolvimento da inovação são medidas que poderiam estar contidas na proposta de TR.

Sem prejuízo da participação dos Ministérios e Secretarias de Estado em suas áreas de atuação, é hora que a Casa Civil da Presidência da República e o Congresso Nacional, por meio de representantes das Comissões permanentes encarregadas por CT&I no Senado e na Câmara Federal, atuem tanto na execução, como também no acompanhamento do PNI. É imperativo que a agenda de inovação esteja presente no cotidiano da classe política, considerando que apenas assim será possível mobilizar recursos públicos para o financiamento dos seus objetivos.

Ademais, a organização de ambientes promotores de inovação perpassa a necessária articulação interfederativa e, desse modo, torna-se fundamental a participação de Estados e Municípios nos processos decisórios do PNI. Tal é, desde 2015, com a Emenda Constitucional nº 85, imperativo constitucional que instituiu um regime de competências materiais e legislativas comum relativas à inovação entre todos os entes federados. Além do tema da inovação, a necessidade de articulação entre os entes federativos é evidente nas questões relacionadas ao direito urbanístico (como, por exemplo, na definição do zoneamento e projetos de intervenção urbana) e na implantação da infraestrutura necessária a esses ambientes (transporte, conectividade, equipamentos urbanos), considerando as competências dos Estados e Municípios nessas matérias.

Importante notar que, até aquele momento, as políticas públicas sobre os Ambientes Promotores de Inovação tinham como foco apenas os parques tecnológicos. A incorporação dos distritos de inovação e cidades inteligentes à PNI traz um desafio de escala e torna indispensável a participação dos planejadores urbanos no processo de desenvolvimento de tais espaços.

Além da escala, essa alteração obriga a repensarmos o próprio papel das cidades no processo de inovação: não faz mais sentido a construção de parques isolados dos centros urbanos e apenas vinculados a centros de pesquisas que atuariam como âncoras que por que si só atraíram empresas inovadoras. As experiências internacionais demonstram que, associada à importância de instituições âncora, também estão outros fatores como mobilidade, infraestrutura, capacidade de liderança do gestor do ambiente.[2] Esses fatores apenas confirmam a importância da articulação interfederativa acima descrita, bem como a cooperação e interação entre entes públicos e privados, como previsto no artigo 218, § 6º, da Constituição Federal e no artigo 1º, inciso V, da Lei Federal de Inovação.

Essa relação é vital para que os estímulos transformadores permitidos com a inovação encontrem problemas centrais da realidade brasileira, de modo que a redução das desigualdades regionais e os desafios da urbanização encontrem na inovação um motor econômico e social para alternativas à melhoria às condições de vida dos cidadãos.

Para tanto, o Governo Federal, que há anos vem conduzindo o PNI, deve apresentar à sociedade uma avaliação de suas atividades. Somente com os acertos e erros das escolhas feitas até o momento, é que as políticas públicas de inovação poderão dar novos passos. Nesse sentido, é importante saber qual foi a contribuição das ações adotadas pelo Estado brasileiro nos últimos anos com relação, por exemplo, à implementação dos Parques Tecnológicos e de que modo essas ações tiveram sucesso ou não em promover as diferentes vocações regionais nacionais e estimular empresas nascentes de base tecnológica.

Impera, nesse sentido, o dever de transparência, a envolver todo o espectros das políticas de inovação e que, nas ações destinadas à promoção dos ambientes ambientes promotores de inovação, se traduzem nos critérios de seleção e priorização e nas métricas de avaliação.

Outro aspecto especialmente crítico das medidas de estímulo à organização desses ambientes é o foco que será dado pelo Governo Federal.

Em que pese a louvável remissão do TR ao Programa à Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI 2016-2022) e o Plano Nacional de Internet das Coisas, a forma como essa conexão foi enunciada não oferece pistas do que será colocado em evidências pelo Estado brasileiro nos seus apoios.

Importa ao governo elencar quais e como os temas constantes nessas políticas estatais se relacionam com o Programa. A título exemplificativo, o Termo de Referência do PNI pouco aproveita do conteúdo e das propostas presentes na ENCTI 2016-2022. Não faz qualquer menção, por exemplo, às áreas e temas estratégicos para o desenvolvimento socioeconômico, científico e tecnológico e para a soberania nacional elencados na Estratégia Nacional. São áreas sobre as quais o Brasil possui relativo domínio tecnológico (aeronáutica, energia e mineração), possui claras vantagens comparativas em razão da megabiodiversidade e capacidade produtiva (pesquisa e produção agropecuária e biotecnologia) e outras áreas que o país necessita desenvolver para solucionar desafios globais e acompanhar tendências mundiais e a fronteira tecnológica.

Ademais, está mais que na hora de o Governo Federal escalonar, com medidas de curto, médio e longo prazo, suas ações para a política de inovação, por meio de critérios claros, podendo o TR servir a esta mobilização em matéria de apoio aos ecossistemas de inovação.

Ainda, falta o Governo apresentar um horizonte de gastos na iniciativa. Em tempos de restrição fiscal, sabe-se que todas as decisões envolvendo recursos públicos são dificilmente enunciadas. Contudo, como não há apoio à inovação sem a participação permanente do Estado, a indicação dos possíveis instrumentos de apoios diretos, como a formação de infraestruturas necessárias à existência desses ambientes e a apresentação em números do compromisso público — ainda que adequados à realidade econômica e social do país — poderia tanto servir à atração de outros parceiros no setor privado, como engajar a sociedade na disputa por recursos em favor desses ambientes de inovação.

Aliás, alguns atores precisam ter posição de destaque nas políticas públicas pensadas pelo Estado brasileiro.

De um lado, as agências de fomento dos diferentes entes federativos, cujos objetivos consistem em estimular e induzir iniciativas de entidades públicas e privadas em consonância com as políticas nacional, estaduais e municipais de ciência, tecnologia e inovação. Da mesma forma, institutos de pesquisa e universidades, preservadas as respectivas autonomias neste último caso. Ainda, os órgãos de controle da Administração Pública, como a advocacia pública, as controladorias internas e os tribunais de contas, que precisam acompanhar a construção, execução e avaliação da política, sobretudo para compreender a complexidade da empreitada do desenvolvimento tecnológico, colaborando para a sua efetividade.

De outro lado, o essencial setor privado. Não há inovação sem mercado e sociedade. É a este que o Governo deve direcionar seus esforços e atuar como um facilitador, lançando algumas direções que serão apropriadas em novas tecnologias, aptas a tornarem a economia brasileira mais competitiva e agregar valor em melhores empregos e soluções de problemas à sociedade. Experiências de distritos de inovação, incubadoras, aceleradoras, entre outras, pelo mundo estão aí pra mostrar que, quando há sinergia entre público e privado, todos ganham.

Essas e, certamente, muitas outras recomendações já são de conhecimento do MCTIC-SEMPI.

Tão logo as participações sejam consolidadas, espera-se que o Governo Federal novamente convoque a sociedade para expor o que pretende com o PNI atualizado, sem deixar de apresentar a condição de execução do programa atual. A inovação tem pressa e projeta-se para o futuro. Todavia, não será consistente se não observar os erros e acertos do passado.

* Texto elaborado por pesquisadores do Núcleo Jurídico do Observatório da Inovação e Competitividade (NJ-OIC) do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP). As sugestões e recomendações aqui apresentadas refletem a opinião daqueles que subscrevem à proposta, acima listados. Nada do que aqui foi apresentado deve ser lido como posição da totalidade dos membros do Núcleo Jurídico nem do Observatório de Inovação e Competitividade nem do Instituto de Estudos Avançados.


1 A íntegra da proposta, com as considerações e recomendações submetidas ao MCTIC/SEMPI, encontra-se disponível no site do OIC-IEA/USP: http://oic.nap.usp.br/direito-e-inovacao/programa-nacional-de-apoio-aos-ambientes-inovadores-pni-contribuicao-do-nucleo-juridico-do-oic-a-consulta-publica-do-mctic/.

2 KATZ, Bruce; WAGNER, Julie. The Rise of Innovation Districts: A New Geography of Innovation in America. Washington: Brookings Institution, 2014 Disponível em: https://www.brookings.edu/wp-content/uploads/2016/07/InnovationDistricts1.pdf

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    é pesquisadora do Núcleo Jurídico do OIC/IEA-USP. Mestra em Direito do Estado pela USP com graduação em Direito pela PUC-SP e em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Professora de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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    é mestre e doutor em direito pela USP, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do Departamento de Ciências da Computação do IME-USP.

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    é pesquisador do Núcleo Jurídico do OIC/IEA-USP. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP, com graduação em Direito pela mesma instituição. Advogado com experiência profissional e acadêmica em propriedade intelectual, inovação e empreendedorismo.

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    é pesquisador do Núcleo Jurídico do OIC/IEA-USP. Doutorando em Direito pela Universidade Paris 2 Panthéon-Assas e pela Faculdade de Direito da USP. Graduado em Direito (2009) e Mestre em Direito do Estado (2014) pela USP. Analista jurídico da Finep- Inovação e Pesquisa

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