Opinião

Não há motivos para reestruturar a Justiça Eleitoral brasileira

Autor

  • Milton Nobre

    é desembargador do TJ-PA (presidente no biênio 2005/2007) ex-membro do Conselho Nacional de Justiça (biênio 2009/2011) ex-presidente do Colégio de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil (biênio 2013/2015) e professor emérito da Universidade da Amazônia (Unama).

13 de maio de 2019, 14h06

A Ajufe, mais uma vez, volta a insistir na pretensão de integrar os juízes federais na Justiça Eleitoral de primeiro grau.

Em 2011, com a Petição 332-75.2011.6.00.0000/DF, tentou, sem sucesso, modificar a Resolução TSE 21.009, de 5/3/2002, para garantir a participação de seus filiados na jurisdição eleitoral de primeira instância, argumentando, principalmente, que a Constituição da República, ao usar a designação juízes de direito, está se referindo tanto aos juízes estaduais quanto aos juízes federais. O Superior Tribunal Eleitoral, por unanimidade, conforme acórdão de lavra do ministro Gilson Dipp, indeferiu o pleito.

Frustrada essa investida, em 2015, diante da inviabilidade de lograr êxito rápido, mediante a aprovação de uma proposta de emenda Constitucional que assegure lograr seu intento, a Ajufe voltou ao TSE, através da Petição 359-19.2015.6.00.0000/DF, desta vez para pedir a alteração da resolução acima mencionada, com a finalidade de que seja atribuída competência eleitoral concomitante aos juízes de direito e aos juízes federais nas zonas eleitorais onde houver seção ou subseção da Justiça Federal, bem como nos municípios com mais de 200 mil eleitores, ou, caso esse exercício não seja deferido, a inserção dos juízes federais na judicatura eleitoral em sistema de rodízio com os juízes de direito nas referidas localidades.

Na ocasião, requeri ao então relator do processo iniciado por esse novo pedido[1], ministro Gilmar Mendes, a admissão do Conselho dos Tribunais de Justiça (antigo Colégio de Presidentes dos Tribunais e Justiça do Brasil) como interessado e, na qualidade de seu presidente na época, apresentei um longo arrazoado demonstrando não só a incompatibilidade dessa pretensão com a ordem constitucional em vigor, como também sua mais absoluta desnecessidade, em razão do evidente e indiscutível bom desempenho da Justiça Eleitoral brasileira com o mesmo modelo organizacional que há muito conserva (ver aqui).

Agora, a Ajufe volta à carga, conforme noticiou a ConJur no dia 3, sob a alegação de que a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Inquérito 4.435, reconhecendo a competência da Justiça Eleitoral para julgar os crimes comuns quando tiverem relação com os crimes eleitorais, obrigaria a sua reestruturação para assegurar aos juízes federais o exercício da jurisdição eleitoral na primeira instância, sob dois fundamentos: (i) o primeiro, realmente novo, decorrente do fato de que, com a citada decisão da corte suprema, a Justiça Eleitoral vai julgar “crimes grandes, como a lavagem de dinheiro”; e (ii) o segundo, na verdade apenas uma reiteração, de que “é preciso lembrar que a Justiça Eleitoral é federal e todos os recursos são federais, bem como os demais órgãos que atuam na Justiça Federal”.

O primeiro argumento não tem como ser tomado a sério, pois pretender que o tamanho do crime seja critério técnico válido para fixação de competência jurisdicional não tem o menor cabimento. De mais a mais, a lavagem de dinheiro é, no nosso imenso país, praticada em localidades pequenas e remotas, em comarcas da Justiça estadual que, embora com varas únicas, sediam zonas eleitorais, onde sequer há juízes federais por perto.

De outra banda, no que diz respeito à afirmação de a Justiça Eleitoral ser federal, como ficou demonstrado na manifestação do Conselho dos Tribunais de Justiça antes mencionada, trata-se apenas de uma compreensão distorcida da realidade. O Judiciário brasileiro — como já consolidado pelo Supremo Tribunal Federal — é uno e nacional, dividindo-se apenas para efeito de custeio e funcionalidade, tendo em conta nossa estrutura federativa.

Do ponto de vista corporativo é até compreensível a insistência da respeitada e respeitável Associação dos Juízes Federais. Mas se afigura injustificável alterar a estruturação de um ramo especializado do Judiciário que notoriamente tem funcionado bem, atendido com eficiência à demanda por prestação jurisdicional e, por isso mesmo, goza de elevado conceito social.

A alteração proposta pela Ajufe, ademais, tal como divulgado, implicará a existência de dois juízes por zona eleitoral e, portanto, acarretará considerável aumento na despesa de custeio da Justiça Eleitoral, o que, no mínimo, soa inoportuno na conjuntura econômica adversa enfrentada pelo Brasil.

De qualquer modo, e para encerrar, sem uma emenda constitucional que altere o que a Constituição da República nos diz no artigo 118, combinado com os artigos 119, 120, parágrafo 1º, I, b e II, bem como com o artigo 120, não há como se possa atender à pretensão da Ajufe. Afinal, a designação juiz de direito, tal como mencionada nessas disposições constitucionais, refere-se exclusivamente, conforme tem sido na nossa tradição, aos juízes estaduais, nela não cabendo encaixar, salvo numa interpretação/aplicação superficial e equivocada, os juízes federais.


[1] Redistribuído atualmente à eminente ministra Rosa Weber.

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    é desembargador do TJ-PA, ex-presidente do Conselho dos Tribunais de Justiça e professor emérito da Universidade da Amazônia (Unama).

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