Justiça Tributária

Continuamos escravos dos abusos do Fisco, agora assistindo a novela do Coaf

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

13 de maio de 2019, 8h00

Spacca
Raul Haidar [Spacca]Este é o samba do crioulo doido: a história de um compositor que durante muitos anos obedeceu o regulamento, e só fez samba sobre a história do Brasil.E tome de inconfidência, abolição, proclamação, Chica da Silva, e o coitado do crioulo tendo que aprender tudo isso para o enredo da escola.Até que no ano passado escolheram um tema complicado: a atual conjuntura. O vigário dos índios Aliou-se a Dom Pedro e acabou com a falseta: da união deles dois ficou resolvida a questão e foi proclamada a escravidão.”
(Sérgio Porto=1923-1968)

A escravidão cantada pelo Sérgio era uma brincadeira. A imposta pela legislação tributária de hoje é trágica. Nossa carga tributária em 1967 era de 20% do PIB, enquanto a atual está em cerca de 37%. Em algumas atividades o vampirismo tributário suga mais de 40% do nosso sangue.

Quem estiver empregado com menos de R$ 3 mil não vê atendidas suas necessidades básicas definidas no artigo 6º da Constituição. Já escrevemos muito sobre isso. Essa situação leva ao vandalismo, à violência e ao crime. Monteiro Lobato escreveu:

A história da civilização cabe dentro da história do fisco. Grandes convulsões sociais, como a revolução francesa, tiveram como verdadeira causa as iniqüidades do fisco.” (Mundo da Lua, página. 206.)

Mas logo após este dia das mães, sigamos o anedotário para rirmos muito com a matéria da capa da Folha de S.Paulo, no ano 99, 32.910: “Pessimismo com a economia marca projeções para 2019”. O mais divertido é o subtítulo: “Bancos reduzem estimativas de crescimento e esperam desempenho em torno de 1%, como nos últimos dois anos.”

O que se diz o maior banco privado do país resolveu ser generoso: oferece desconto de 90% na cobrança da dívida de inadimplente. O presente seria uma maravilha dos céus, não fosse por um pequeno detalhe: a dívida está prescrita e, se levada à justiça, o banco nada receberá e pagará as despesas com o processo.

O que o Tribunal de Justiça de São Paulo homenageou com o título de “Empresa amiga da Justiça” tentou cobrar dívida inexistente e prescrita e, apesar da boa amizade, nada recebeu e nem seu amigos reformaram a sentença.

Talvez o pessimismo dos bancos seja em função de serem obrigados a cobrar juros próximos da realidade. Os juros do cheque especial estão em média perto de 14% ao mês. A taxa Selic, que deve ser aplicada à dívida tributária, é por um ano inteiro menos da metade disso: cerca de 6,5%.

Os juros bancários são vergonhosamente altos. Pelo que se sabe, milhões de pessoas entram no cheque especial em momentos de dificuldade. Isso não é atividade bancária: é assalto! O cadastro positivo é uma boa chance para reduzir a violência. Talvez isso explique fechar agências em imóveis alugados e despedir funcionários. Um ex-gerente de banco está sobrevivendo de motorista de táxi, outro é de Uber. Um terceiro abriu uma lanchonete.

Quanto aos abusos do Fisco
Contadores estão consultando psiquiatras: agendamentos inúteis, abusos do Fisco e exigências absurdas multiplicam-se a cada dia. Pesquisemos algumas matérias dos 3 últimos anos:

22/08/16: Arrecadação diminui,mas abusos cometidos pelo Fisco aumentam
30/11/15: Fiscalização tributária comete abusos e incentiva litigiosidade dos contribuintes
21/04/14: Somos enforcados todos os dias pela carga tributária

Desta última destacamos:

Joaquim José da Silva Xavier, vulgo Tiradentes, foi enforcado em 21 de abril. Enquanto isso, nós, brasileiros do século 21, somos enforcados todos os dias pela carga tributária que suportamos , bem maior que o quinto daquela época, em troca de quase nada.”

Quanto à novela do Coaf
A mesma edição da Folha, na página A8 informa: “Centrão usa mudança do Coaf para tentar esvaziar poder de Moro.” Diz-se que “Parlamentares agem para restringir trabalho de auditores fiscais e podem votar projeto contra abuso de autoridade.”

A expressão “esvaziar poder de Moro” resulta de equívoco. O Coaf é um órgão da chamada “inteligência financeira”, com a finalidade de investigar crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e corrupção.

Combate à corrupção e o fim da "lava jato"
A corrupção acontece desde tempos imemoriais e não é crime apenas brasileiro. Trata-se de uma atividade com bandidos em ambos os lados. Só existe corrupto porque há corruptores. O servidor que escolhe o caminho sabe dos riscos e o meliante que o suborna também. Quem entra nisso e sai paga preço altíssimo. Sua família ficará para sempre marcada. Shakespeare escreveu:

“Que a boa fama, para o homem, senhor, como para a mulher, é a jóia de maior valor que possui. Quem furta a minha bolsa me desfalca de um pouco de dinheiro. É alguma coisa e é nada. Assim como era meu passa a ser de outro, após ter sido de mil outros. Mas o que me subtrai o meu bom nome defrauda-me de um bem que a ele não enriquece e a mim me torna totalmente pobre.” (Willian Shakespeare, “Otelo, o Mouro de Veneza”, palavras de Iago a Otelo – ( Ed.Civilização Brasileira, 2ª Edição, Rio, 1956, pág.100/101).

Na apuração de crime o lugar define a competência. Essa a razão pela qual há operações no Rio, no DF e em outros estados. Deixar o Coaf com o Ministro da Justiça atrapalha as investigações. Se Temer responde a supostos fatos ocorridos aqui, onde reside e tem família, deve aqui ser investigado e responder pelo que se lhe atribui.

Conclusão
Um juiz não investiga, mas ordena as investigações que a polícia deve fazer, quando o Ministério Público apontar indícios de autoria e materialidade. Nossos leitores são operadores do direito e sabem disso melhor do que eu, que sou apenas um tributarista que raras vezes atua em crimes contra a ordem econômica.

O ex-juiz Sergio Moro é Ministro da Justiça. Ministros são demissíveis ad nutum. Comenta-se que presidente da República pode nomeá-lo para o STF. Isso não seria surpresa e creio que seja merecido pelo seu talento e inegável conhecimento jurídico.

O assunto é uma novela que ainda não teve seu final, que se espera seja feliz. O Congresso é um dos 3 poderes. Erra como qualquer criatura humana. Uma Comissão Mista está revisando o assunto e colocou o Coaf no Ministério da Economia. O plenário do Congresso decidirá ao votar. Desejo que isso favoreça a Justiça Tributária!

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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