Opinião

O caráter perpétuo na prisão de pessoas idosas no Brasil

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12 de maio de 2019, 7h36

O uso da linguagem como elemento político e filosófico é hoje considerado um instrumento de poder a ser questionado no Direito tanto sob o ponto de vista teórico na doutrina, jurisprudência, enfim em todos os campos, como na realidade existencial.

No Direito Penal, todos os cuidados devem ser apurados para que a hipocrisia e a retórica não sejam usadas contra o réu e, em última instância, contra a sociedade.

Amenizar a expressão de velho para idoso não altera a condição do ser humano fragilizado pela idade avançada. Da mesma forma que a criança e o adolescente ou a mulher, ou o homossexual, o velho é o indivíduo que demanda o relevo da sua diferenciação.

Vigor físico e intelectual diminuído, perda dos mecanismos de defesa que a saúde proporciona exigem tal preocupação em relação às pessoas com mais idade.

O reconhecimento básico dessa realidade já foi inclusive formalizado no Estatuto do Idoso (Lei 10741/03). Esse diploma consigna como idoso o indivíduo com mais de 60 anos. Ora se a expectativa de vida do brasileiro hoje é calculada em 76 anos, somos obrigados a nos interessar pela condição delicada de aproximadamente 75 mil presos em regime fechado no país.

Óbvio que ninguém de bom senso pretende isentar de punição o criminoso pela condição de velhice.

De passagem, lembro que o herói francês Marechal Petain, que traiu seu país na Segunda Guerra Mundial, foi acusado e condenado, embora de idade avançadíssima, tendo a Promotoria usado o argumento lapidar: “a idade não absolve o canalha”.

O que se pretende adequar é o contrassenso de o Estado se assemelhar ao transgressor quando a nossa Constituição é clara em seu artigo artigo 5º: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLVII – não haverá penas: b) de caráter perpétuo”.

Senão vejamos: um apenado a 20 anos de prisão com a idade de 70 anos, num país com a referida expectativa de vida, escandalosamente, vai cumprir uma prisão de caráter perpétuo. E isso com todas as inferências e repercussões objetivas e subjetivas das condições miseráveis de nosso sistema penitenciário.

Público e notório que o regime fechado ora vigente na cotidianidade não apresenta as condições mínimas de salubridade física e psicológica, derretendo as faculdades mentais e abalando a estrutura fisiológica do preso mesmo jovem e de saúde equilibrada.

Pretendeu o CPP, artigo 318, ao estabelecer que: Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I – maior de 80 (oitenta) anos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011)”.

Voltando aos cálculos de idade já anotados, a fixação aos 80 anos não corresponde à população brasileira.

Indignado com o quadro, o ministro do STF Gilmar Mendes exclamou em Plenário: “Quem fala em direitos humanos e decreta prisão de quem tem 80 e 90 anos, se existe céu e existe Deus, vai ter que ajustar as contas”.

Permito-me lembrar também Sobral Pinto, o grande jurista católico que, como advogado do líder comunista Luiz Carlos Prestes durante a ditadura de Vargas, tendo em vista as condições carcerárias, invocou a Lei de Direito dos Animais para caracterizar o mínimo de respeito que o Estado deve ao ser humano, na cidadania, mesmo criminoso e condenado.

Neste momento, temos dois presos velhos, ou idosos, para quem preferir: os ex-presidentes da República Luís Inácio Lula da Silva e Michel Temer.

A não ser que se imagine um Estado vingador, eles podem servir para que a sociedade faça uma autocrítica: em prisão domiciliar, eles e milhares de outros presos alquebrados ameaçariam a ordem pública?

E indo mais longe na ordem de raciocínio, a sanha de punição sob o pretexto de dar exemplo não pode ter um efeito paradoxal? Despertar comiseração e piedade diante de homens poderosos reduzidos a farrapos humanos?

Sociedades civilizadas relativizam e qualificam os comportamentos das pessoas. Relativizam também a forma de punir os que transgridem a lei. Que se verifique assim esses milhares de indivíduos que, frequentemente, se situam como mortos-vivos no fim de sua existência humana.

Que cumpram suas penas, mas respeitadas suas condições de velhos. Ou restará o espetáculo de tripudiar sobre aqueles que nada mais possuem, nem o esqueleto do corpo e do psiquismo para sobreviverem.

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