Opinião

Os contornos da incorporação da Previc à Susep que passam despercebidos

Autor

  • Kleber Cabral

    é auditor fiscal da Receita Federal bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco).

11 de maio de 2019, 7h34

Embutida de última hora no programa de reestruturação da administração pública levado a cabo pelo governo federal, a possível incorporação da Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar) pela Susep (Superintendência de Seguros Privados) possui contornos sombrios e que frequentemente passam despercebidos por aqueles potencialmente mais afetados: os cidadãos que dependerão no futuro da boa administração de fundos de pensão.

Segundo interlocutores, o governo estaria tencionando criar, por medida provisória, uma agência única, abarcando as duas entidades. O novo órgão ficaria sob o comando da atual superintendente da Susep, Solange Vieira, e teria a incumbência de regular e fiscalizar toda a área de seguros privados, que é a missão original da Susep, além dos sistemas de previdência complementar aberto e fechado no Brasil.

A proposta é um lance de altíssimo risco. Os volumes de recursos envolvidos são gigantescos. Ao ensaiar a jogada, o governo dá um passo perigoso para a governança e a sustentabilidade dos fundos de pensão no Brasil, inclusive para a Funpresp (Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal), criada há poucos anos como alternativa ao Regime Próprio de Previdência dos servidores da União. A entidade se tornará, num horizonte não muito distante, o maior fundo de previdência complementar da América Latina.

Para se dimensionar os riscos da proposta, é necessário fazer uma breve contextualização. Atualmente, 105 auditores fiscais da Receita Federal estão cedidos à Previc, com atuação nos diferentes pontos do nosso país. A esses profissionais, de larga experiência e reconhecida expertise, compete — entre outras atribuições — fiscalizar as atividades e as operações das entidades fechadas de previdência complementar. A CPI dos fundos de pensão e as operações greenfield, pausare, fundo perdido e circus maximus foram todas desencadeadas a partir do trabalho dos auditores da Receita Federal na Previc.

A atuação dos auditores fiscais tem sido essencial para a fiscalização permanente nas entidades de maior risco, para o monitoramento de investimentos e para o combate a fraudes. Além disso, desde a operação greenfield, os auditores da Previc têm participado ativamente de forças-tarefa junto à Polícia Federal e ao Ministério Público. Se mais não foi feito, isso se deve a uma legislação leniente, que prevê apenas penalidades administrativas de advertência, inabilitação, suspensão e multa às pessoas físicas e jurídicas responsáveis.

Os fundos de previdência fiscalizados pela Previc possuem um perfil diferenciado em termos de risco para a gestão, sobretudo em razão de terem como patrocinadores entes ou empresas públicas, o que os torna especialmente suscetíveis a interferências políticas e econômicas contrárias aos interesses dos que lá depositam seus recursos ao longo da vida. A atual conjuntura política e econômica torna essa questão ainda mais sensível, dada a notória e propalada intenção do governo no crescimento dos regimes de previdência complementar, o que exigirá do poder público vigilância redobrada.

Nesse cenário, pode-se vislumbrar por que a incorporação da Previc pela Susep ameaça o equilíbrio do sistema: a transferência para outros cargos das atribuições conferidas aos auditores pela Lei 12.154/09, fundamentais para a atividade regulatória e fiscalizatória dos fundos de pensão, não se dará sem evidente comprometimento da qualidade técnica e operacional do trabalho realizado.

Não se tem conhecimento se houve algum estudo elaborado pelo governo sobre os impactos de tais medidas, ou se a ideia decorre de pressões corporativas de servidores da Susep, que há muito tempo intentam encampar a fiscalização da Previc e do Banco Central, apesar das evidentes especificidades de cada área do mercado financeiro.

Diante disso, são de bom senso a manutenção e o fortalecimento das atribuições legais dos auditores fiscais no âmbito da Previc. É preciso blindar o órgão de ingerências políticas e reforçar seu aparato técnico, estrutural e legal, incluindo a previsão de punições mais severas contra as ilegalidades cometidas pelas entidades fechadas.

Os milhões de cidadãos dependentes dos fundos de pensão, país afora, não podem ficar à mercê de arranjos promovidos de improviso, sem o necessário cuidado técnico, nem se submeter a interesses incompatíveis com a busca pelo melhor resultado de suas aplicações, sob o risco de, no tempo apropriado, não poderem usufruir dos benefícios previdenciários a que têm direito.

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    é auditor fiscal da Receita Federal, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional).

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