Auditoria privada

"Hoje muita empresa deixa de se relacionar com outra que não tem área de compliance"

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11 de maio de 2019, 7h03

Spacca
As empresas não estão mudando seus processos de controle interno apenas por exigência legal. Há também uma mudança de cultura que engloba a eficiência por trás da integridade. É o que defende José Figueira, sócio da PricewaterhouseCoopers (PwC), empresa de auditoria e consultoria que presta serviços em 158 países diferentes. 

"Cada vez mais as empresas estão cientes dos riscos que estão expostas se não tomarem algumas medidas de prevenção e de controle", afirma. "Elas precisam visualizar melhor com quem se relacionam. Está mais claro que isso é uma necessidade. Hoje muita empresa deixa de se relacionar com outra quando ela percebe que não tem uma área de compliance, de controle responsável, porque ela não consegue ver que risco aquela outra está suscetível", completa.

A PwC trabalha com tecnologias que permitem a análise de dados para reconstruir fatos em processos internos de auditoria ou até juridicamente em tribunais ou câmaras de arbitragem. 

À ConJur José Figueira diz apoiar a existência dos whistleblowers em casos de corrupção no Brasil. "As principais detecções de fraudes, mundialmente falando, estão relacionadas com denúncias", comenta. O denunciante que pode receber uma premiação ao falar faz parte do pacote "anticrime" apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. 

Leia a entrevista:

ConJur — O que é a tecnologia forense e como ela pode ser útil para o advogado?
José Figueira 
— São ferramentas, softwares e plugins que permitem, por exemplo, a análise de documentos e dados e a reconstrução de fatos de uma determinada época. Isso pode virar elemento de análise importante para o advogado, seja no contexto de uma investigação interna, seja em uma arbitragem ou em um contencioso específico. Cada vez mais estamos usando as ferramentas de análise de dados, as chamadas data analytics, até para os advogados terem mais fundamentos para chegarem às conclusões, sejam elas sobre um fato, sejam informações que teriam sido acessadas ou trocadas em uma determinada época.

ConJur — Quando a tecnologia pode ser mais usada?
José Figueira
— Hoje não se faz nenhuma investigação interna sem utilizar essas ferramentas. No contexto de apuração de fraude, por exemplo, elas são extremamente necessárias. No contexto de uma arbitragem em que você precisa fazer levantamento de dados, reconstruir coisas da época ou mesmo e-mails que foram trocados.

ConJur — Esses dados podem ser usadas em ações judiciais? Eles têm valor jurídico?
José Figueira —
 Sem dúvida. Esse trabalho não apoia só os fatos, mas também os tribunais e as câmaras de arbitragem, por exemplo. O valor jurídico existe também em casos que somos chamados para apoiar um árbitro na análise de uma questão. Fazemos o trabalho de um perito para avaliar um fato que determinou um litígio, como experts em determinado assunto. Nos Estados Unidos, essa é uma cultura que está muito mais disseminada do que aqui.

ConJur — O mundo corporativo está sujeito a ataques da administração pública, roubo de dados, acusações de corrupção, falhas na contabilidade. O que uma auditoria privada pode fazer contra isso?
José Figueira —
Vamos pensar num dever de apuração. Quando você tem um evento de fraude numa empresa, há o dever de apurar esse fato. Ela quer saber se aconteceu ou não aconteceu, qual o tamanho da ocorrência, quem estava envolvido. A questão é reconstruir o que aconteceu na época. A partir daí você tem todos os elementos para ter essa convicção do que realmente aconteceu e isso pode estar convergente com o que a administração está falando, por exemplo, ou divergente. Às vezes acontece de existir divergência porque a auditoria viu mais coisas do que a própria administração.

ConJur — Como a auditoria pode chegar mais perto da realidade?
José Figueira —
E se de repente a gente tem uma situação em que aquele fato foi tirado de um contexto maior, que mostre que, na verdade, aquilo, quando dentro de um contexto adequado, é identificado que não houve erro nenhum, falha nenhuma. Então o resultado da reconstrução poderia, sim, ser um elemento para contradizer. O importante é você conseguir recriar ou reproduzir uma realidade e a partir daí fazer as suas análises de como você vai seguir com a defesa ou como vai seguir com a sua decisão no âmbito da empresa.

ConJur — Quais áreas mais contratam os serviços de consultoria e auditoria da PwC?
José Figueira —
Os escritórios de advocacia e as empresas às vezes também contratam diretamente quando querem fazer um assessment  interno, principalmente nas áreas de auditoria e compliance. E também cada vez mais os próprios juízes e câmaras de arbitragem.

ConJur — As empresas brasileiras têm a cultura de compliance
José Figueira
Olha eu acho que as empresas estão começando. Primeiro porque têm a obrigação legal com essa preocupação, elas precisam ter uma área que possa fazer uma avaliação de risco, compliance, integridade. Mas a cultura também está mudando. Cada vez mais as empresas estão cientes dos riscos que elas estão expostas se não tomarem algumas medidas de prevenção e de controle. Precisam visualizar melhor com quem elas se relacionam. Está mais claro que isso é uma necessidade. O problema é você equilibrar isso nas finanças hoje, porque normalmente exige que sejam aprimorados sistemas, inclusive a parte de tecnologia, para permitir, especialmente em empresas grandes, que se consiga ver com mais clareza o que está acontecendo. Não dá para fazer isso de forma manual. É preciso investimento. 

ConJur — A própria empresa precisa aprimorar a tecnologia, mesmo que contrate uma auditoria e consultoria externa? 
José Figueira  Sim. A tecnologia hoje é necessária para que se permita fazer uma análise e revisões de controle. Imagina que você tem uma empresa com mil ou 2 mil empregados e está controlando várias coisas em Excel, onde é possível alterar facilmente os dados. As plataformas de tecnologia permitem ter mais controle, maior integridade. Então, a tecnologia é necessária nas empresas para que você consiga ver pagamentos, por exemplo, ver fornecedor, ter maior interatividade e conseguir falar com a análise de dados que falamos.

ConJur — O volume dessas novas exigências de controle não atrapalha a gestão das empresas? Como fazer para que isso não faça com que empresas deixem de ter como objetivo desempenhar sua atividade e lucrar?
José Figueira  Com mais normas, necessariamente vai ter mais coisa para fazer, não tem jeito. O que é importante é ter a percepção de que esses procedimentos são para a proteção da própria empresa e dos empregados. Se você tem um procedimento para fazer a análise de fornecedor, por exemplo, essa análise tem que ser feita por um especialista, depois por alguém que analise a capacidade do fornecedor de pagar, depois por alguém que vai analisar os aspectos contratuais, para aí, sim, chegar ao diretor. Tudo isso é para que, em última análise, o diretor tenha confiança de que ele está assinando um contrato. Se você não seguir esse processo, pode ter complicações como o fornecedor não pagar, e aí você não tem um contrato que seja bom do ponto de vista de reembolso para a empresa, e começa a criar uma série de problemas tanto para a empresa quanto para o próprio gestor.

ConJur — Esse processos de controle protegem o empregado também?José Figueira  Sim. Os controles existem para uma proteção da empresa e da pessoa. E, claro, para que as próprias empresas se relacionem de uma forma mais protocolar. Hoje muita empresa deixa de se relacionar com outra quando ela percebe que não tem uma área de compliance, de controle responsável, porque ela não consegue ver que risco aquela outra está suscetível.

ConJur — O que o senhor acha da ideia do projeto do ministro Sergio Moro de criar a figura de um whistleblower para casos de corrupção? É correto criar um sistema de remuneração para quem denuncia outras pessoas? 
José Figueira — Eu não li o projeto ainda, mas as principais detecções de fraudes, mundialmente falando, estão relacionadas com denúncias. Esse é um dos pilares dos próprios programas internos, todas as empresas abrem um canal de denúncia para que os empregados possam falar. Porque essa é uma forma muito rápida e simples de você criar um engajamento das pessoas de forma que elas se sintam também fiscalizadoras da lei, que elas reportem aquilo que entendem que está errado. Esse estímulo é muito grande nos Estados Unidos, inclusive com premiação caso no final do processo haja punição. 

ConJur —  E no Brasil isso poderia funcionar?
José Figueira
 — Eu não vejo por que não. A única questão é que a pessoa, assim como acontece com as testemunhas, tem a noção de que aquela informação que ela vai passar vai ser checada, ela tem as garantias e condições para que ela faça a denúncia. Eu não li o projeto, eu não sei se ele tá em linha, mas, na essência, que é a denúncia espontânea de um terceiro, é uma forma muito eficaz para receber e apurar denúncias.

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