Parecer contrário

Coordenador de TI do TJ-SP critica contrato com Microsoft e deixa cargo

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11 de maio de 2019, 13h39

Com severas críticas ao contrato entre a Microsoft e o Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Claudio Augusto Pedrassi anunciou sua saída da Comissão para Assuntos de Informática da corte. Além disso, ele sairá também do Comitê de Governança da Tecnologia da Informação da corte, onde era coordenador de Tecnologia.

As críticas vão desde a ausência de licitação até aspectos técnicos como a dependência enorme que a corte teria da empresa norte-americana, o conflito com a Lei Geral de Proteção de Dados, o passado de serviços ruins prestados pela empresa ao estado e o perigo de ter pressa em passar o arquivamento de data centers para a nuvem. Pedrassi formalizou sua contrariedade em parecer entregue no dia 22 de abril ao presidente do TJ-SP, desembargador Pereira Calças.

O Tribunal de Justiça, por sua vez, defendeu a legalidade do contrato e rebateu os questionamentos de Pedrassi. Em nota, a corte afirmou que apesar do inconformismo pessoal do desembargador, nenhum dos questionamentos apresentados se sustenta após simples leitura do contrato e que a opção pelo novo contrato foi feita após cuidadoso estudo. Além disso, o TJ-SP ressalta que o Órgão Especial da corte aprovou, por unanimidade, a contratação.

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TJ-SP assinou contrato de R$ 1,32 bilhão com a Microsoft para novo sistema. 

O contrato questionado já foi suspenso por decisão liminar do Conselho Nacional de Justiça. O CNJ entende que o TJ-SP não pode adotar um sistema que não seja o PJe sem licitação e sem apresentar os motivos para não adotar o software estabelecido como padrão para o Poder Judiciário. 

No parecer, Pedrassi lista diversos motivos para o tribunal não fechar o contrato com a Microsoft.

Dependência perigosa 
Para o desembargador, o principal problema é a dependência que a corte terá da Microsoft. Segundo ele, isso não acontece agora com software da Softplan, já que o TJ-SP só depende da companhia para a manutenção de alguns pontos do SAJ. 

"O Tribunal ficará literalmente nas mãos da empresa. Tudo ficará com a Microsoft, todos os sistemas e os dados. Imaginemos o que ocorrerá daqui cinco anos, findo o contrato, que condições de negociação o Tribunal terá diante da empresa que tudo detém?"

Nesse ponto, o Tribunal de Justiça se defende afirmando que, ao contrário do que afirma o desembargador, a corte é completamente dependente da Softplan, e ressalta o fato não ter o código fonte. "Isso inviabiliza qualquer controle, ainda que mínimo, por parte do tribunal quanto à atuação dessa empresa ou do funcionamento do sistema em si. Essa situação também coloca o TJ-SP em posição negocial cativa e vulnerável". No novo contrato, o TJ-SP afirma que garantiu que terá propriedade do código fonte. 

Conflito com lei 
Para Pedrassi, a adoção de sistema armazenado em nuvem pode gerar conflito com o que determina a Lei Geral de Proteção de Dados. O artigo 26 da lei afirma que o Poder Público não pode passar para entidade privada dados pessoais que administra. "Como justificar a disponibilização em nuvem, sendo a Microsoft (entidade privada) a gestora da nuvem e consequentemente dos dados?"

Além disso, a Resolução 185 do CNJ proíbe que qualquer tribunal passe a utilizar sistema que não seja o PJe, com exceção dos que já estavam implementados.

Quanto a isso, o Tribunal de Justiça de São Paulo afirma que o contrato não fere Resolução do CNJ, pois já havia sido aberta relativização da obrigatoriedade quanto ao uso do PJe. Já sobre a Lei de Proteção Geral de Dados, o TJ diz que não existe lei impedindo o armazenamento de dados de órgãos públicos em nuvens públicas, nem, tampouco, exigindo sua manutenção em território brasileiro.

"Necessário frisar que a Microsoft é empresa de tecnologia mundial, de referência em seu segmento, que desenvolve soluções de ponta – seja de sistemas, de nuvem – e que investe bilhões de dólares em inovação – com computação quântica, inteligência artificial e realidade expandida, vendendo seu produto e fornecendo infraestrutura em escala global. Difícil acreditar que não tenha expertise para desenvolver plataforma digital de tramitação de processos nativa em nuvem para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ou para enfrentar o volume de feitos em andamento nesta corte", afirma o TJ-SP.

Posição do presidente 
Em entrevista à ConJur, o presidente do TJ-SP, desembargador Manoel Pereira Calças, afirma que a mudança para o sistema da Microsoft foi motivada pelo fato dos sistemas da corte estarem defasados. Ele afirma que a principal motivação é mudar o arquivamento de data center para nuvem e que os advogados se mostram insatisfeitos com o PJe.

"O tribunal atualmente tem que manter dois data center por cautela. E os nossos já deram vários problemas como quase incêndios e ataques cibernéticos."

Sobre a dispensa de licitação, Calças afirma que não era um processo necessário por ser um serviço de notória especialização. A Universidade de São Paulo apresentou um parecer afirmando que cabia dispensa de licitação no caso. 

Entenda o caso
Em fevereiro, o Tribunal de Justiça de São Paulo anunciou a contratação da Microsoft para desenvolver uma nova plataforma de processo eletrônico e a infraestrutura de tecnologia da corte. O objetivo é mudar completamente as atividades digitais, inclusive com um novo sistema de tramitação processual. O valor total do contrato é de R$ 1,32 bilhão, a ser pago em parcelas mensais ao longo dos cinco anos de validade do contrato e conforme a entrega das etapas do projeto.

A contratação da empresa norte-americana para armazenar e gerir a informática do TJ foi suspensa pelo Conselho Nacional de Justiça sob os argumentos de que a criação de um novo Processo Judicial eletrônico (PJe) precisaria do aval do conselho. O CNJ também alegou preocupações com a entrega de dados sigilosos de processos a uma companhia estrangeira.

Em resposta, o TJ-SP publicou nota defendendo a contratação. De acordo com o presidente, desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, o contrato proporcionará economia de quase R$ 1 bilhão em 10 anos e solucionará problemas do atual modelo. O Órgão Especial do TJ-SP já declarou apoio ao contrato suspenso com a Microsoft. 

Em abril, o Conselho Nacional de Justiça manteve suspenso o contrato do Tribunal de Justiça com a Microsoft para fornecimento de sistemas de processo eletrônico. O CNJ autorizou o TJ a estudar soluções não relacionadas ao PJe, sistema adotado como política de uniformização do CNJ — embora tenha mantido a proibição de a corte licitar ou contratar outras tecnologias sem autorização.

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