Opinião

O entendimento dos tribunais superiores sobre a acumulação de cargos públicos

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7 de maio de 2019, 17h17

Primeiramente, deixemos claro, a acumulação remunerada de cargos públicos é constitucionalmente proibida. Por isso mesmo, o inciso XVI do artigo 37 da Constituição Federal traz essa regra, estendendo-a, sobretudo, a empregos e funções, abrangendo autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público.

Ocorre, no entanto, que a própria Constituição prevê três exceções à regra, quais sejam: s acumulação de dois cargos de professor; a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; e a de dois cargos ou empregos privativos da área de saúde, com profissões regulamentadas.

Observe-se, que, para além das exceções, o texto constitucional não estatuiu outras regulamentações. Deixou, portanto, ao alvedrio das próprias esferas de poder e órgãos os contornos e regras para que os servidores pudessem acumular, remunerada e licitamente, os cargos públicos descritos nas alíneas do inciso XV do artigo 37 da Constituição.

Por isso mesmo, em dados casos, regras não previstas no texto constitucional costumavam surgir como exigência para que os órgãos públicos aceitassem a acumulação de cargos por parte de seus servidores. Vamos tratar de duas delas, quais sejam: a exigência de jornada máxima e a natureza técnico científica de um dos cargos.

Naquilo que toca a exigência de uma jornada máxima, temos que o Superior Tribunal de Justiça entendia que, mesmo não havendo previsão legal de um somatório máximo de jornadas combinadas entre os cargos acumulados, o servidor público que viesse a figurar em mais de um cargo público não poderia ultrapassar o máximo de 60 horas semanais de trabalho.

Cabe salientar que, até meados do ano de 2014, o STJ mantinha posicionamento no sentido de que apenas se deveria aferir a compatibilidade de horários entre ambos os cargos, na forma que já preceituado pelo Supremo Tribunal Federal, em situações anteriores.

Ocorre, no entanto, que a partir do julgamento do Mandado de Segurança 19.300/DF, em 18 de dezembro de 2014, a primeira turma daquele tribunal firmou o entendimento de que a jornada laboral para os ocupantes de cargos acumuláveis não pode ultrapassar o limite de 60 horas semanais, prestigiando-se o Acórdão TCU 2.133/2005 e o Parecer GQ 145/98 da AGU. Tal posicionamento, como já se disse acima, não é corroborado pelo STF e representa inovação ao texto constitucional.

Tal posicionamento, no entanto, e no que toca a cargos privativos de profissionais de saúde, passou a ser revisto pelo próprio STJ, a partir de fevereiro deste ano, com base no mesmo e antigo posicionamento da corte suprema, no sentido de que a Constituição Federal determinou que fosse observada tão somente a compatibilidade de horários, vide Airesp 1.773.411, da 2ª Turma do citado tribunal.

Importante notar que a 1ª Turma da mesma corte, dias antes, julgou o EDMS 21.427, em que reafirmou a necessidade de limitação do somatório das jornadas, ante a prevalência de princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Temos, portanto, um STJ dividido sobre essa questão. O STF, por sua vez, reconhece a necessidade apenas da compatibilidade de horários desde o ano de 2011 (RE-AGR 633.298).

Naquilo que diz respeito à questão do cargo técnico, temos a confusão entre a nomenclatura do cargo e sua real natureza. Isso porque, na própria administração pública, há cargos que possuem o nome “técnico”, mas com atribuições mais genéricas, e não especializadas, como supõe a própria etimologia da palavra (técnico pressupõe se tratar de especialista ou perito em algum assunto).

Nesse sentido, o STF, ao menos desde 2003 (RE-AgR 246.859) já preceitua a necessidade de se aferir a natureza técnica do cargo a ser acumulado com o de professor, mesmo indicando, naquele caso, não poder fazer o reexame de fatos e provas da causa. Por outro lado, o STJ, ao menos desde o ano 2000, no julgamento do Roms 7.216, já indica que o cargo a ser acumulado deve exigir discernimentos técnicos, científicos ou artísticos, e não somente ser tomado por conhecimentos burocráticos, regulamentados pela própria administração, sem qualquer outro tipo de complexidade.

Veja-se, por fim, que, segundo o STJ (Roms 12.352), é indiferente o nível do cargo, se superior ou médio, desde que comprovadas as atribuições de natureza específica, e não meramente burocráticas. Temos que, neste caso, os entendimentos se mantêm uniformizados desde então.

*Apêndice: coisas que você, servidor público, deve saber:

  • caso acumulados os cargos, o teto constitucional deve ser aplicado, individualmente, em cada remuneração, em vez do somatório dos valores recebidos. Esse é a tese de repercussão geral definida pelo STF no julgamento do RE 612.975/MT (Tema 377);
  • apesar de citado no corpo do texto, o parecer da AGU, que limitava o acúmulo de cargos públicos à jornada de 60 horas semanais, foi revogado recentemente. Trata-se do Parecer AM-04.

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