Opinião

A tributação dos negócios da economia compartilhada e colaborativa

Autores

  • Eduardo de Paiva Gomes

    é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário MSc candidate em blockchain e digital currency pela University of Nicosia especialista em Direito Tributário nacional (PUC) conselheiro do CMT (4ª Câmara Julgadora) juiz suplente do TIT professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.

  • Felipe Wagner de Lima Dias

    é advogado sócio no escritório Arbach e Farhat Advogados mestrando e pós-graduado pela Faculdade de Direito da FGV-SP membro do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição e ex-coordenador do Grupo de Direito Tributário da Câmara-e.net.

  • Phelipe Moreira Souza Frota

    é advogado mestrando em Direito Tributário pela FGV-SP e membro do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição.

6 de maio de 2019, 15h46

Inovação e tecnologia não trazem desafios apenas no âmbito regulatório, mas também no que tange à instituição de tributos que sejam adequados a novas formas de manifestação de riqueza. Embora seja inquestionável que as novas tecnologias estão relacionadas com o surgimento de negócios da economia digital, também é inquestionável que as inovações tecnológicas alteraram a maneira pela qual bens e serviços são adquiridos. É nesse contexto que se inserem os negócios da economia compartilhada e colaborativa.

A economia compartilhada e colaborativa está relacionada à inovação transacional[1]; valendo-se das novas tecnologias, permite que diversas pessoas tenham acesso direto a bens e serviços de outras pessoas. É exatamente o que ocorre com os aplicativos Uber, Rappi, iFood, Airbnb, que viabilizam, de maneira rápida, fácil e eficiente, o encontro daqueles que querem adquirir determinado produto ou serviço e aqueles dedicados à venda do produto procurado ou prestação do serviço desejado.

Veja-se que a transação realizada entre as partes é a mesma (por exemplo, compra e venda), porém com o diferencial de que o método pelo qual a transação é viabilizada (i) é facilitado, haja vista a presença de um terceiro intermediador; e (ii) mais atrativo para o consumidor, já que a transação é realizada mediante a utilização de aplicativos em dispositivos móveis, dispensando, inclusive, a presença física no estabelecimento vendedor/prestador.

São, pois, negócios com alto potencial de inovação e, portanto, devem ser estimulados, razão pela qual as regras tributárias destinadas ao setor devem equilibradas de modo a não distorcer a economia compartilhada e colaborativa. Entretanto, o que se verifica na atualidade é que a economia compartilhada e colaborativa não recebe a devida atenção do Poder Legislativo, sendo comum que novas regras tributárias estejam voltadas apenas à inovação tecnológica, e não à solução de questões decorrentes da inovação transacional.

Para exemplificar a situação antagônica entre a seara tributária e outras áreas, basta constatar que grande parte da legislação relacionada a obrigações tributárias acessórias se preocupa com a relação de emprego, de modo que, nesse contexto, o empregador fica obrigado a pagar contribuição previdenciária e reter parte do salário do empregado para pagamento do imposto sobre a renda. Por outro lado, tais regras não seriam aplicáveis a negócios da economia compartilhada e colaborativa, já que inexiste relação de emprego entre o intermediador e os terceiros que fornecem bens e serviços.

Contudo, não é incomum que os terceiros fornecedores de bens e serviços ingressem com ações judiciais visando ao reconhecimento de vínculo empregatício, o que, se procedente, não implica apenas o reconhecimento de direitos trabalhistas, mas também gera importantes reflexos tributários, tais como a necessidade de recolhimento de contribuição previdenciária e a necessidade de retenção do imposto sobre a renda.

O exemplo acima permite afirmar que, além de não haver clareza quanto à aplicação das regras já existentes — o que, consequentemente, resulta em judicialização de questões controvertidas —, algumas características da economia compartilhada e colaborativa podem demandar a edição de regras específicas que sejam adequadas a tais modelos de negócios (notadamente aquelas relacionadas a obrigações tributárias acessórias).

Tomando a experiência internacional em questão similar, especificamente com relação ao Airbnb — e outros apps de short-term rental —, observamos nos Estados Unidos alguns estados (como São Francisco, Carolina do Norte, Oregon e outros) que, além desse tipo de negócio ter sido autorizado, foi viabilizado o pagamento de tributos incidentes sobre essas operações (transiente occupancy taxTOT) pelas próprias empresas de tecnologia em vez do proprietário do imóvel: uma espécie de responsabilidade tributária. Esse tipo de situação traz maior segurança às empresas, aos seus usuários e ao próprio governo.

Por outro lado, especialmente no Brasil, importante destacar que eventuais novas obrigações acessórias destinadas especificamente à economia compartilhada e colaborativa não podem resultar em tributação desigual entre tais negócios e aqueles em que a aquisição de bens e serviços é feita de forma tradicional, na medida em que o sistema tributário brasileiro tem como fundamento o princípio da isonomia tributária, previsto no artigo 150, II, da Constituição Federal de 1988, que impede a diferença de tratamento entre contribuintes.

Verifica-se que as inovações tecnológicas da economia digital também propiciaram diversas inovações transacionais da economia tradicional, sendo necessária a edição de regras que não afetam o potencial de desenvolvimento e de inovação da economia compartilhada e colaborativa. Nesse sentido, não há dúvidas de que as novas tecnologias, notadamente aquelas relacionadas a meios de pagamento, podem auxiliar na estruturação de regras de compliance, de modo a facilitar a troca de informações entre as autoridades fiscais (cf. artigo 37, inciso XXII, da Constituição Federal de 1988) e, com isso, assegurar a tributação isonômica.

Além disso, eventuais novas regras devem ser editadas também levando em consideração seus destinatários, já que os modelos de negócios da economia compartilhada e colaborativa são realizados tanto por grandes contribuintes quanto por pequenos contribuintes, de modo que os custos de conformidade a serem suportados é fator extremamente relevante para a continuidade dos negócios.


[1] Não se ignora que a expressão "economia compartilhada e colaborativa" possui diversos significados, variando, inclusive, a depender do país. No presente trabalho, adotamos a expressão para os modelos de negócio que viabilizam tanto a utilização de ativos subutilizados (underutilised assets) quanto a aquisição de bens e serviços tradicionais peer-to-peer. Para conhecer de maneira resumida parte das classificações da economia compartilhada e colaborativa, recomendamos a leitura do texto “What exactly is the sharing economy?”, disponível em https://www.weforum.org/agenda/2017/12/when-is-sharing-not-really-sharing.

Autores

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    é sócio do Vieira, Drigo e Vasconcellos Advogados, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), mestrando em Direito Tributário pela FGV-SP, especialista em Direito Tributário pela PUC-SP e bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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    é advogado, mestrando e pós-graduado pela Faculdade de Direito da FGV-SP, membro do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição e ex-coordenador do Grupo de Direito Tributário da Câmara-e.net.

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    é advogado, mestrando em Direito Tributário pela FGV-SP e membro do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição.

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