Observatório Constitucional

Observatório Nacional: um novo olhar sobre o nosso sistema de Justiça?

Autor

  • Marco Túlio Reis Magalhães

    é doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo mestre em Direito Estado e Constituição pela Universidade de Brasília e membro do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional.

4 de maio de 2019, 11h05

Em 30 de abril, o Salão Nobre do Supremo Tribunal Federal foi palco do lançamento do site do Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão[1].

O referido site concretiza novo meio de divulgação do Observatório Nacional e de sua atuação, com a expectativa de que sirva como importante instrumento de gestão e de publicidade de dados, informações e relatórios ligados ao monitoramento nacional de casos complexos e de grande repercussão no Brasil, os quais impactam (efetiva ou potencialmente) o nosso sistema de Justiça.

Mas do que se trata esse Observatório Nacional? E o que pode significar essa nova etapa de sua publicidade por meio de um portal na internet?

É sobre esse tema que se ocupa as considerações do presente ensaio.

Em primeiro lugar, é preciso entender o que é o referido Observatório Nacional. Ele é uma iniciativa conjunta do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, que funciona por meio de uma atuação institucional paritária e colegiada de representantes desses dois conselhos nacionais para o monitoramento nacional de casos complexos e de grande repercussão, em termos ambientais, sociais e econômicos[2].

Nos termos da portaria de sua criação[3], o Observatório Nacional tem caráter oficial, nacional e permanente, com atribuição de “promover integração institucional, elaborar estudos e propor medidas concretas de aperfeiçoamento do sistema nacional de justiça, nas vias extrajudicial e judicial, para o enfrentar situações concretas de alta complexidade, grande impacto e elevada repercussão ambiental, econômica e social”.

Assim, cabe ao referido Observatório Nacional, por exemplo: levantar dados estatísticos quanto a medidas judiciais e extrajudiciais relativas a casos em monitoramento; acompanhar a tramitação e solução das referidas medidas judiciais e extrajudiciais em tempo razoável; propor medidas concretas e normativas buscando aperfeiçoar, em termos organizacionais e institucionais, a efetividade de medidas judiciais e extrajudiciais adotadas a partir da experiência dos casos monitorados; promover sinergia entre a Justiça, o Ministério Público, demais órgãos e entidades públicas envolvidos, sociedade civil e entidades acadêmicas, quanto aos casos e temas monitorados; realizar reuniões periódicas para definição da condução dos trabalhos do Observatório Nacional.

A composição do Observatório Nacional é paritária, com sete integrantes oriundos do CNJ e sete integrantes oriundos do CNMP, sob a presidência conjunta dos presidentes desses dois conselhos, e ele funciona com o auxílio administrativo de servidores do CNJ e do CNMP.

Para uma imagem mais concreta de suas funções e do seu papel institucional, vale mencionar os quatro casos (situações concretas) inicialmente escolhidos pelo Observatório Nacional para fins de monitoramento:

(i) rompimento da barragem na mina do Córrego do Feijão – Brumadinho/MG (25/1/2019);
(ii) rompimento da barragem de Fundão – Mariana/MG (5/11/2015);
(iii) incêndio na boate Kiss – Santa Maria/RS (27/1/2013); e
(iv) chacina de auditores do Trabalho – Unaí/MG (28/1/2014).

Os casos escolhidos apresentariam, cada um a seu modo, questões ambientais, econômicas e sociais de alta complexidade e grande impacto e repercussão nacional, inclusive para o próprio sistema de justiça. Segundo o 1º Relatório Trimestral de atividades do Observatório Nacional, divulgado pelo CNJ[4], haveria em comum elementos como a tragédia da perda de vidas humanas que poderiam ser evitadas, vítimas direta ou indiretamente afetadas, o alto grau de impacto à saúde e ao meio ambiente.

Além disso, a escolha desses quatro assuntos estariam em sintonia com os temas tratados pelo Brasil na Agenda Global 2030 (a exemplo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 6, 11, 16 e 17). E estaria em análise, ainda, a indicação de novos casos de monitoramento (o caso de rachaduras em ruas e imóveis do bairro de Pinheiro em Maceió e o caso da possibilidade de rompimento de barragem de uma mina de rejeitos em Rio Acima, em Minas).

O referido relatório do CNJ também corporificou, em termos de registro histórico e informativo, a direção inicial de atuação do Observatório Nacional, ao divulgar, por exemplo:

  • dados sobre a sua criação institucional, os casos escolhidos e a priorização do recente caso da barragem na mina do Córrego do Feijão (Brumadinho/MG);
  • a atuação administrativa por meio de reuniões internas, reuniões com agências reguladoras e com outros órgãos e entidades públicas, visitas aos locais dos eventos;
  • comunicação com todos os órgãos e tribunais judiciais envolvidos na apuração dos fatos, identificação de processos judiciais e extrajudiciais existentes (ativos, suspensos ou arquivados), criação de uma categoria específica de classe/assunto nas tabelas processuais unificadas (para facilitar a identificação de processos vinculados aos casos monitorados);
  • atividades de capacitação e aperfeiçoamento voltadas a dar mais apoio e efetividade aos tomadores de decisão, sobretudo no âmbito judicial e extrajudicial que envolva a participação do Judiciário e do Ministério Público, sem que isso signifique qualquer direcionamento quanto à avaliação do mérito de eventuais demandas;
  • estímulo ao desenvolvimento de ferramentas eletrônicas e de tecnologia da informação;
  • reunião com pesquisadores; e
  • convite à Ordem dos Advogados do Brasil, à Advocacia-Geral da União e à Defensoria Pública da União para participarem como convidados do Observatório Nacional.

Em sentido semelhante, outro relatório de atividades do Observatório Nacional (de janeiro a abril de 2019) foi produzido pelo CNMP e ratificou os elementos acima referidos, destacando, ainda, com maior detalhamento, outras atividades exercidas, bem como o histórico de discussões ocorridas nas reuniões internas do Observatório Nacional e as suas ações de comunicação social e de melhoria nos meios de divulgação institucional[5].

Um ponto convergente e importante em ambos os relatórios acima referidos é o destaque para o lançamento do Portal do Observatório Nacional por meio de site na internet (ocorrido em 30 de abril).

Consta do relatório do CNJ que o referido portal consubstanciaria “um canal de interlocução entre o sistema de Justiça e a sociedade, a fim de dar visibilidade à metodologia de sistematização de dados com a participação efetiva e colaborativa dos Tribunais”, permitindo-se consolidar dados diversos (perfil das vítimas fatais, principais notícias veiculadas pelos tribunais, pesquisa sobre quantidade e situação de ações judiciais e procedimentos no âmbito do Ministério Público). Seria, assim, um “espaço fixo e permanente para servir como material de pesquisa sobre normas, relatórios, sistemas e publicações”, além de oferecer notícias atuais sobre os temas monitorados.

Também o relatório do CNMP apontou como objetivo do referido portal “dar transparência às informações das instituições envolvidas no Observatório, além de facilitar a participação e o controle social”, cuidando-se, portanto, de “importante ferramenta de transparência ativa acerca da atuação judicial e extrajudicial do Ministério Público”, e permitindo o acompanhamento do trâmite judicial de processos.

De fato, a consulta inicial ao portal do Observatório Nacional já permite evidenciar a potencialidade positiva da nova ferramenta[6].

Em primeiro lugar, o acesso público, via internet, a informações, dados e documentos relativos aos casos monitorados é ponto relevante para a publicidade da atuação estatal, respondendo aos anseios básicos de uma administração que reconhece a relevância do acesso à informação como elemento fundamental do controle administrativo e social[7].

Isso se soma ao papel institucional e constitucional tanto do CNJ quanto do CNMP, no que diz respeito à função administrativa de controle e orientação, respectivamente, no âmbito do Poder Judiciário e do Ministério Público.

Além disso, há dados gerenciais relativos ao quantitativo e à tipologia de ações judiciais, desmembráveis em outros parâmetros analíticos, que possibilitam alcançar uma visão ampla e reveladora da complexidade dos casos monitorados. Nesse sentido, por exemplo, é possível mensurar a existência de aproximadamente 66 mil processos registrados sobre o caso de Mariana (rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 2015) e de aproximadamente 760 processos registrados sobre o caso de Brumadinho (rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, ocorrido neste ano)[8].

Também merece destaque a divulgação de relatórios técnicos, peças processuais e decisões judiciais relativas aos casos monitorados, normas e publicações pertinentes, sistemas de consulta paralelos que auxiliam a análise e compreensão dos temas, linhas do tempo dos eventos danosos e das respostas estatais. Esses elementos podem auxiliar, em alguma medida, a análise da capacidade e do tempo de resposta do sistema de justiça para tais problemas.

Contudo, percebe-se (o que é natural, dada a sua recente criação) que o Portal está em formatação inicial e naturalmente deverá sofrer novos aperfeiçoamentos, seja para melhor apresentar e consolidar informações e dados gerenciais, seja para permitir uma maior responsividade em termos de controle social.

É que, ao menos nessa formatação inicial, o portal é mais uma fonte de acesso de informação do que um efetivo canal de comunicação (em via dupla) entre o Observatório Nacional e a sociedade. Isso porque ainda não há possibilidade, no ambiente do portal eletrônico, de o cidadão e a sociedade civil sugerirem o acréscimo de novas informações, elementos e dados sobre os temas e casos monitorados e sobre o próprio aperfeiçoamento do portal. Em suma, ainda está em aberto a definição do meio, das formas e dos momentos em que poderá ser definida uma maior abertura à participação cidadã (sobretudo participação da população diretamente interessada).

Outro ponto que o portal e os relatórios já divulgados revelam é a possibilidade de enormes ganhos objetivos a partir da utilização de ferramentas de tecnologia da informação para apoiar e dar efetividade às medidas de monitoramento adotadas pelo Observatório Nacional, seja para fins internos de atuação judicial e do Ministério Público, seja para fins externos de apoio às vítimas e potenciais afetados pelos eventos danosos (a exemplo da criação de sistemas de alertas e avisos).

Interessa notar que a compreensão de monitoramento aqui não se limita a um agir passivo, meramente analítico e gerencial. A postura inicial do Observatório Nacional tem indicado uma atitude dinâmica, proativa e pioneira em se buscar gestão célere para a resposta estatal (sobretudo às vítimas), com a busca de cooperação eficiente em momentos críticos, com o propósito de implantar e modernizar “rotinas, prioridades, organização, especialização e estruturação dos órgãos competentes de atuação do Poder Judiciário e do Ministério Público”. Aliar essa forma de agir à atuação conjunta de órgãos e entidades dos demais Poderes da República e dos estados e municípios envolvidos pode reduzir sensivelmente impasses burocráticos e aumentar a concertação de interesses para uma solução consensual e comumente satisfatória. Nesse ponto, basta mencionar o trabalho inicial que já foi registrado pela participação colaborativa com agências reguladoras nos casos de Mariana e de Brumadinho.

Também merece destaque positivo a preocupação do Observatório Nacional em oferecer apoio técnico, em termos de instrução e capacitação adicionais voltados a situações complexas e de grande impacto, aos tomadores de decisão envolvidos nessas situações concretas monitoradas (sobretudo juízes e membros do Ministério Público), sem que isso signifique qualquer forma de ingerência quanto à decisão de mérito em processos judiciais. É que a troca de informações e experiências sobre os assuntos envolvidos e as possibilidades de solução judicial e extrajudicial, inclusive por meio de técnicas de negociação e mediação, pode auxiliar o processo de gestão de crise em termos mais abrangentes, com possíveis ganhos de segurança jurídica e de respeito à razoável duração do processo.

Em síntese, verifica-se que o caminhar inicial do Observatório Nacional colhe pontos positivos e busca se vincular aos ideais de transparência, de promoção de justiça e paz social e de defesa de direitos humanos, da saúde e do meio ambiente. Observa-se, ainda, sobretudo quanto à adoção de portal em site na Internet, o alinhamento da sua função administrativa ao contexto de um governo eletrônico[9]. Deve-se buscar, contudo, uma atuação mais dialógica e prospectiva quanto ao tema da participação administrativa via cidadão, sociedade e população interessada[10].

O lançamento do site do Observatório Nacional inaugura uma etapa desafiadora, que poderá contribuir não só para potencializar a discussão dos casos monitorados, mas também para ampliar a discussão da própria compreensão do papel institucional do Observatório Nacional.

Mas devemos dar tempo ao tempo. Por ora, busquemos acompanhar o desenvolvimento do Observatório Nacional (e de seu portal) e avaliar, pouco a pouco, a sua capacidade de responder às metas, às atribuições e aos desafios a que se propôs, por meio de um modelo integrativo e construtivo e que busca fortalecer a responsividade do nosso sistema de justiça.


[1] <http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=409922> (3/5/2019).
[2] <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/88383-cnj-e-cnmp-criam-observatorio-para-dar-resposta-celere-a-catastrofes> (3/5/2019).
[3] Portaria Conjunta 1/2019, de 31 de janeiro de 2019 (DJe/CNJ 20/2019, em 4/2/19, p. 2-3). <http://www.cnj.jus.br/atos-normativos?documento=2810> (3/5/2019).
[4] <http://observatorionacional.cnj.jus.br/observatorionacional/images/observatorio/relatorio/1RelatorioObservatorioNacional.pdf> (3/5/2019).
[5] <observatorionacional.cnj.jus.br/observatorionacional/images/observatorio/relatorio/Relatorio_de_Atividades_-_Observatorio_Nacional_digital.pdf> (3/5/2019).
[6] Acesso via <observatorionacional.cnj.jus.br/observatorionacional> ou via <observatorionacional.cnmp.mp.br/observatorionacional>.
[7] MIRAGEM, Bruno. A nova administração pública e o direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, P. 314.
[8] <https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%2FPainelCNJ.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shOBSPrincipal&select=LB513,Mariana> (3/5/2019).
[9] Sobre o tema, vide: MARGETTS, Helen. Governo eletrônico: uma revolução na administração pública? p. 373-374, in: PETERS, Guy; PIERRE, Jon (orgs.), trad. Sonia Midori Yamamoto, Mirian Oliveira. São Paulo: Ed. Unesp; Brasília, Enap, 2010.
[10] Sobre o tema, vide: OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Participação administrativa. Boletim de Direito Administrativo. São Paulo: Editora NDJ, ano XXI, n° 11, p. 1248-1266, nov. 2005.

Autores

  • é doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo, mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília e membro do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional.

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