Opinião

Vantagens e riscos da Empresa Simples de Crédito para o empreendedor

Autor

  • Leonardo Adriano Ribeiro Dias

    é advogado do ASBZ Advogados doutor e mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) diretor do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas (IBR) e associado da Insol International.

4 de maio de 2019, 14h19

No dia 24 de abril foi sancionada a Lei Complementar 167/2019, que instituiu a Empresa Simples de Crédito (ESC). Criada com o declarado propósito de fomentar o crédito para microempreendedores individuais, microempresas (MEs) e empresas de pequeno porte (EPPs), a ESC deverá atuar no município de sua sede ou em municípios limítrofes para suprir a demanda de crédito dessas entidades, que nem sempre possuem acesso ao mercado bancário.

A ideia é que a ESC, calcada na relação de confiança e no conhecimento que seu administrador tem dos pequenos negócios locais (e dos bons e maus pagadores), possa realizar empréstimos a juros menores do que os bancários, sem necessariamente exigir garantias ou análise de risco de crédito.

Juridicamente, a ESC poderá utilizar a roupagem de Eireli, empresário individual ou sociedade limitada, mas será composta somente de pessoas físicas. Dependendo da forma adotada, não se exige capital mínimo para ser constituída, mas estão restritas operações de empréstimos, financiamentos e descontos de títulos de crédito, utilizando apenas recursos próprios. Assim, a ESC não será classificada como instituição financeira e qualquer captação de recursos será considerada crime contra o sistema financeiro nacional.

Nesse particular, a ESC não poderia, em tese, tomar empréstimos bancários e empregar os recursos nas suas operações, mas é defensável que poderia recorrer ao sistema financeiro desde que utilizasse os recursos fora das suas operações, por exemplo, para pagamento de aluguel ou empregados.

Diferentemente dos bancos, a ESC não estará submetida à fiscalização e às normas do Banco Central, como exigência de depósitos compulsórios ou provisionamento para crédito de liquidação duvidosa. Entretanto, a validade de suas operações está condicionada ao registro de cada uma delas em entidade registradora autorizada pelo BC ou pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Além disso, o BC terá acesso às informações decorrentes desse registro, para fins estatísticos e de controle de risco de crédito.

Por outro lado, sob pena de crime, a ESC não poderá realizar operações cujo valor total supere o do capital integralizado e os recursos envolvidos somente poderão ser movimentados mediante débito e crédito em contas de titularidade da ESC e de sua contraparte. Também não poderá cobrar encargos ou tarifas, mas apenas juros remuneratórios, os quais não se submetem aos limites da Lei da Usura e do artigo 591 do Código Civil.

Quanto a este ponto, deve-se ter atenção a eventual desvirtuamento da ESC para camuflar atividade de agiotagem, pois, embora não haja limite de juros, não se permite que estes estejam em patamares abusivos, principalmente comparados aos praticados por instituições financeiras.

Ainda nesse aspecto, a lei complementar não dispõe a respeito da possibilidade de capitalização dos juros remuneratórios por período inferior a um ano. Todavia, considerando que ela expressamente exclui os limites do artigo 591 do Código Civil, o qual permite apenas a capitalização anual, é defensável que a ESC pode capitalizar juros em períodos menores.

Previu-se, ainda, a possibilidade de as operações da ESC serem garantidas por alienação fiduciária, mas não fica claro se a norma inclui também a cessão fiduciária de recebíveis, garantia bastante comum no sistema financeiro e menos onerosa. Quer-nos parecer que, se o legislador pretendeu fomentar a concessão do pequeno crédito, não seria desarrazoado concluir que também se permitiria à ESC exigir cessão fiduciária de suas contrapartes, até porque se trata também de negócio fiduciário.

Ademais, a receita bruta anual da ESC está limitada a R$ 4,8 milhões, calculada em função da remuneração auferida com a cobrança de juros. Contudo, a lei não diz o que acontece se, eventualmente, a receita da ESC superar esse patamar. Perderia ela a condição de ESC, como ocorre com as MEs e EPPs nessa hipótese? Neste caso, qual seria a sanção?

A propósito, embora tenha receita bruta limitada, a ESC não pode estar inscrita no Simples e submete-se ao regime tributário de lucro real ou presumido, além de manter escrituração em observância das leis comerciais e fiscais.

A lei complementar prevê também o apoio do Sebrae para constituição e fortalecimento da ESC, bem como sua sujeição aos regimes de recuperação judicial, extrajudicial e falência. Quanto a este aspecto, seria desnecessária menção expressa, pois qualquer uma das formas jurídicas adotadas pela ESC se submete a esses regimes, já que não se trata de instituição financeira.

Por último, é fundamental que o empreendedor que deseje constituir uma ESC entenda seu funcionamento e restrições, para que não incorra em nenhum dos crimes previstos na lei. E, se bem utilizada, a ESC tenderá a promover impacto positivo em segmentos empresariais carentes de crédito.

Autores

  • Brave

    é advogado da área de Recuperação Judicial do ASBZ Advogados, mestre e doutor em Direito pela USP, associado do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas e membro da INSOL International. Autor do Livro “Financiamento na Recuperação Judicial e na Falência".

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