Opinião

Decreto que uniformiza tratamento pode melhorar ambiente de trabalho nas polícias

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4 de maio de 2019, 17h39

A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) e seus 27 sindicatos filiados em todo o país enviaram ofício ao diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, e aos respectivos superintendentes regionais solicitando o cumprimento imediato do Decreto 9.758, que dispõe sobre a forma de tratamento nas comunicações com agentes da administração pública federal. Assinado pelo presidente Jair Bolsonaro em 11 de abril, o decreto proíbe que funcionários, servidores, autoridades públicas civis e militares e demais integrantes do Executivo Federal usem formas de tratamento como “vossa excelência”, “vossa senhoria” e “doutor” em comunicados, atos e cerimônias públicas.

De acordo com a norma, o único termo que deverá ser empregado é “senhor” ou “senhora”, tanto em documentos como em comunicação oral, independente de nível hierárquico, natureza do cargo, função ou ocasião.

Certamente, o objetivo do decreto presidencial é aproximar o poder público da sociedade, passando a mensagem de que todos devem ser tratados da mesma forma. No entanto, o alcance da norma — que trata de mera formalidade — é bem mais amplo e tem um significado especial para os servidores que trabalham nos órgãos policiais.

O artigo 23 da Lei 12.830/2013, que ficou conhecida como a “lei das excelências”, prevê que “o cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados”. A lei gerou polêmicas e deixou margem a interpretações controversas, já que não faz menção a pronomes de tratamento. O "Manual de Padronização de Textos do Superior Tribunal de Justiça (STJ)", publicado em 2016, interpreta que o termo "protocolar" diz respeito às normas de cerimonial, não abrangendo as formas de tratamento. O manual do STJ recomenda que o tratamento aos delegados seja de "vossa senhoria".

Por um lado, a lei agradou a categoria dos delegados, que tem como anseio o status de “carreira jurídica”, por outro, causou estranheza aos policiais de outros cargos, já que o uso de pronomes de tratamento não oferece quaisquer melhorias na qualidade da atividade policial. Ao contrário, cria-se um abismo entre todos os cargos, além de desnivelar o tratamento dispensado aos cidadãos e usuários, legítimos destinatários e financiadores dos serviços públicos de forma geral, inclusive da segurança.

Por óbvio, nos seis anos de vigência da "lei das excelências" não se viu nenhum efeito prático, em termos de aumento das taxas de resolução de crimes. Observou-se, no entanto, alguns casos polêmicos ocorridos em unidades policiais de alguns estados.

Em 2014, um delegado da Polícia Civil de Minas Gerais enviou ofício para os demais policiais da unidade, exigindo que fosse observada a utilização do pronome "vossa excelência" nos boletins de ocorrência. A determinação foi que o BO não deveria ser aceito caso os policiais militares responsáveis por sua elaboração não empregassem o pronome ou se recusassem a retificar o documento.

Em março do ano passado, numa delegacia da Polícia Civil do Rio Grande do Norte, uma advogada teve negado seu pedido de acesso a um inquérito policial porque o delegado exigiu ser tratado por “excelência”, em vez do pronome de tratamento “ilustríssimo” empregado na petição. A petição foi devolvida à advogada com o seguinte despacho do delegado: “Antes de apreciar o pedido, intime-se os causídicos para adequarem a petição aos termos do artigo 3º da Lei nº 12.830/2013, uma vez que a petição não preenche os requisitos formais de endereçamento às autoridades policiais e judiciárias”.

Na PF, os sindicatos receberam relatos de servidores sobre algum tipo de advertência por não empregarem o pronome de tratamento. Em Minas Gerais, um processo administrativo disciplinar foi instaurado contra um agente federal que foi penalizado com suspensão de três dias por ter questionado o seu chefe sobre a exigência. No ano passado, o processo foi anulado por decisão da Justiça Federal, por desvio de finalidade. Na sentença, cujo recurso interposto pela Advocacia-Geral da União ainda não foi apreciado pelo TRF-1, em Brasília, o juiz também condenou a União ao pagamento de R$ 50 mil a título de danos morais ao servidor.

Não apenas para policiais e servidores de outros órgãos públicos, mas também para o contribuinte, a situação não é diferente. Exigir do cidadão que recorre à polícia — muitas vezes em situação de fragilidade e vulnerabilidade — que se dirija a um delegado como "vossa excelência" é, no mínimo, uma situação constrangedora e humilhante.

No âmbito da PF, o Decreto 9.758 atende a reivindicação de agentes, escrivães, papiloscopistas e peritos e reforça que a utilização de pronomes de tratamento como “vossa excelência” e “doutor” em nada contribui para melhorar as relações interpessoais entre servidores, muito menos a produtividade e o regular andamento do serviço.

A uniformização de tratamento pessoal nada altera o respeito à hierarquia funcional, dentro de suas finalidades em qualquer organização. As entidades representativas da maioria dos policiais federais acreditam que a imposição de tratamento igualitário entre os seus servidores poderá contribuir para a melhoria do ambiente de trabalho e propiciará relações mais harmoniosas e resultados mais satisfatórios, principalmente para a sociedade.

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