Opinião

Liberdade de imprensa é direito fundamental, mas requer responsabilidade

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3 de maio de 2019, 9h29

Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras (artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos).

No dia 3 de maio, desde 1993 — quando foi proclamado pela Assembleia Geral da ONU — é comemorado o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. É a data em que são celebrados os princípios fundamentais da liberdade de imprensa e para prestar homenagem aos jornalistas que perderam a vida no exercício da profissão.

Em mensagem para celebração da data mundial neste ano, a diretora-geral da Unesco destacou que:

“O dia 3 de maio também serve para lembrar aos governos sobre a necessidade de respeitar seus compromissos com a liberdade de expressão. Além disso, é um dia para a reflexão entre os profissionais da mídia sobre questões relativas à liberdade de imprensa e à ética profissional”[1].

A Declaração Universal dos Direitos Humanos consagra a liberdade de opinião e de expressão (artigo 19).

A liberdade de expressão, incluída como liberdade de pensamento, está ao lado da liberdade de opinião, de culto, de ensino, de crença e organização religiosa. Assim, a liberdade de pensamento deve ser atendida como a soma de todas as liberdades citadas. Distinguida, por isso, como a liberdade primária da qual derivam as demais, neste particular.

A liberdade de informação compreende a liberdade de informar e a liberdade de ser informado. Compreende, segundo José Afonso da Silva, “a procura, o acesso, o recebimento e a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer”[2].

Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a liberdade de expressão ganhou status de direito fundamental, incluída e assegurada no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (artigo 5º, IV) e “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem” (artigo 5º, V). Já no Capítulo V – Da Comunicação Social, do Título VIII – Da Ordem Social, o artigo 20 da Constituição da República dispõe que: “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição…”.

Verifica-se, portanto, que a Constituição da República protege e assegura a liberdade de expressão e a liberdade de informação.

Deste modo, é inegável a importância de uma imprensa livre para o Estado Democrático de Direito, sem as amarras e as mordaças impostas pela censura.

É imperioso salientar que no Estado Democrático de Direito não se pode prescindir da liberdade de expressão e da liberdade de informação, tanto um quanto outro devem ser assegurados. Contudo, nem um nem outro é um direito absoluto que pode suplantar os demais, principalmente os que dizem respeito à dignidade da pessoa humana.

Reconhecendo que todos os cidadãos da República têm direito à livre expressão de suas ideias e pensamentos, o decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, adverte que:

Sem prejuízo da ampla liberdade de crítica que a todos é garantida por nosso ordenamento jurídico-normativo, os julgamentos do Poder Judiciário, proferidos em ambiente de serenidade, não podem deixar-se contaminar, qualquer que seja o sentido pretendido, por juízos paralelos resultantes de manifestações da opinião pública que objetivem condicionar o pronunciamento de magistrados e Tribunais, pois, se tal pudesse ocorrer, estar-se-ia a negar a qualquer acusado em processos criminais o direito fundamental a um julgamento justo, o que constituiria manifesta ofensa não só ao que proclama a própria Constituição, mas, também, ao que garantem os tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil ou aos quais o Brasil aderiu [grifamos].

No momento em que ministros do Supremo Tribunal Federal e o próprio Supremo são constrangidos perante a opinião pública(da) para votar desta ou daquela maneira, notadamente para atender a sanha punitivista, necessário que as sábias palavras do decano da corte constitucional ecoe pelo país e que sirva de lição para todos aqueles que pretendem de alguma forma intimidar os ministros e ministras do STF.

Não é demais martelar que a publicidade dos julgamentos nasceu para proteger o indivíduo contra abusos e arbitrariedades, contra as terríveis acusações e processos secretos campo fértil para atrocidades. Deste modo, não pode a publicidade se transformar em mecanismo de opressão e, muito menos, em justiçamento, para satisfazer uma maioria de ocasião descompromissada com o Estado de Direito.

Na seara do processo penal voltado para o espetáculo, como bem já salientou Rubens Casara,

não há espaço para garantir direitos fundamentais. O espetáculo não deseja chegar a nada, nem respeitar qualquer valor, que não seja ele mesmo. A dimensão de garantia, inerente ao processo penal no Estado Democrático de Direito (marcado por limites ao exercício do poder), desaparece para ceder lugar à dimensão de entretenimento… No processo espetacular desaparece o diálogo, a construção dialética da solução do caso penal a partir da atividade das partes, substituído pelo discurso dirigido pelo juiz: um discurso construído para agradar às maiorias de ocasião, forjadas pelos meios de comunicação de massa em detrimento da função contramajoritária de concretizar os direitos fundamentais… O caso penal passa a ser tratado como uma mercadoria que deve ser atrativa para ser consumida. A consequência mais gritante desse fenômeno passa a ser a vulnerabilidade a que fica sujeito o vilão escolhido para o espetáculo[3].

Por tudo e assim sendo, é necessário e imprescindível que os profissionais da imprensa e da mídia atuem de forma ética e responsável, respeitando os princípios fundamentais gravados na Constituição da República. A imprensa livre deve se pautar, ininterruptamente, pelo respeito à dignidade da pessoa humana como postulado próprio Estado Democrático de Direito.


[1] Disponível em: <http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/communication-and-information/freedom-of-expression/world-press-freedom-day>. Acesso em: 2/5/2019.
[2] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 22ª ed., 2003.
[3] CASARA, R. R. Rubens. Processo penal do espetáculo: ensaios sobre o poder penal, a dogmática e o autoritarismo na sociedade brasileira. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.

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