Numa manhã nublada de abril, atípica, portanto, já que Teresina é a filha do Sol do Equador, Juliano chegou ao Fórum Cível e Criminal, já que defensor público, como faz de costume, para participar das audiências de custódia daqueles que foram presos no dia anterior, por algum infortúnio da vida.
Passou rápido pelo térreo e dirigiu-se ao subsolo, descendo rapidamente pelas escadas. Quando chegou ao final da escadaria, pegou o rumo das celas e abordou os agentes penitenciários, a fim de confirmar quantos presos estavam a aguardar a tão sonhada audiência, na esperança de obterem a liberdade e voarem pelas ruas mafrenses.
Um carcereiro disse: "Doutor, hoje tem três prisões temporárias e cinco presos em flagrante. A segunda-feira foi tranquila…".
Quando, então, um outro carcereiro, interrompendo o colega, foi logo falando: "Mas tem um preso que não veio… Na verdade, seriam seis presos 'flagranteados'".
Alguns risos tomaram conta da carceragem e, com vergonha, Juliano fingiu que tinha entendido a piada. Encabulado, então, seguiu para a sala de audiências. No caminho, ouviu uma voz conhecida: "Professor, a primeira audiência é minha".
Quando olhou para trás, viu um rosto familiar, de uma ex-aluna que frequentemente participa das audiências de custódia, e então perguntou: "Roubo? Se for, já sabe, né! Hoje o juiz é o dr. Jorge e ele não costuma soltar assaltante se tiver sido empregado arma de fogo".
Ela replicou: "Não, tráfico de drogas, pequena quantidade, primário…".
Juliano falou já na porta da sala: "Ah, então há chance!".
Juliano entrou na sala e a promotora de Justiça ainda não tinha chegado. Aproveitou para sentar à mesa de audiência e analisar os flagrantes dos assistidos da Defensoria Pública. Um roubo, dois furtos qualificados, todos os presos com vasta ficha de antecedentes criminais, inclusive com reincidência específica em crimes patrimoniais. Conhecendo o juiz e a promotora, pensou: "Não é o meu dia de sorte. Também pudera, com esse céu cinzento não podia vir coisa boa".
Após algum tempo, o juiz começou a audiência e ao lado de Juliano sentou a ex-aluna, agora advogada.
Cochicharam e ele disse: "A Promotora de hoje costuma pedir a conversão em preventiva, pois reputa o tráfico como sendo um crime grave, que assola à juventude. Mas o juiz, diante de pequena quantidade de droga e bons antecedentes, via de regra, determina a soltura. Boa sorte!".
Começou a audiência com a qualificação do autuado em flagrante pelo tráfico de drogas. Após as perguntas corriqueiras, a promotora requereu a prisão preventiva do “suposto” traficante, como de praxe.
Então, a jovem advogada, argumentando a desnecessidade da prisão preventiva, pleiteou a concessão da liberdade provisória, destacando que o juiz em casos semelhantes havia soltado outras pessoas.
De repente, o assessor do juiz, que gravava a audiência, disse para o magistrado: "Doutor, esse é o caso do papagaio".
Na hora, Juliano balbuciou: "Esse preso deve falar pelos cotovelos, pra ter uma alcunha dessa, só pode…".
Neste momento, um estagiário que tudo acompanhava relatou: "O papagaio é o comparsa do traficante".
Juliano fitou incrédulo com os olhos a pauta de audiências e viu que não havia outra pessoa presa no mesmo auto de prisão em flagrante. Imaginou: o outro traficante deu sorte, o tal do “papagaio”, pois conseguiu fugir da polícia na hora da prisão. Aliás, algo comum numa boca de fumo.
Bem, o juiz, como esperado, concedeu a liberdade provisória mediante o cumprimento de cautelares alternativas.
A jovem advogada, com um sorriso no rosto, foi saindo da sala, e o juiz falou: "Doutora, parabéns! Conseguiu soltar um, né".
Ela respondeu: "Até que enfim…".
Quando então o magistrado fala: "É, mas o papagaio eu não solto!".
Nesta hora, Juliano começou a entender quando o carcereiro disse que um preso não tinha vindo para a audiência: "Ah, esse é o preso que não foi trazido, doutor Jorge? Por que ele não veio? Por acaso está internado no hospital?".
O magistrado, sorrindo, diz: "É, esse é o outro preso, o tal papagaio. Ele não foi trazido porque está preso no zoológico da cidade".
"Como assim", perguntou Juliano, "no zoológico?".
"Doutor", responde o juiz, "a polícia, quando chegou na boca de fumo, prendeu o tal traficante aí que acabei de soltar e prendeu o seu comparsa 'cagueta', um papagaio mesmo, que ficou alardeando e dedurando os policiais para aqueles que estavam na boca de fumo: 'Mamãe, polícia! Mamãe, polícia!'".
Pois é, pelo visto, além dos jogadores tradicionais do processo penal (juiz, promotor, defensor, delegado etc), agora temos mais um: o papagaio que se associou ao tráfico de drogas! Logo terá alguém querendo aplicar o artigo 35 da Lei de Drogas…
P.S.: A história do papagaio fofoqueiro é verídica, e ganhou destaque na imprensa nacional (aqui) e até mesmo internacional[1]!