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É indispensável a avaliação do impacto regulatório

2 de maio de 2019, 10h12

Por João Grandino Rodas

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As metas brasileiras com relação à saúde, educação e segurança somente serão alcançadas se o país retomar seu crescimento econômico. Dentre os pressupostos para tal retomada, figuram: (i) ambiente regulatório, eficiente e estável; (ii) controle estatal mínimo; (iii) economia segura e eficiente; e (iv) atração de investimentos para setores produtivos, mormente de infraestrutura.

Fixando-se agora na questão regulatória, vale lembrar a observação do secretário geral da OCDE, José Angél Gurría:

“A crise financeira e econômica mundial revelou grandes falhas em governança e regulação, o que minou a confiança em instituições públicas e privadas. Em meio à incerteza econômica, o estabelecimento de um marco regulatório nacional funcional para mercados transparentes e eficientes é primordial para a recuperação da confiança e recuperação do crescimento”[1].

Tema, no âmbito da regulação, que vem adquirindo importância ultimamente reside na necessidade de as agências regulatórias, antes de editar ato normativo novo, proceder à análise do impacto que ele terá: avaliação de impacto regulatório (AIR).

Inobstante órgãos, como a OCDE, o TCU e o Fórum Nacional da Concorrência e da Regulação (Fonacre), tenham tratados do AIR, sua acolhida pelas agências reguladoras brasileiras é tímida. Isso inobstante desenvolver essa prática no Brasil signifique contribuir para o incremento do crescimento brasileiro.

Para que bem se possa compreender a AIR, assim como sua relevância para um processo regulatório transparente, com ampla participação pública e adequada análise de impactos sociais, financeiros e ambientais, é imprescindível compreender: (i) seu conceito básico; (ii) as referências internacionais sobre o tema; (iii) a evolução da questão verificada em algumas agências reguladoras brasileiras; e (iv) exemplos recentes de práticas regulatórias. O primeiro aspecto, isto é, o conceito da AIR será tratado no presente artigo.

AIR e a verificação prévia de proposta de regulação, visando aferir o respectivo custo-benefício, quem será o beneficiário e quem suportará os custos, bem como quais serão os efeitos distributivos a longo prazo, levando em conta, para tanto, os impactos sociais, critérios econômicos, sociais e consequências ambientais da regulação.

Para a OCDE, “Regulatory Impact Assessment (RIA) is both a document and process for supporting decision makers on whether and how to regulate to achieve public policy goals”[2] (AIR é, ao mesmo tempo, um documento e um processo, que auxiliam os legisladores e os reguladores sobre "se" e "como" regular, para que sejam alcançados os objetivos das políticas públicas).

Obviamente não se espera que se realize uma AIR para todo e qualquer ato normativo a ser emitido por uma agência reguladora. Mas, sim, que ela seja adotada sempre que se pretender disciplinar questão que repercuta relativamente aos agentes regulados, os consumidores e a competição.

O momento de levar a cabo uma AIR poder variar. Seguem-se dois exemplos: (i) no caso de ato normativo, cuja pretensão é estabelecer certo nível de controle de preços com relação a determinada atividade econômica, a AIR deve ocorrer antes de se elaborar a proposta de regulação, com vistas à apurar, previamente, se é preciso nova regulação ou apenas atualização da regulação vigente; e (ii) a avaliação de existência de falha de mercado; a propositura de soluções; e a verificação de eficiências, demandam AIR já formulada, a ser submetida às discussões e sugestões dos agentes regulados, antes de ser transformada em proposta normativa.

O nível de governança e o grau de maturidade do processo decisório das agências reguladoras de infraestrutura no Brasil, ou mais detalhadamente, o nível de autonomia, inclusive de autonomia financeira; a transparência; e o uso de ferramentas, como a AIR, para respaldar a tomada de decisão foi avaliado pelo TCU, por meio de procedimento de auditoria operacional.

Lê-se no respectivo relatório: “para uma boa governança, ganham relevo algumas características, como a estratégia organizacional e a autonomia das agências reguladoras, a clareza de seus papéis, os processos de tomada de decisão, a transparência e a previsibilidade regulatória, o uso de ferramentas de apoio à tomada de decisão e à qualificação dos recursos humanos, além da participação dos atores envolvidos nas decisões regulatórias e accountability”[3].

O relatório em questão traz ainda, informações esclarecedoras:

  • a AIR visa garantir a eficiência da regulação proposta no atingimento da política pública objeto da regulação, garantindo que os seus benefícios sejam superiores aos custos totais;
  • os “benefícios” e “custos totais” devem ser considerados em suas dimensões quantitativas e qualitativas, para que consumidores, agentes regulados, a agência reguladora e a sociedade se beneficiem;
  • soluções alternativas, soluções não regulatórias e opção de não atuação pelo poder público devem, também, ser considerados na AIR.

A conclusão do TCU constitui-se em recomendação para que as agências reguladoras de infraestrutura passem a adotar a AIR como uma boa prática, tal como recomendado pela OCDE.

Não discrepa do acima, a Recomendação 4, aprovada pelo Fonacre:

“Recomenda-se a adoção de um critério de controle de eficiência, impondo às agências reguladoras que mantenham registros dos estudos, inclusive de impacto regulatório, que levaram à edição dos respectivos atos normativos, bem como que apresentem, com periodicidade máxima anual, relatórios dos resultados atingidos, ainda que parciais, para manutenção, aperfeiçoamento ou revogação das normas. JUSTIFICATIVA: publicização e controle dos regulamentos, bem como da transparência e eficiência da Administração”[4].

Inobstante seja indubitável que a AIR constitui boa prática, a ser adotada pelas agências reguladoras, a utilização dessa ferramenta no Brasil mantém-se aquém do ideal. Várias razões explicam essa situação: individualismo das agências; falta de costume, das agências e dos regulados; dificuldade em compartilhar o poder de decisão; falta de aparelhamento e de recursos por parte da administração pública; falta de conhecimento para conduzir uma AIR etc.

Obter regulação adequada e proativa é a motivação intrínseca para se buscar essa nova maneira de regular, que não se limite a escrever atos normativos, mas que compreenda todos os aspectos do mercado e atue, de maneira eficiente, avaliando as possíveis relações de custo-benefício decorrentes da proposta normativa. Nunca é demais lembrar, contudo, a respectiva motivação intrínseca: ajudar o Brasil a atingir crescimento econômico sustentável.


[1] Recomendação do Conselho Sobre Política Regulatória e Governança, 2012, p. 01. Disponível em www.oecd.org/regreform/regulatorypolicy/2012recommendation.htm.
[2] OECD (2017), "Regulatory Impact Assessment", in Government at a Glance 2017, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/gov_glance-2017-56-en.
[3] Relatório de Auditoria do TCU – Grupo II – Classe V – Plenário. TC 031.996/2013-2, p. 4. www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/judoc/Acord/…/AC_0240_05_15_P.doc.
[4] Recomendações I Fonacre – Fórum Nacional da Concorrência e da Regulação.