Opinião

A MP 884/2019 e seus efeitos em relação ao Cadastro Ambiental Rural

Autores

  • Édis Milaré

    é advogado professor de Direito Ambiental procurador de Justiça aposentado doutor e mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP. Foi um dos redatores da Lei da Ação Civil Pública coordenador das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente e secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

  • Roberta Jardim de Morais

    é pós-doutora em Direitos Humanos e doutora em Ciências Jurídico-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

28 de junho de 2019, 6h15

No último dia 14, em edição extraordinária do Diário Oficial da União, foi publicada a Medida Provisória 884/2019, que altera o parágrafo 3º do artigo 29 do Código Florestal, retirando a previsão de prazo determinado para inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural.

Como se sabe, mas não é demais relembrar, o Cadastro Ambiental Rural foi criado pela Lei 12.651/2012 e definido por meio do artigo 29 como o “registro público eletrônico de âmbito nacional obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento”. No âmbito do CAR, além da identificação do proprietário ou possuidor e respectiva comprovação do direito real de posse ou propriedade, serão fornecidas informações acerca dos remanescentes de vegetação nativa, das áreas de preservação permanente, das áreas de uso restrito, das áreas consolidadas e, caso existentes, das áreas de reserva legal.

O CAR é um dos principais instrumentos para concretização do espírito central do legislador florestal, qual seja, promover a regularização dos imóveis rurais por meio da utilização de instrumentos que compatibilizam o uso consolidado das atividades agropecuárias com a conservação do meio ambiente, isso porque se mostra como requisito para a implementação de diversos desses instrumentos, dentre os quais: (i) a possibilidade de computar as APPs no cálculo do percentual da reserva legal e (ii) a adesão aos programas de regularização ambiental (PRAs). Ademais, o CAR mostra-se essencial para o registro da reserva legal, tratando-se também de condição para supressão regular de vegetação, concessão de créditos agrícolas por instituições financeiras e utilização de excedentes de reserva legal para fins de compensação.

De acordo com o sistema proposto pelo Código Florestal, com base no requerimento de adesão ao PRA, o órgão competente integrante do Sisnama convoca o proprietário ou possuidor para assinar o termo de compromisso, o qual, enquanto estiver sendo cumprido, eximirá o proprietário ou possuidor de autuações por infrações cometidas antes de 22/7/2008, relativas à supressão irregular de vegetação em áreas de preservação permanente, de reserva legal e de uso restrito. Em complemento, existe também a previsão de que, a partir da assinatura do termo de compromisso, serão suspensas as sanções decorrentes das infrações acima mencionadas e cumpridas as obrigações estabelecidas no PRA ou no termo de compromisso para a regularização ambiental, nos prazos e condições neles estabelecidos, eventuais multas aplicadas serão consideradas como convertidas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, regularizando o uso de áreas rurais consolidadas.

O prazo previsto na versão original do Código Florestal para inscrição no CAR, que nos termos do parágrafo 2º do artigo 59 coincide com a data para pleitear a adesão ao PRA, era de um ano contado a partir da implementação do sistema, prorrogável uma única vez, por igual período. Com a edição da Lei 13.295/2016 ferido prazo disposto no parágrafo 3º do artigo 29, foi fixado para 31/12/2017, prorrogável por igual período. Vale notar que, na versão original da lei, o prazo estava vinculado à implantação do sistema, sendo que, na redação dada pela Lei 13.295/2016, dito prazo passou a ser determinado, presumindo-se que o sistema já estaria implantado. O Decreto 9.257, de 29/12/2017, prorrogou o prazo para inscrição para 31/12/2018.

Em 26/12/2018, foi editada a MP 867, que, ao alterar o parágrafo 2º do artigo 59, prorrogou o prazo de adesão ao PRA para 31/12/2019, sem qualquer menção a prazo relacionado ao CAR, e acabou caducando após o Senado se recusar a apreciá-la a toque de caixa.

Agora, com a edição da MP 884/2019, o parágrafo 3º do artigo 29 foi alterado, passando a dispor apenas sobre a obrigatoriedade de inscrição no CAR, sem prever, todavia, qualquer prazo para tanto.

Trata-se, à evidência, de subversão ao sistema engendrado pela Lei Florestal, por isso que, ao flexibilizar o pré-requisito (= CAR), comprometeu a esperada implementação do ousado programa que tinha por meta resolver impressionante passivo ambiental acumulado há décadas (= PRA).

Sim, porque, como dito, a inscrição no CAR é passo imprescindível para efetivação do Código Florestal, sendo pré-requisito para implementação de diversos de seus instrumentos. Daí que, em vez de protelar sine die a inscrição no cadastro, poderia o Poder Executivo acenar com programas capazes de incentivar os produtores a se cadastrarem, em acordo com a finalidade pretendida pelo legislador florestal.

Oxalá não seja este um estratagema para protelar as inscrições no cadastro, ante a expectativa de que o projeto de lei que busca a extinção da reserva legal seja aprovado.

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    é advogado, professor de Direito Ambiental, procurador de Justiça aposentado, ex-coordenador das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente, ex-secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, além de doutor e mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP. Foi um dos redatores da Lei da Ação Civil Pública.

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    é sócia do Cescon, Barrieu, Flesch e Barreto Advogados, pós-doutora em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, doutora em Ciências Jurídico-Econômicas pela mesma instituição e mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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