Opinião

Conheça projetos de lei apresentados como reação às últimas notícias

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28 de junho de 2019, 17h09

Spacca
Não sei dizer o que ganhei no Natal de 1992. Era criança, mas o presente que recebi não foi o acontecimento mais importante do mês de dezembro daquele ano. Quando fecho os olhos, a morte da atriz Daniella Perez é a única memória que consigo resgatar. Para quem não viveu naqueles tempos, não tenho como explicar o quanto esse trágico evento mexeu com o Brasil. Foi algo realmente muito grande!

Na época, não sabia que faria Direito. Planejava ser astronauta, mas não deu certo. Desconhecia, até então, o modus operandi do legislador brasileiro para o combate à criminalidade. Nos anos seguintes, outros crimes de grande repercussão abalariam o Brasil novamente. As chacinas de Vigário Geral e da Candelária, a morte do menino João Hélio e, até mesmo, o vazamento de “nudes” da atriz Carolina Dieckmann. Para cada um desses eventos, uma nova lei penal, mais gravosa, com o intuito de combate à conduta que tomou as manchetes dos jornais.

Em 2019, com a renovação de boa parte do Congresso Nacional, questionei-me se isso continuaria ocorrendo. O Direito Penal permaneceria como resposta imediata dos parlamentares às últimas notícias? Tive vontade de escrever antes sobre o tema, mas quis esperar um maior número de projetos de lei para opinar com maior segurança. Estamos em junho, quase julho, e há mais de 2 mil projetos de lei em andamento apenas na Câmara dos Deputados. A resposta ao questionamento já está disponível. Bastava a coleta dos dados, comentados nas próximas linhas.

Vivemos em tempos de ampla exposição da vida pessoal. Comer uma macarronada é motivo para registros fotográficos. Há um lado positivo, talvez. No entanto, entre “curtidas” sinceras, algum louco pode estar entre seus seguidores. Para a maioria das pessoas, é bem provável que nada aconteça. Infelizmente, para alguns, a fotografia de um prato de comida pode ser o início de um verdadeiro inferno, caso o “admirador” decida acompanhar a sua vida de perto. Surge, então, a figura do stalker.

O stalking não é incomum. Você já foi ou conhece alguém que foi vítima de perseguição. Talvez, você seja o próprio perseguidor. De qualquer forma, em combate à conduta, há mais de um projeto de lei com o objetivo de criminalizar a perseguição. Um deles é o PL 3.544/19, do deputado federal Hélio Lopes (PSL-RJ). A pena proposta é de 2 a 6 anos — mais alta do que a do estelionato.

Outro projeto que tem por origem os noticiários é o PL 1.577/19, do deputado federal Júnior Bozzella (PSL-SP), que pretende criminalizar a conduta de vender jogos eletrônicos violentos. Confesso, quando vi o projeto, pensei: não é possível que seja uma resposta ao atentado de Suzano! No entanto, o deputado apresentou a proposta no dia 19 de março, menos de uma semana após o ataque. Coincidência? Pouco provável. Naqueles dias, muito se falou sobre o adolescente homicida gostar de videogame.

Também fruto dos tempos atuais, o PL 1.798/19 tem por objetivo criminalizar a conduta de fazer apologia ao retorno da ditadura militar. O autor é o deputado federal Márcio Jerry (PCdoB-MA). É um projeto curioso. Reflita: o parlamentar quer, por meio da mais gravosa sanção existente em nosso ordenamento, proibir que alguém sustente a volta de um regime ditatorial frequentemente relembrado por atos de violência e de censura. É mais ou menos como bater no filho que foi violento com o irmão. Faça o que digo, mas não faça o que faço.

Voltando às redes sociais, o PL 1.534/19 quer tipificar a conduta de divulgar imagens de crimes violentos ou hediondos. É bem provável que a ideia tenha surgido em um dia qualquer, pelo WhatsApp, quando o parlamentar, o deputado federal Charles Fernandes (PSD-BA), recebeu algum vídeo de uma pessoa sendo decapitada ou executada a tiros, algo tão comum quanto receber uma imagem de “bom dia”, com muitas flores e gatinhos, de alguma tia encantada com o milagre da internet.

Também de olho nas notícias, o deputado federal Luiz Flávio Gomes (PSB-SP) quer criminalizar a corrupção institucionalizada, em seu PL 1.680/19. Não é difícil entender o que o parlamentar quer combater. Entretanto, não consegui concluir, sozinho, em que consistiria a conduta. Tive de olhar o projeto, que tem a seguinte redação: “Associarem-se 2 (duas) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes contra a administração pública”. Ou seja, uma associação criminosa especial.

Ainda sobre as operações anticorrupção que não param de eclodir em nosso país, o deputado federal Frei Anastácio Ribeiro (PT-PB) quer tipificar como abuso de autoridade a divulgação não autorizada de dados ou informações sigilosas sobre inquéritos ou processos que tramitam em segredo de Justiça. É evidente que o projeto (PL 3.650/19) é uma resposta aos áudios e documentos vazados na operação "lava jato".

As fake news também não foram esquecidas. No ano passado, tinha até tweet de candidato dizendo ser falsa a notícia sobre uma notícia falsa por ele supostamente divulgada. Ou seja, fake news de fake news. Talvez por isso há mais de um projeto buscando criminalizar a conduta de divulgar notícias falsas. Um deles é o PL 200/19, do deputado federal Roberto de Lucena (Pode-SP). Se aprovado, é bem provável que raramente alguém venha a ser punido, de fato, pelo delito. Em meio ao oceano de informações que circulam em redes sociais, dificilmente alguém terá tempo — e paciência — para buscar a persecução penal de quem divulga notícia falsa. A não ser, é claro, que seja algo ofensivo, mas para isso já existe punição nos crimes contra a honra.

Por fim, a cereja do bolo dos projetos com base em notícias atuais. O senador Jorge Kajuru (PSB-GO) quer tipificar a conduta de obter vantagem econômica mediante falsa titulação acadêmica (PL 2.897/19). Seria a lei “doutorado em Harvard” ou a lei “Joana d’Arc”? Pesquisei pela internet, mas não vi qualquer nomenclatura ao projeto. De qualquer maneira, é óbvia a conexão do projeto com a conduta da professora brasileira.

Apesar do grande número de novos deputados federais em primeiro mandato, nada mudou. Tanto no Senado Federal quanto na Câmara dos Deputados, velhos vícios foram mantidos. Devem ser genéticos. O Direito Penal permanece na posição de primeiro soldado, encarando todos os problemas sociais existentes. Esqueça a ultima ratio. Em nosso país, a criminalização de conduta é sempre prima ratio. Isso talvez nunca mude.

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