Opinião

A incompetência do Estado no julgamento da sanidade mental

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28 de junho de 2019, 6h36

Quem é o indivíduo “normal” psicologicamente? Eis uma questão filosófica, científica e moral atormentada por discussões jurídicas e polêmicas das mais delicadas e que levantam situações, praticamente, insolúveis.

Ainda agora, o Brasil, como aliás ocorre com inúmeros países, discute a questão da internação involuntária, principalmente de indivíduos enquadrados no conceito da drogadicção.

Creio que, além das realidades concretas de efeitos sociais dramáticos que o problema suscita, é fundamental a discussão deste pré-requisito: afinal, quem é “normal” ou, no anverso, quem é “anormal”, quem é equilibrado mentalmente e quem é desequilibrado?

Quais as medidas e parâmetros subjetivos que devem ser levados em conta para que se obtenha um mínimo de consenso?

Como uma espécie de “Código de Rorschach dos tribunais”, proporia aos que se pretendem psiquiatras forenses, policiais, advogados, juízes, uma provocação capaz de referir o elenco das ambivalências:

1. O indivíduo que afirma conversar com Deus é esquizofrênico?

a) no caso da resposta positiva, os místicos e profetas nas suas imprecações belicosas tão frequentes deveriam ser internados, compulsoriamente, pelo perigo que apresentam à sua segurança e à ordem social?

Como ficaria Joana d'Arc nesta conjuntura ou, em contrapartida, Antônio Conselheiro em Canudos?

b) a importância da vivência erótica no trabalho de Willem Reich, um dos mais importantes psicanalistas da história, o levou à prisão nos EUA.

Quem teve o “desvio” comportamental que exigiria a internação involuntária, Reich ou seus juízes?

2. O uso do álcool desmedido que leva o indivíduo ao homicídio e ao suicídio com frequência assustadora deve implicar numa estratégia agressiva da família e do Estado para uso da medida da internação involuntária ou somente certas drogas como o crack, que sob o ponto de vista estatístico causa sacrifícios incomensuráveis, mas em termos populacionais é menos usado?

O que deveria prevalecer, subjetivamente, a extensão do vício ou sua imediata e alarmante presença na desordem comunitária?

E, finalmente, como argumento decisivo para contestar o direito do Estado decidir sobre a matéria da normalidade psíquica, a interrogação histórica sobre o próprio “Estado demencial”, o país que sob critérios mínimos de civilização pratica tortura e barbárie contra seus opositores políticos e ideológicos, minorias étnicas ou pessoas de opções sexuais consideradas desviantes?

Urge que a tolerância quanto às diferenças e preferências da identidade e da condição humana sejam respeitadas perante doutrinas que, em nome da sanidade, preconizam enclausurar mentes e corpos num retrocesso medieval.

Alguém poderá argumentar com a complexidade do problema, o que, por sua vez, o torna “humano, demasiadamente humano”.

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