Direito do Agronegócio

Funrural e recentes soluções de consulta da Receita Federal

Autor

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

28 de junho de 2019, 9h31

Spacca
Como é de conhecimento, a tributação do produtor rural pessoa física e jurídica, recentemente, sofreu pela Lei 13.606/2018 diversas alterações, especialmente no artigo 25, das leis 8.212/91 e 8.870/94.

Entre as inovações, felizmente, houve a inclusão em tais dispositivos da previsão de exclusão da base de cálculo da contribuição sobre receita bruta da comercialização (Funrural e RAT), de diversas hipóteses, com especial finalidade de impedir uma cumulatividade indevida na cadeia de produção do setor.

Neste sentido, tivemos a inclusão dos seguintes dispositivos:

"Art. 25 – Lei n. 8.212/91 – Produtor rural pessoa física:
§ 12. Não integra a base de cálculo da contribuição de que trata o caput deste artigo a produção rural destinada ao plantio ou reflorestamento, nem o produto animal destinado à reprodução ou criação pecuária ou granjeira e à utilização como cobaia para fins de pesquisas científicas, quando vendido pelo próprio produtor e por quem a utilize diretamente com essas finalidades e, no caso de produto vegetal, por pessoa ou entidade registrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que se dedique ao comércio de sementes e mudas no País.
Art. 25 – Lei n. 8.870/94 – Produtor rural pessoa jurídica:
§ 6º Não integra a base de cálculo da contribuição de que trata o caput deste artigo a produção rural destinada ao plantio ou reflorestamento, nem o produto animal destinado à reprodução ou criação pecuária ou granjeira e à utilização como cobaia para fins de pesquisas científicas, quando vendido pelo próprio produtor e por quem a utilize diretamente com essas finalidades e, no caso de produto vegetal, por pessoa ou entidade registrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que se dedique ao comércio de sementes e mudas no País".

Apesar de pouco divulgadas, em recentes manifestações, a Receita Federal exarou relevantes soluções de consultas a respeito do tema que merecem menção.

A primeira delas seria a Solução de Consulta Cosit 18, de 15 de janeiro de 2019:

“SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 18, DE 15 DE JANEIRO DE 2019 (Publicado(a) no DOU de 29/01/2019, seção 1, página 21)
ASSUNTO: CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS EMENTA: PRODUTOR RURAL. RETENÇÃO. SEMENTES.
A pessoa jurídica que adquire de produtor rural pessoa física produção rural destinada ao plantio, vendida pelo próprio produtor, a quem a utilize diretamente com essas finalidades ou a pessoa ou entidade registrada no MAPA e que se dedique ao comércio de sementes não deverá efetuar a retenção e o recolhimento da contribuição previdenciária prevista no art. 25 da Lei nº 8.212, de 1991, em razão do disposto no §12 deste artigo, incluído pelo art.14 da Lei nº 13.606, de 2018, a partir da nova publicação desta lei, em 18 de abril de 2018, mesmo que a adquirente efetue o beneficiamento e embalagem da semente para posterior revenda, desde que a produção rural mantenha as características de sementes. Dispositivos Legais: Lei 8.212, de 1991, art.25, caput, inciso I, II, e § 12, art.30, IV; Lei 13.606, de 2018, art.14; IN RFB nº 971, art. 165, II, III e IV; SC Cosit nº 92, de 2018”.

Segundo posicionamento estabelecido em referida solução de consulta, não caberia a retenção (sub-rogação – artigo 30, IV, da Lei 8.212/91) pelo adquirente quanto às aquisições de produtor rural pessoa física (optante pelo recolhimento sobre a receita bruta), quando se faz com o objetivo de realizar algum tipo de operação visando a produção de sementes, mesmo que somente faça o beneficiamento e embalagem, desde que, naturalmente, o produtor de sementes seja entidade registrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que se dedique ao comércio de sementes e mudas no país.

Por outro lado, mais recentemente houve a edição da Solução de Consulta Cosit 155, de 14 de maio de 2019:

SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 155, DE 14 DE MAIO DE 2019
(Publicado(a) no DOU de 16/05/2019, seção 1, página 26)
Assunto: Contribuições Sociais Previdenciárias
CONTRIBUIÇÃO SUBSTITUTIVA. PRODUTOR RURAL PESSOA JURÍDICA (EMPREGADOR RURAL). REDUÇÃO DA ALÍQUOTA. EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO.
A alíquota reduzida da contribuição previdenciária substitutiva do produtor rural pessoa jurídica (empregador rural), prevista no inciso I do art. 25 da Lei nº 8.870, de 1994, com a redação dada pelo art. 15 da Lei nº 13.606, de 2018, aplica-se a fatos geradores ocorridos a partir de 18 de abril de 2018.
O § 6º do art. 25 da Lei nº 8.870, de 1994, incluído pelo art. 15 da Lei nº 13.606, de 2018, autoriza que o produtor rural pessoa jurídica (empregador rural) exclua, da base de cálculo da contribuição substitutiva, a receita bruta proveniente da comercialização de animais destinados à criação pecuária (cria, recria ou engorda).A receita bruta proveniente da comercialização de animais destinados ao abate (venda ao frigorífico) deve ser incluída na base de cálculo da contribuição previdenciária substitutiva. A exclusão da base de cálculo da contribuição substitutiva do produtor rural pessoa jurídica (empregador rural) aplica-se a fatos geradores ocorridos a partir de 18 de abril de 2018.
CONTRIBUIÇÃO SUBSTITUTIVA. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA. EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO. SUB-ROGAÇÃO PELA EMPRESA ADQUIRENTE. O § 12 do art. 25 da Lei nº 8.212, de 1991, incluído pelo art. 14 da Lei nº Lei nº 13.606, de 2018, autoriza que o produtor rural pessoa física exclua, da base de cálculo da contribuição substitutiva, a receita bruta proveniente da comercialização de animais destinados à criação pecuária (cria, recria ou engorda).A receita bruta proveniente da comercialização de animais destinados ao abate (venda ao frigorífico) deve ser incluída na base de cálculo da contribuição previdenciária substitutiva. No que se refere à sub-rogação, na hipótese de aquisição de animais destinados à criação pecuária (cria, recria ou engorda), a empresa adquirente não deve efetuar a retenção ou o recolhimento de contribuição previdenciária devida pelo produtor rural pessoa física, tendo em vista a exclusão da base de cálculo autorizada pelo § 12 do art. 25 da Lei nº 8.212, de 1991. A exclusão da base de cálculo da contribuição substitutiva do produtor rural pessoa física, prevista no § 12º do art. 25 da Lei nº 8.212, de 1991, incluído pelo art. 14 da Lei nº 13.606, de 2018, aplica-se a fatos geradores ocorridos a partir de 18 de abril de 2018. Dispositivos Legais: Lei nº 13.606, de 2018, arts. 14 e 15; Lei nº 8.870, de 1994, art. 25; Lei nº 8.212, de 1991, art. 25; Instrução Normativa RFB nº 971, de 2009, art. 171, § 3º, e Anexo III.

Embora discordemos do início de vigência da previsão de exclusão[1], a solução de consulta traz importante esclarecimento que causava muita dúvida no setor do agronegócio.

Isto porque poder-se-ia, em total contradição com a finalidade normativa e a realidade do processo produtivo, sustentar que a exclusão da base de cálculo somente se daria no caso de comercialização para cria, havendo tributação para hipóteses de recria e engorda.

Daí ter consignado que “no que se refere à sub-rogação, na hipótese de aquisição de animais destinados à criação pecuária (cria, recria ou engorda), a empresa adquirente não deve efetuar a retenção ou o recolhimento de contribuição previdenciária devida pelo produtor rural pessoa física, tendo em vista a exclusão da base de cálculo autorizada pelo § 12 do art. 25 da Lei nº 8.212, de 1991”.

Trata-se da adequada interpretação do texto normativo, a qual atinge efetivamente a finalidade normativa de sua inserção, qual seja, a exoneração da cadeia produtiva (evitar cumulatividade), gerando tributação tão somente na etapa final, como, por exemplo, a venda do gado ao frigorífico para abate e industrialização[2].

Houve, ainda, a Solução de Consulta Cosit 173, de 31 de maio de 2019, que enuncia:

SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 173, DE 31 DE MAIO DE 2019 (Publicado(a) no DOU de 11/06/2019, seção 1, página 30)
Assunto: Contribuições Sociais Previdenciárias
PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA. RECEITA BRUTA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. CONTRIBUIÇÃO DESTINADA AO SENAR. VENDA DE GRÃOS E GADO. EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO.
A receita da venda de grãos a outro produtor rural pessoa física sem que se caracterize como venda de sementes a produtor rural que a utilize no plantio ou que se dedique ao comércio de sementes e seja registrada no MAPA deve integrar a base de cálculo da contribuição do empregador rural pessoa física e do segurado especial.
A partir de 18 de abril de 2018, a receita da venda de gado pelo próprio produtor rural para outro produtor rural que o utilize diretamente para cria e recria não deve integrar a base de cálculo da contribuição do empregador rural pessoa física e do segurado especial.
A exclusão da base de cálculo para efeito da contribuição previdenciária de que trata o § 12 do art. 25 da Lei nº 8.212, de 1991, não é aplicável à contribuição destinada ao Senar.
Dispositivos Legais: Lei 8.212, de 1991, art. 25, caput, incisos I e II, §§ 3º e 12; Lei nº 9.528, de 1997, art. 6º; SC Cosit nº 18, de 2019”.

Este enunciado da Receita Federal, na linha das posições anteriores, fixa dois pontos relevantes a respeito da exclusão da base de cálculo sobre a receita bruta do produtor rural (Funrural e Rat): (i) no caso de venda de grãos (produto vegetal) por produtor rural, a exclusão da base somente é possível se: (i.a) houver comercialização para produtor que utilizará como semente ou muda em sua atividade rural; ou (i.b) houver comercialização para pessoa ou entidade registrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) que se dedique ao comércio de sementes e mudas no país.

Neste mesmo caso, ainda, reforça a exoneração de toda a cadeia de produção pecuária, notadamente, a comercialização para reprodução, cria, recria e engorda, tributando somente a última etapa da operação, pois afirma: “receita da venda de gado pelo próprio produtor rural para outro produtor rural que o utilize diretamente para cria e recria não deve integrar a base de cálculo da contribuição do empregador rural pessoa física e do segurado especial”.

Ademais, esclarece expressamente que o Senar continua a sofrer sua tributação sobre a receita bruta, sem tais exclusões: “A exclusão da base de cálculo para efeito da contribuição previdenciária de que trata o § 12 do art. 25 da Lei nº 8.212, de 1991, não é aplicável à contribuição destinada ao Senar”.

Por fim, além das inovações a respeito da exclusão da base de cálculo, houve a permissão a partir deste ano para que as pessoas físicas e jurídicas produtoras rurais optassem pelo recolhimento sobre a folha de salários e remuneração (artigo 22, da Lei 8.212/91), não se sujeitando à tributação sobre a receita (artigo 25, das leis 8.212/91 e 8.870/94) e, para pessoa física, à retenção.

Foi o que dispôs, a partir da Lei 13.606/2018, os artigos 25, das leis 8.212/91 e 8.870/94:

Art. 25 – Lei n. 8.212/91:
§ 13. O produtor rural pessoa física poderá optar por contribuir na forma prevista no caput deste artigo ou na forma dos incisos I e II do caput do art. 22 desta Lei, manifestando sua opção mediante o pagamento da contribuição incidente sobre a folha de salários relativa a janeiro de cada ano, ou à primeira competência subsequente ao início da atividade rural, e será irretratável para todo o ano-calendário.

Art. 25 – Lei n. 8.870/94
§ 7º O empregador pessoa jurídica poderá optar por contribuir na forma prevista no caput deste artigo ou na forma dos incisos I e II do caput do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, manifestando sua opção mediante o pagamento da contribuição incidente sobre a folha de salários relativa a janeiro de cada ano, ou à primeira competência subsequente ao início da atividade rural, e será irretratável para todo o ano- calendário”.

Bem por isso, tivemos a edição da Solução de Consulta Cosit 197, de 10 de junho de 2019:

“SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 197, DE 10 DE JUNHO DE 2019
Assunto: Contribuições Sociais Previdenciárias
PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. FOLHA DE SALÁRIO. EMPRESA ADQUIRENTE DA PRODUÇÃO RURAL. RETENÇÃO. DISPENSA.
A empresa adquirente da produção rural não deve efetuar a retenção e recolhimento das contribuições que incidiriam sobre a receita bruta, nos termos do art. 25 inciso I e II, da Lei nº 8.212/91, caso o produtor rural pessoa física opte pelo recolhimento das contribuições previdenciárias na forma prevista nos incisos I e II do caput do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991.
O produtor rural pessoa física deverá apresentar à empresa adquirente, consignatária ou cooperativa a declaração de que recolhe as contribuições previstas nos incisos I e II do art. 22 da Lei nº 8.212, conforme modelo constante do Anexo XX da IN RFB nº 971, de 2009. Esta declaração, da mesma forma que a opção, é anual.
Dispositivos Legais: Lei nº 8.212, de 1991, art. 22, §13 e incisos I e II do art.25 e incisos III e IV do art. 30, Instrução Normativa RFB nº 971, de 2009, art. 175, § 2º, inciso V e §§ 8º a 10, art. 177, parágrafo único, e art. 184, IV e §11. Ato Declaratório Executivo Codac nº 1, de 2019, art.5º”.

Neste sentido, citamos trecho da consulta onde, em verdade, resume as principais dúvidas:

“A partir de 1º de janeiro de 2019, o produtor rural pessoa física poderá contribuir para a seguridade social na forma prevista nos incisos I e II do caput do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, ou com base na receita bruta proveniente da comercialização de sua produção rural de que trata o art. 25 desta Lei;
9.2. A opção deverá ser exercida por meio do pagamento das contribuições previstas nos incisos I e II do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, relativas ao mês de janeiro de cada ano, ou ao primeiro mês de competência subsequente ao início da atividade rural, e será irretratável para todo o ano-calendário;
9.3. Caso o produtor rural pessoa física opte pelo recolhimento das contribuições previdenciárias com base na folha de pagamento, não será aplicada a sub-rogação prevista no inciso IV do art. 184 da IN RFB nº 971, de 2009, hipótese em que o recolhimento das contribuições sociais incidentes sobre a receita bruta oriunda da comercialização da produção que seriam devidas pelo produtor rural pessoa física, seria de responsabilidade da empresa adquirente, inclusive se agroindustrial, consumidora, consignatária ou cooperativa, na condição de sub-rogada nas obrigações do produtor rural pessoa física Solução de Consulta n.º 197 Cosit Fls. 6 6
9.4. A opção de recolhimento das contribuições previdenciárias com base na folha de pagamento abrangerá todos os imóveis do produtor rural pessoa física em que este exerça a atividade rural e;
9.5. O produtor rural pessoa física que optar pelo recolhimento das contribuições previdenciárias com base na folha de pagamento deverá apresentar à empresa adquirente, consumidora, consignatária ou cooperativa, ou à pessoa física adquirente não produtora rural, a declaração de que recolhe as contribuições previstas nos incisos I e II do art. 22 da Lei nº 8.212, conforme modelo constante do Anexo XX da IN RFB nº 971, de 2009.
9.6. A opção é anual, conforme o §13 da Lei nº 8.212, de 1991, e, do mesmo modo, também a declaração da opção será anual, conforme consta no art.5º do ADE Codac nº 1, de 2019.
9.7. No caso de aquisição de produção de produtores rurais pessoa física que fizeram a opção pelo regime de incidência sobre a folha de salários, de que trata o §13 do art.25 da Lei nº 8.212, de 1991, não há informações a serem prestadas na GFIP em relação a essa aquisição, conforme o caput do art.5º do ADE Codac nº 1, de 2019”.

Embora ainda persistam dúvidas a respeito da interpretação e aplicação das inovações trazidas pela Lei 13.606/2018, tais soluções de consulta já trouxeram importantes direcionamentos aos contribuintes do setor.


[1] Cf. CALCINI, Fábio Pallaretti Calcini. Desoneração do Funrural da cadeia do agronegócio pela Lei n. 13.606/2018 https://www.conjur.com.br/2018-jul-13/direito-agronegocio-desoneracao-funrural-cadeia-agronegocio.
[2] CALCINI, Fábio Pallaretti Calcini. Desoneração do Funrural da cadeia do agronegócio pela Lei n. 13.606/2018 https://www.conjur.com.br/2018-jul-13/direito-agronegocio-desoneracao-funrural-cadeia-agronegocio.

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    é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.

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