Opinião

Isenção de Imposto de Renda deve ser garantida a servidores ativos e inativos

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27 de junho de 2019, 6h46

A isenção de Imposto de Renda a servidores públicos acometidos por moléstia grave é tema recorrente no Poder Judiciário. O motivo de tantas demandas deve-se ao fato de que o inciso XIV do artigo 6º da Lei 7.713, de 1988, que concede o benefício fiscal expressamente a trabalhadores aposentados, não é claro no que se refere àqueles que possuem as mesmas doenças descritas no rol, mas permanecem em atividade.

Com efeito, o referido dispositivo legal dispõe que são isentos de Imposto de Renda os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa e neoplasia maligna, dentre outras. Ou seja, a lei isenta de tributação os proventos de aposentadoria de pessoas afligidas por alguma das doenças lá descritas.

Em razão disso, para os servidores públicos (e trabalhadores em geral) que possuem qualquer das moléstias citadas na lei, mas permanecem exercendo suas atribuições, a administração tributária não aplica o benefício da isenção, sob a justificativa de que estaria respaldada pelo princípio da literalidade (artigo 111 do Código Tributário Nacional), segundo o qual a legislação tributária que disponha sobre normas de isenção deve ser interpretada restritivamente, não sendo possível interpretação extensiva para elastecer a benesse.

No que tange aos servidores públicos federais, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região vem acolhendo em diversas demandas a tese de que a isenção do Imposto de Renda deve alcançar não apenas os aposentados, mas também os servidores ativos.

Em sentido contrário, o Superior Tribunal de Justiça ainda não ampliou sua interpretação legal, permanecendo com uma interpretação restritiva da matéria quanto à impossibilidade de se conceder a isenção justamente em razão do princípio tributário da literalidade e da separação dos Poderes, pois, segundo a corte, ao reconhecer a tese, os tribunais estariam legislando (REsp 1.059.290/AL e REsp 1.243.165/PR).

Ocorre que, se observado o objetivo do legislador que concedeu a isenção por meio da Lei 7.713/88, bem como a evolução da medicina, o entendimento de que também os servidores ativos acometidos por alguma das doenças descritas no rol devem ser isentos da tributação do Imposto de Renda é medida que se impõe.

De fato, como se pode depreender da exposição de motivos do projeto de lei, o intuito do legislador ao isentar aqueles acometidos por moléstia grave foi mitigar o sofrimento e o dispêndio de recursos dessas pessoas em razão do tratamento de que necessitam, em conformidade com os ideais da Constituição de 1988, publicada no mesmo ano da Lei 7.713, não havendo motivo para diferenciar os ativos dos inativos.

E, o princípio da isonomia, expressamente citado na exposição de motivos, demonstra que a isenção deve alcançar a todos: “O princípio da isonomia fiscal tem o seu destaque ao ser enunciada a vedação do tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos”.

Essa seria a interpretação possível e que mais se adequaria à própria intenção do legislador ao estabelecer a isenção de Imposto de Renda, pois não há razão para se penalizar os trabalhadores em atividade e alcançar o benefício apenas aos aposentados.

Entretanto, independentemente dos esforços interpretativos, merece enfoque o fato de que o contexto em que a Lei 7.713/88 foi aprovada era diferente do que vivenciamos atualmente, inclusive no que tange ao avanço da medicina, pois, à época de sua entrada em vigor, a aposentadoria era praticamente consequência que se impunha aos acometidos pelas doenças do rol legislativo, fato que vem se modificando com a evolução dos métodos de cura e de tratamento.

Bem por isso é que a Procuradoria-Geral da República, na tentativa de elucidar de uma vez por todas qual deve ser o entendimento conferido à matéria, ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.025, na qual questiona o inciso XIV do artigo 6º da Lei 7.713. Para a PGR, deve ser reconhecida a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do referido dispositivo para declarar que, no âmbito de sua incidência, está incluída a concessão do benefício fiscal aos trabalhadores com doença grave que permanecem em atividade.

Acertadamente, a Procuradora-Geral sustenta em seu pedido que a distinção entre trabalhadores ativos e aposentados que possuem as mesmas doenças graves fere os princípios da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da igualdade, além de desrespeitar as normas de proteção às pessoas com deficiência, proteção que deve ser vista de modo amplo para abranger também aqueles acometidos pelas moléstias graves descritas na Lei 7.713.

Mais do que os preceitos constitucionais que são maculados na não extensão da isenção aos trabalhadores em atividade, tal diferenciação, nas palavras da PGR, “não está mais apoiada em fatores lógicos e objetivos que justifiquem o tratamento normativo diferenciado com relação aos rendimentos auferidos por pessoas que sofrem das mesmas doenças graves, mas que ainda permanecem exercendo atividade laboral”.

Isso porque a aposentação era consequência impositiva àqueles que possuíam tais doenças graves, naquele contexto de três décadas atrás. Logo, a isenção aos inativos representava um meio de compensar as pessoas de sua perda ou redução da capacidade contributiva, além de garantir recursos financeiros para fazer frente às despesas com tratamento médico.

Porém, com o avanço da medicina, ciência e tecnologia, nos dias de hoje, ainda que as pessoas venham a ser diagnosticadas com alguma das doenças graves da Lei 7.713, conseguem permanecer laborando concomitantemente ao tratamento. Não significa dizer, todavia, que os enfermos ativos não passem pelas mesmas dificuldades de tratamento e financeiras que aqueles que se aposentam. Essa indevida diferenciação fere de morte o princípio do valor social do trabalho, pois penaliza a pessoa pelo simples fato de conseguir permanecer trabalhando, mesmo doente.

Chamando a atenção para esses aspectos, o desembargador federal Luciano Tolentino, no julgamento dos Embargos Infringentes 0009540-86.2009.4.01.3300 pelo TRF-1 (DJe 8/2/2013), classifica como uma monstruosidade que um contribuinte possa ser “sadio para fins de rendimentos ativos” e, simultaneamente, “doente quanto a proventos”.

Não se deve ignorar o princípio tributário da literalidade. Contudo, tal princípio não deve ser tratado de forma rígida e absoluta quando confrontado com o intuito do legislador ao editar a Lei 7.713, os princípios constitucionais da igualdade e dos valores sociais do trabalho, bem como a própria evolução da medicina, que permite atualmente que as pessoas que sofrem de alguma das doenças graves descritas no rol possam permanecer trabalhando.

Espera-se, portanto, que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADI 6.025, o faça observando sua função precípua, a de ser o guardião da Constituição da República, e não permita que uma norma publicada no mesmo ano da Carta Magna de 1988 represente verdadeira afronta ao texto constitucional, por mero apego à literalidade.

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