Opinião

A cobrança de juros de mora por demora da administração pública

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27 de junho de 2019, 15h27

Uma das frases mais lembradas de Rui Barbosa diz que “(…) justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. Essa lição, proferida há quase cem anos, é atual. Não é aceitável que se passem vários anos para que a administração profira decisão a respeito de tema que aflige um contribuinte.

A preocupação encontrou ressonância no ordenamento jurídico, e a Emenda Constitucional 19/1998 reformou o artigo 37 da Constituição Federal para prescrever que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do DF e dos municípios deve obedecer, entre outros, ao princípio da eficiência. O tema foi retomado com a Emenda Constitucional 45/2004, que acrescentou o inciso LXXVIII ao artigo 5º, para assegurar a todos a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Para tornar eficazes tais preceitos constitucionais na órbita administrativa federal, a Lei 11.457/2007 determinou a obrigatoriedade de proferir decisão administrativa no prazo máximo de 360 dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte (artigo 24).

Essa regra, porém, não surtiu o efeito desejado. Os pedidos de restituição/ressarcimento de tributos apresentados à Receita Federal corriqueiramente não eram analisados no referido prazo. O Judiciário foi chamado a se manifestar e não hesitou em afirmar que o prazo é cogente, não podendo ser ignorado. Como solução, os juízes passaram a impor um breve prazo adicional para a Receita analisar pleitos de restituição/ressarcimento. No REsp 1.138.206, o Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão nesse sentido, em recurso representativo da controvérsia.

Ocorre que a falta de respeito ao prazo não se limita a esse tipo de processo. Ele também é ignorado na análise de defesas contra autuações lavradas e recursos interpostos. Poder-se-ia pensar que, nesses casos, os contribuintes não têm interesse em julgamento célere. Todavia, não é bem assim. Junto com o tributo e a multa exigidos são aplicados os juros de mora, o que na esfera federal se dá na forma prevista no parágrafo único do artigo 43 da Lei 9.430/1996, a partir da taxa Selic. Logo, quanto mais atrasa a decisão, maior o valor do débito.

É neste ponto que vem se perpetuando um grave equívoco, a penalizar os contribuintes e frustrar os anseios por uma administração pública eficiente: são aplicados juros de mora sobre o contribuinte, mesmo quando quem está em mora é a administração fiscal!

Ora, toda norma jurídica é dotada de eficácia, ainda que não seja plena. Por isso, a norma que impôs o prazo máximo de 360 dias não pode ser ignorada e é dotada de eficácia jurídica, mesmo nos casos de impugnação e recursos contra autuações. A questão é saber como ela deve ser aplicada frente ao descumprimento do prazo.

É viável cogitar de tratamento semelhante ao da prescrição intercorrente, ou seja, ultrapassado o período máximo legal para revisão do lançamento impugnado, este é simplesmente cancelado. A lógica é que não pode persistir exigência impugnada que não foi analisada no tempo devido.

Se não se chegar tão longe, deve ser respeitada alguma eficácia da norma e quando menos os juros de mora devem ser suspensos.

Com efeito, se a administração fiscal federal, seja pelas delegacias regionais de julgamento, seja pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), demora mais do que o prazo legal máximo de 360 dias para proferir decisão, é ela, a administração, quem está em mora, e não o contribuinte. Os juros moratórios impostos pela Lei 9.430/1996 ao contribuinte só fazem sentido quando este está em mora. Se ele apresentou sua petição, defesa ou recurso, que deveria ser analisado pela administração em certo período e esta não o faz, o atraso deve-se à administração, não ao contribuinte. Não há sentido, então, em persistir na imposição de acréscimo moratório. Manter essa imposição a quem não está em mora é fazer pouco dos parâmetros constitucionais antes mencionados e violar a regra expressa do artigo 24 da Lei 11.457/2007.

Por isso, sempre que a DRJ demorar mais do que o período legal para julgar a impugnação, ela deve, de ofício, afastar os juros. Se não o fizer, o Carf deve fazê-lo. Da mesma forma, se o Carf demorar mais do que 360 dias para julgar um recurso interposto, deve encerrar a imposição dos juros. Se a administração fiscal não o fizer, o Judiciário deve fazê-lo, seja em execução fiscal, seja em outra ação judicial apresentada pelo contribuinte.

Na falta de regras semelhantes à contida na Lei 11.457/2007 para as administrações estaduais e municipais, entendemos que a norma constitucional não pode ser ignorada. Assim, o tratamento deve ser o mesmo para a revisão de lançamentos tributários estaduais e municipais: sempre que ultrapassado um prazo razoável (e 360 dias é um prazo razoável), os juros de mora usualmente impostos ao contribuinte devem ser suspensos.

Em síntese, juros de mora só podem ser aplicados a quem está em mora. A partir do término do prazo de 360 dias previsto na Lei 11.457/2007, contado a partir do protocolo de impugnação e de recurso contra lançamento de ofício, quem está em mora é a administração, e os juros contra o contribuinte devem ser afastados.

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