Opinião

Uma análise sobre a nova sustentabilidade empresarial

Autor

  • Letícia Yumi Marques

    é co-head de Direito Ambiental no escritório KLA Advogados mestranda em Sustentabilidade pela EACH-USP especialista em Direito Ambiental pelo Mackenzie e pós-graduada em Direitos Animais pela ESA-RS.

22 de junho de 2019, 17h35

Em 1987, o relatório Brundtland mencionou para o mundo, pela primeira vez, o termo desenvolvimento sustentável. De acordo com esse documento, o futuro da humanidade dependeria do desenvolvimento com atenção a três principais pontos, chamados de tripé da sustentabilidade: o econômico, o ambiental e o social. A sustentabilidade, então, tem sido empregada pelas empresas como um instrumento de gestão. Ocorre, porém, que boa parte do que aprendemos sobre sustentabilidade mudou. Isso tanto em termos científicos quanto em termos empresariais.

A sustentabilidade é, hoje, uma ciência autônoma, formada a partir da contribuição multidisciplinar de outras áreas do conhecimento. Para o pesquisador Robert Kates[1], professor emérito na Universidade Brown, a sustentabilidade é uma ciência diferente, inspirada nas ciências da saúde e da agricultura, com aplicação no sentido de mover o conhecimento para a ação social. Em levantamento realizado em 2011, Kates constatou que, de 1974 a 2010, mais de 20 mil artigos em língua inglesa de 174 países diferentes se dedicaram ao tema, cujo pico de pesquisa se deu a partir dos anos 90. Ele fez, ainda, questão de destacar que o assunto não é apenas pesquisado por países com tradição na área científica, como EUA e Japão, mas também pelos países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), e que é pesquisado em universidades tradicionais e pequenas, em grandes laboratórios e agências do governo. Os dados coletados por Kates mostram que, desde a publicação do relatório Brundtland, as pesquisas em sustentabilidade cresceram, tornaram-se globais e evoluíram.

Todas essas pesquisas levaram ao aperfeiçoamento do conceito de sustentabilidade. Embora ainda existam diversas definições, uma das mais respeitadas é a que foi proposta por Robert Goodland[2], em artigo paradigmático no qual ele analisa a fundo cada uma das suas três vertentes (ou pontas do tripé).

Sobre a sustentabilidade ambiental, Kates esclarece que, embora tenha se originado de preocupações sociais, ela na verdade se preocupa em “aprimorar o bem-estar humano, protegendo as fontes de matéria-prima aplicados nas necessidades humanas, assegurando que a capacidade de absorção de resíduos não seja excedida, a fim de prevenir prejuízos aos humanos”. Para que isso ocorra, é preciso que o ser humano viva dentro e de acordo com os limites biofísicos do meio ambiente — os chamados limites planetários. Para Goodland, a sustentabilidade ambiental proporciona as condições para que a sustentabilidade social seja alcançada.

Isto porque, segundo Goodland, é a sustentabilidade ambiental que promove a manutenção dos sistemas de suporte de vida (os chamados recursos naturais de subsistência, como água potável, ar limpo e solo fértil). Esses recursos de subsistência são escassos e de difícil acesso para comunidades marginalizadas. Por isso, ele entende que a redução da pobreza deva ser o primeiro objetivo do desenvolvimento sustentável, mesmo antes da atenção total à variável ambiental. Para alcançar a sustentabilidade social, ele destaca que são necessários fatores como o fortalecimento da sociedade civil; coesão comunitária, cultural, tolerância, amor e pluralismo; e padrões comuns de honestidade, leis e disciplina. Para ele, tudo isso compõe o capital moral da sociedade, que se mantém com valores compartilhados e direitos iguais. Há também o capital humano, que compreende a educação, saúde, nutrição das pessoas etc.

Finalmente, ao tratar sobre a sustentabilidade econômica, Goodland destaca que o capital deve ser estável. Sustentabilidade econômica seria, então, a manutenção do capital. Mas qual capital? O autor destaca que há três formas de capital: natural, social e humano. Prossegue esclarecendo que, historicamente, a economia pouco de importou com o capital natural, porque até então ele não era escasso. A escassez do capital natural — ou seja, dos recursos naturais — ocorre quando a escala da economia se torna maior do que o ecossistema que a suporta. A ciência da economia deveria se preocupar com formas de tornar o uso do capital natural mais eficiente, mas esta é uma tarefa difícil porque a economia valora as coisas em dinheiro e o capital natural, que é intangível, é de difícil valoração.

De fato, o gargalo parece se encontrar na sustentabilidade econômica.

Para John Elkington[3], britânico considerado precursor da responsabilidade socioambiental corporativa, a razão pela qual isso ocorre é simples: na sustentabilidade econômica, as empresas têm confundido a gestão de valores com gestão financeira. Foi ele, aliás, quem criou o termo em 1994 e, em artigo publicado pela Harvard Business Review em 2018, por ocasião dos 25 anos da sua criação, lamenta que o tripé da sustentabilidade “nunca deveria ser apenas um sistema de contabilidade”.

É difícil colocar preço no que tem valor inestimável. É possível calcular o preço de recursos naturais como commodities, mas esse preço estaria bem longe da realidade por não considerar o valor dos serviços ecossistêmicos que permitiram a produção da commodity. Empresas podem até estar perdendo dinheiro por não o fazer. Aliás, se os recursos naturais não forem preservados agora, a sua preservação será difícil — e portanto mais cara — no futuro, porque as funções dos serviços ambientais estarão danificadas, talvez além da capacidade de resiliência dos ecossistemas.


[1] KATES, Robert W. What kind of science is sustainability science? PNAS, 2011. Disponível em < https://doi.org/10.1073/pnas.1116097108>. Acesso em 28/3/2019.
[2] GOODLAND, Robert. The Concept of environmental sustainability. Annual Review of Ecology. 1995. 26:1-24.
[3] ELKINGTON, John. 25 Years Ago I Coined the Phrase “Triple Bottom Line.” Here’s Why It’s Time to Rethink It. Harvard Business Review. 2018.

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