Tempos sombrios

Para investigar epidemia que assola o Direito, Lenio traça 6 modelos de professor

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22 de junho de 2019, 8h22

Para entender de onde surgiu a epidemia que assola a área jurídica, o jurista Lenio Streck diferencia seis modelos de professor. O docente ideal, a seu ver, é o que simplesmente ensina Direito.

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Para Lenio Streck, juristas devem defender o Direito de ataques
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O sistema jurídico está contaminado, afirmou Lenio na segunda-feira (17/6), no seminário “A magistratura que queremos”, organizado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, na capital fluminense. Entre os problemas estão o ativismo judicial e o desrespeito a normas e precedentes.

Se juízes, integrantes do Ministério Público e advogados passaram pela Faculdade de Direito, talvez seja lá que esteja o paciente zero da epidemia, avaliou o colunista da ConJur. Em contraposição aos modelos de juiz, Lenio traçou seis tipos de professores.

  • neoconstitucionalista: faz show para os alunos. Comunica, de forma espetacular, que o juiz boca da lei morreu e em seu lugar está o juiz de princípios. Ele também leciona Direito fofinho. É o professor panprincipiologista. Tem um caso difícil? Use um princípio. Por exemplo, uma regra do Código Civil que fala da herança pode ser derrotada por um "princípio" como o da afetividade. Esse modelo de professor parece usar o fator Groucho Marx: esses são os meus princípios; mas se você não gosta deles, eu tenho outros! Sempre tem chance de ser o paraninfo da turma;
  • professor realista-retrô: diz para os alunos que o Direito é o que o Judiciário diz que é. Usa preferentemente livros com prêt-à-porters jurisprudenciais e ementários. O Direito será sempre o que algum verbete jurisprudencial ou súmula disser que é. Também gosta de usar a pesquisa dos juízes de Israel, que “constatou” que os juízes com fome são mais rígidos. Conclusão: o Direito é o que a fome dos juízes diz que é. E coisas desse gênero. A única coisa que o professor realista retrô não explica é o que foi ou é efetivamente a teoria do realismo jurídico;
  • mistura os dois primeiros modelos: prefere fazer teoria política do poder. É o professor TPP (teórico político do poder). Direito para ele é Poder. E pronto. Fica falando em ponderação a todo momento, embora não saiba o que seja a teoria alexyiana. Passa um semestre ou ano inteiro falando em ponderar, mas não explica, com o cuidado necessário, o que Alexy propõe;
  • professor dualista-metodológico: ele é um adepto do dualismo, só não sabe que é. Para ele, vale mais a voz das ruas que a Constituição. Se há uma dúvida entre um juízo moral e o Direito, ele fica com os juízos morais. Sem se dar conta de que quem disse isso foi Jellinek, fala todo tempo que as Constituições escritas rígidas não podem evitar que se desenvolva junto a elas e contra elas um Direito Constitucional não escrito, que vem das ruas e da consciência social. Assim, o professor dualista contrapõe a realidade social à Constituição e fica com a realidade social, pouco importando a força normativa da Constituição. Quando fala da presunção da inocência, diz que tem muita violência por aí e por isso a interpretação do STF deve ser a que manda prender desde logo. Esse modelo de professor viola o tempo todo a lei de Hume: do "é" ele tira um "deve ser". Só o que ele não explica é o que, de fato, é o dualismo metodológico;
  • professor macete: acha que está dando aula no cursinho. Confunde os dois mundos: da faculdade e do cursinho. Por isso usa resumos, resuminhos, livros facilitados e coisas do gênero. O forte dele é o decoreba. Para isso, usa macetes. Faz muito sucesso junto aos alunos. Tem sempre chance de ser paraninfo;
  • o sexto modelo é o mais tradicional e ao mesmo tempo simples: é o professor que ensina uma coisa velha chamada Direito. Pode-se chamá-lo de modelo Bingo. Já desde o primeiro dia diz a que vem. Mostra as Eumenidas, da trilogia Oresteia. Para mostrar que a vingança não pode valer mais do que o Direito. Mostra para os alunos um combo que extrai da Oresteia: Direito Penal, Processual, Teoria do Direito e Direito Constitucional. O primeiro julgamento da historia é da mitologia. Mas o professor do modelo Bingo mostra como esse julgamento marca a história civilizacional do Direito. Esse modelo dispensa resumos e não gosta que os alunos fiquem usando celular em sala de aula. Cobra questões dissertativas nas provas. Usa da interdisciplinaridade. Quase nunca é escolhido paraninfo. E seu emprego sempre está em risco.

Na opinião de Lenio Streck, o professor ideal — do modelo Bingo — se assemelharia ao juiz minimalista de Sunstein ou até o de Hermes, de Ost.

Direito e democracia
De acordo com o jurista, o Direito precisa de autonomia para não ser predado por seus inimigos. Há dois tipos de predadores: os exógenos (moral, economia e política) e os endógenos (subjetivismo, decisionismo, ativismo, panprincipiologismo, ponderação, entre outros). Se o Direito sucumbe aos predadores, a democracia entra em risco, alertou.

“O castelo erigido com o auxílio da política, da moral e da economia deve ser protegido dos predadores. A cavalaria da moral, a artilharia da política e a aviação da economia atacam, e devemos enfrentá-los com snipers epistêmicos. Direito é um fenômeno complexo. É atacado de fora e de dentro. Enquanto os atacantes de fora exigem muita energia dos defensores, ainda por cima há que se defender dos ataques internos. Uma derrota significa fragilização do direito e, por vezes, fim da própria democracia.”

Os defensores do castelo do Direito, conforme Lenio, são os juristas que trabalham com uma ortodoxia constitucional. São professores, juízes e advogados que defendem o necessário grau de autonomia do Direito. E quanto mais eles conseguem proteger o castelo, mais democracia haverá.

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