Reflexões Trabalhistas

Interesses tuteláveis pela greve no Direito brasileiro

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é consultor Jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e autor de livros jurídicos.

21 de junho de 2019, 10h29

Spacca
Tem sido comum nos últimos três anos no Brasil ouvir e ver anúncios da deflagração de greves envolvendo determinados setores da economia, contra propostas governamentais de reformas que poderão afetar direitos dos trabalhadores, como as reformas trabalhista e da Previdência Social.

A questão que logo surge diz respeito a saber se esse tipo de manifestação dos trabalhadores encontra guarida no sistema legal brasileiro, ou, em outras palavras, se é permitida ou não; se é abusiva ou não.

Na doutrina e na jurisprudência existe divergência. Os juslaboralistas tendem pela ilegalidade desses movimentos, dizendo que são greves políticas, que somente pode ser aceita a greve tendente a pressionar o setor patronal diretamente para buscar a assinatura de uma convenção coletiva de trabalho.

Já os constitucionalistas pensam de forma mais abrangente sobre o alcance do direito de greve, dizendo que a Constituição o assegura, por si própria (artigo 9º), e a lei não pode restringir o direito nem quanto à oportunidade de exercê-lo nem sobre os interesses que, por meio dele, devam ser defendidos, porque compete aos trabalhadores declarar greves reivindicatórias, objetivando a melhoria das condições de trabalho, ou greves de solidariedade, em apoio a outras categorias ou grupos reprimidos, ou greves políticas, com o fim de conseguir as transformações econômico-sociais que a sociedade requeira, ou greves de protestos (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 268. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989).

As decisões judiciais igualmente divergem sobre o tema. Exemplos recentes foram observados às vésperas da greve-protesto do dia 14 de junho contra a reforma da Previdência Social em andamento no Brasil. No Processo 1001617-35.2019.5.02.000, em sede de liminar preventiva, foi proibida a greve, determinando-se que os trabalhadores cumprissem 100% das atividades, sob pena de multa diária de R$ 1 milhão, a ser paga pelo respectivo sindicato profissional. Já no Processo 0006941-60.2019.5.15.0000, também em sede liminar preventiva, foi admitido o exercício da greve-protesto e determinada uma multa de R$ 1 milhão, a ser paga pelo setor patronal, caso praticasse algum ato antissindical voltado a inviabilizar referido direito pelos trabalhadores.

O artigo 9º da Constituição Federal diz que a greve é um direito dos trabalhadores e a eles compete decidirem sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre o direito a ser tutelado, in verbis:

“É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”.

A Lei 4.330/64 (artigo 22) proibia expressamente a greve política e de solidariedade ou de apoio, nos seguintes termos: “A greve será reputada ilegal: III — se deflagrada por motivos políticos, partidários, religiosos, sociais, de apoio ou solidariedade, sem quaisquer reivindicações que interessem, direta ou legitimamente, à categoria profissional”.

A Constituição de 1988 não trata expressamente do tema, mas diz
que “é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender” (artigo 9º, caput). Nessa mesma linha é a Lei 7.783/89 (artigo 1º), que apenas proíbe o lockout (artigo 17).

O tema é complexo e seu entendimento deve decorrer da interpretação e alcance do artigo 9º, acima transcrito.

Desse modo, pode-se afirmar que, conforme o disposto no artigo 9º da Constituição Federal, o direito de greve, embora não seja um direito absoluto e irrestrito, está assegurado de forma ampla aos trabalhadores para a defesa dos seus interesses, quer trabalhistas stricto sensu, quer profissionais lato sensu, aqui considerados aqueles que constituem o chamado piso vital mínimo do cidadão, consagrados no artigo 6º da Constituição Federal.

O Comitê de Liberdade Sindical e a Comissão de Peritos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) têm rejeitado a tese de que o direito de greve deva se limitar aos conflitos de trabalho suscetíveis de finalizar uma convenção coletiva de trabalho apenas. Para esses órgãos, as reivindicações a se defender com a greve podem ser de três categorias: (i) as de natureza trabalhista, que buscam garantir ou melhorar as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores; (ii) as de natureza sindical, que buscam garantir e desenvolver os direitos das organizações sindicais e de seus dirigentes; e (iii) as de natureza política, que têm por fim, embora indiretamente, a defesa dos interesses econômicos e sociais dos trabalhadores.

Assim, parece consentânea com o princípio da liberdade sindical a interpretação do artigo 9º da Constituição brasileira sobre o alcance do direito de greve, na linha do entendimento da OIT, de não admitir a greve puramente política, que não está abrangida pelos princípios da liberdade sindical (Convenção 87, artigo 10), mas que os interesses profissionais e econômicos que os trabalhadores defendem com o direito de greve abrangem não só a conquista de melhores condições de trabalho ou as reivindicações coletivas de ordem profissional, mas englobam também a busca de soluções para as questões de política econômica e social. Nesse sentido, o Comitê de Liberdade Sindical tem considerado que a declaração de ilegalidade de uma greve nacional de protesto contra as consequências sociais e trabalhistas da política econômica do governo e sua proibição constituem grave violação da liberdade sindical.

Diante do exposto e considerando que o artigo 9º da Constituição brasileira assegura aos trabalhadores o direito de greve, a quem compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender, tem-se como ponderado compreender nessa disposição a possibilidade e legalidade de greve-protesto contra medidas governamentais capazes de atingir os direitos dos trabalhadores como tais.

Autores

  • Brave

    é consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado, doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e professor titular do Centro Universitário UDF e da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (SP), além de membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros, Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador e Ações acidentárias na Justiça do Trabalho.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!