Opinião

A estranha cobrança de emolumentos prevista no código paulistano de consumo

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20 de junho de 2019, 16h42

No último dia 4, foi promulgada, pelo município de São Paulo, a Lei 17.109, que institui o Código Municipal de Defesa do Consumidor.

Se de plano se impõe a discussão sobre a competência legislativa para que os entes federados elaborem códigos locais, no caso específico de São Paulo, algumas regras ali colocadas também merecem críticas.

De fato, é discutível a possibilidade de publicação de codex municipal sobre esse tema. O artigo 48 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal estabeleceu o dever de a União elaborar o CDC, em nível federal. A mesma carta magna autorizou os estados e o Distrito Federal a legislar sobre o tema, onde a União não regulou especificamente. Aos municípios tal permissão não é dada, salvo em temas de seu peculiar interesse.

E esse interesse municipal deve respeitar o interesse maior do Estado e da União, como é de fácil conclusão, sob pena de se instalar um caos nas relações de consumo, regulamentadas ao desejo de cada alcaide local.

Assim, se tem entendido razoável, por exemplo, regulamentar o tempo de espera em fila de caixa bancário, mas não fixar horário de atendimento diverso do estabelecido nacionalmente, nas suas agências locais. E assim vai…

E um código de consumo é privilégio constitucional apenas da União. Portanto, de plano, não é possível aos municípios, como tem acontecido pelo Brasil afora, e agora em São Paulo, estabelecer códigos municipais de defesa do consumidor.

Deixado isso de lado, e se entendida a legislação apresentada como uma mera lei municipal com regras de defesa para seus consumidores locais, dentro do interesse específico deste ente político, ainda assim se encontrará dificuldade na Lei 17.109 em localizar temas sob essa motivação.

Boa parte deles são copiados de jurisprudência pacífica. Mas, mesmo assim, não são de interesse local. Lista-se dois exemplos, apenas para melhor elucidar.

  • “A vedação de exigência de caução para atendimento médico-hospitalar” — este tema já foi discutido pela jurisprudência inúmeras vezes. Mas o que importa é que a decisão a respeito desse assunto sempre será nacional, e nunca local;
  • “A proibição de cláusula contratual que atribua ao fornecedor o poder de escolha entre múltiplos índices de reajuste, entre os admitidos legalmente” — este é outro assunto cansativamente discutido e de resultado óbvio. E mais uma vez se esbarra numa questão nacional.

E assim, praticamente todos os temas previstos na lei não têm aplicabilidade local, ou seja, não são temas de peculiar interesse do município, mas de interesse da federação e que dizem respeito a contratos de adesão com abrangência nacional. Isso causa uma preocupação, pois, se a jurisprudência caminhar em sentido contrário ao previsto na legislação municipal, teremos a eternização das discussões a respeito da competência do Procon municipal.

Uma perda de tempo e de dinheiro.

Mas o que talvez tenha causado mais estranheza é a tal cobrança de emolumentos do fornecedor, como previsto no artigo 15 da lei municipal.

Por ali, se o consumidor tiver razão em sua reclamação, o fornecedor será obrigado a pagar emolumentos, no valor de R$ 300 ou R$ 750, respectivamente, a depender do atendimento, ou não, da reclamação.

Afinal, o que são emolumentos? Duas são as possibilidades de entendimento.

Os emolumentos podem ser pagos a entidades particulares (que eventualmente prestam serviços públicos delegados) ou públicas. Para as entidades privadas, os emolumentos correspondem à remuneração pelo serviço. Veja-se, por exemplo, os notários e registradores. Ou também o pagamento à Bovespa. Não são órgãos públicos, e seus empregados estão sujeitos às normas da CLT.

E para o caso dos entes públicos, como é o caso do Procon municipal — destino dos emolumentos previstos na lei —, a hipótese é diferente. Trata-se de uma taxa, que se subsume ao regramento do Direito Tributário. É o que o STF já decidiu exaustivamente, sobre a natureza jurídica dos emolumentos em situações semelhantes.

O pagamento de uma taxa implica a prestação de um serviço pela administração pública. Portanto, o que a lei disse foi que, em caso de reclamação fundamentada, o fornecedor deverá pagar uma taxa para o município de São Paulo, com valor variável em função de ter ou não atendido ao consumidor.

Não há como aceitar tal tipo de taxa. Não está relacionada a uma atividade colocada à disposição do fornecedor.

Poder-se-ia dizer que decorre de um hipotético dever de polícia. Mesmo assim não tem nenhum fundamento teórico, pois não é obrigatória aos fornecedores. Aliás, #ficaadica.

Os tais “emolumentos” que a lei menciona, na verdade, são sanções administrativas. Mas, por não terem sido estabelecidas a esse título, não poderão prevalecer. Mesmo porque a mesma lei, em seu capítulo II, remete a aplicação de sanções à regulamentação federal. Um bis in idem político, diga-se de passagem, pois o Estado também pratica o mesmo sistema para as mesmas infrações.

E os tais “emolumentos” se agravam se a situação envolver múltiplos consumidores. Imaginem um contrato bancário para mais de um milhão de correntistas. A multa será de R$ 300 milhões ou R$ 750 milhões! É o que determina o artigo 17 da norma municipal paulista.

Finalmente — e para que não se passe em branco —, a lei permite que o Procon municipal possa fazer convênio com entidades privadas, sem fins lucrativos, para, entre outras coisas, “julgar” e aplicar sanções. Talvez isso justifique o interesse na cobrança de emolumentos.

Novos tempos…

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