Aviação Civil

"Agências reguladoras não têm que se preocupar com pautas de governo"

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20 de junho de 2019, 10h19

Spacca
Quem tem de se preocupar com a pauta do governo é o governo, não as agências reguladoras. O papel das agências é aplicar a lei e estabelecer parâmetros técnicos de funcionamento no setor. E nesse quesito, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) é uma das que atinge todos os critérios internacionais de excelência, diz o procurador-geral do órgão, Gustavo Albuquerque.

A recente polêmica sobre a possibilidade de as companhias aéreas cobrarem para despachar bagagens saiu da Anac. Veio da agência a resolução que autorizou as empresas a proceder dessa forma. Albuquerque garante que é uma das regulações mais robustas que a Anac já produziu. Hoje a franquia de bagagem foi transformada em lei, mas o Congresso ainda tem de sancionar o veto do presidente Jair Bolsonaro à proibição da cobrança extra.

O procurador-geral da Anac diz, em entrevista exclusiva à ConJur, que são tecnicamente equivocadas as análises que concluíram que a franquia de bagagem não reduziu os preços das passagens. Para ele, é preciso de mais tempo para fazer uma análise do impacto real.

Aliás, Albuquerque discorda de quem diz que as passagens de avião no Brasil são caras demais. Segundo ele, o preço médio no país segue a média mundial de US$ 100  para cada mil quilômetros voados. O problema é que as companhias estão sujeitas a muitos custos em dólar e, portanto, estão também sujeitas ao câmbio. Ao mesmo tempo em que a renda média no Brasil está abaixo da renda média dos países desenvolvidos, explica.

Leia a entrevista:

ConJur — As agências reguladoras devem se preocupar com a pauta do governo?
Gustavo Albuquerque —
 Agência reguladora deve se preocupar com a regulação, ponto. Se vierem inputs decorrentes de pautas governamentais, virão por diretrizes políticas, por leis, decretos, e aí a agência reguladora tem que compreender, fazer as análises e cumprir. Mas a pauta de governo não é algo abstrato. Tem que ser materializada em atos legislativos, medidas provisórias, ato executivos ou diretrizes políticas muitas vezes oriundas dos ministérios. ]

Portanto, minha resposta é: a agência reguladora não tem que se preocupar com pautas de governo, tem que se preocupar com regulação. Quem tem que se preocupar com pauta de governo é o Poder Executivo.

ConJur — Por que passagens de avião no Brasil são tão caras? 
Gustavo Albuquerque —
 Não são. É importante fazer a comparação de quilômetro voado e em moeda estrangeira, porque todos os custos são em moeda estrangeira. No mundo inteiro, o ticket médio por 1 mil km é de US$ 100. No câmbio atual, para 1 mil km, o ticket médio é entre R$ 400 e R$ 450. Portanto, é muito injusto e equivocado afirmar que o preço da passagem aérea no Brasil é superior ao dos outros países. O que acontece é que a renda no Brasil é inferior à renda de outros países, aí a percepção é de que as passagens no Brasil são mais caras, Mas estamos dentro de padrões internacionais, e a Anac tem propiciado, junto com o Congresso, a abertura do mercado brasileiro para low costs. 

ConJur — E a promessa das bagagens? As companhias aéreas disseram que, se fossem liberadas para cobrar pelas malas despachadas, reduziriam os preços das passagens. Isso nunca aconteceu. A Anac pretende tomar alguma providência?
Gustavo Albuquerque — Não é verdade isso. O que posso falar é que a Anac está acompanhando como se dá a variação de preços no setor. As variações no câmbio afetam diretamente o preço das passagens aéreas no mundo inteiro, no Brasil não é diferente. Para avaliar o impacto real do preço das bagagens é preciso fazer um cálculo em que se possa excluir esses fatores, como combustível e câmbio, e precisa de um tempo maior de análise.

Além disso, a Resolução 400, que autorizou a cobrança de franquia de bagagens pela primeira vez, é um dos processos mais robustos que a Anac já produziu, tem quase cinco mil páginas, tramitou entre 2013 e 2016. 

ConJur — O que acha da regulamentação do setor aeroportuário?
Gustavo Albuquerque —
 A aviação civil é um pouco diferente dos demais setores regulados, porque é intensamente regulada e há uma série de paradigmas internacionais a seguir. O Brasil é um dos quatro países que fabricam e certificam aeronaves, junto com Canadá, Estados Unidos e França. Então, para os nossos aviões voarem no mundo inteiro, para a nossa tripulação poder voar, temos que seguir paradigmas internacionais. 

ConJur — E como é a Anac nesse cenário internacional?
Gustavo Albuquerque — 
É um órgão bastante maduro em termos regulatórios. A regulação da aviação civil é muito densa e na maioria das vezes que fomos testados em ações judiciais contra a regulação da Anac, fomos vitoriosos. Isso significa que o Judiciário tem confirmado que a Anac exerce sua competência dentro dos melhores padrões nacionais e internacionais.

A Anac divide a regulação em dois tipos: técnica de segurança e econômica. A de segurança é a que envolve pilotos, tributação, mobilidade de aeronaves, regulação contra ilícitos etc. A econômica é essa regulação que envolve fundamentalmente as companhias aéreas, a aviação regular, direitos de passageiros.

ConJur — O Judiciário é preparado para lidar com esse assunto?
Gustavo Albuquerque — O nível de conhecimento dos juízes depende muito da atuação daqueles que ajuízam as ações e dos advogados que defendem as agências reguladoras. O Judiciário sabe que a Anac é uma agência séria, que regula de maneira séria um assunto muito sério. Sempre somos ouvidos de maneira muito respeitosa pelos juízes. É por isso que a Anac é muito mais vitoriosa do que derrotada na Justiça. Isso é sinal de credibilidade, de competência regulatória. Temos, eu e minha equipe de dez procuradores federais, um monitoramento constante de todas as ações que são ajuizadas contra a Anac. Quando é ajuizada uma ação, qualquer que seja ela, sabemos antes das liminares serem apreciadas e vamos conversar com o juiz. Apresentamos nossos argumentos em questão de horas. 

ConJur — O que acha das privatizações do setor?
Gustavo Albuquerque — Na verdade não é privatização, é concessão. O ativo é concedido por um tempo e depois retorna ao Poder Público, não é alienado definitivamente. Mas elas foram consideradas por vários governos uma política pública bem-sucedida. Não é uma plataforma partidária, é um modelo de construção de aeroportos. Todos os leilões foram extremamente bem-sucedidos, houve disputa, em nenhum deles houve ofertante único, nunca houve paralisação judicial, embora tenham sido ajuizadas ações populares. As concessionárias trouxeram grandes operadores internacionais.

O que temos visto é que, depois da privatização, houve melhoria total dos aeroportos. Exemplo excelente disso é o aeroporto de Brasília. As pesquisas de satisfação mostram que os aeroportos concedidos são muito bem avaliados. É um modelo acertado.

ConJur — O senhor disse que a Anac é conhecida por sua excelência regulatória. Mas o que acontece com quem descumpre a regulação? As multas de agências regulatórias não são pagas nem cobradas.
Gustavo Albuquerque — A vida do devedor é fácil no Brasil. Ele tem uma série de subterfúgios, artimanhas e instrumentos, processuais e extraprocessuais, para não pagar os seus débitos. Mas cada vez mais a gente tem a preocupação com mecanismos de eficiência na cobrança das multas. Exemplo disso é a iniciativa da AGU de instituição de um sistema chamado Sapiens-Dívida, que é um goza de mecanismos de inteligência artificial, pelo qual conseguimos inscrever débitos e ajuizar as execuções fiscais em questão de horas.

Falando especificamente das multas aplicadas pela Anac, a agência foi reconhecida pelo Tribunal de Contas da União como a que mais consegue arrecadar as multas que aplica. Estamos falando da ordem de 30%. Daí você vai me dizer "então 70% das multas não são pagas?" Primeiro: existe um prazo, que e é longo, até o julgamento de um auto de infração, que pode resultar numa multa ou não. Depois disso, há a inscrição na Dívida Ativa da União e o ajuizamento do exercício fiscal, e isso demora muitas vezes anos. Ou seja, depois de toda a etapa administrativa, tem toda a etapa judicial para poder cobrar o devedor.

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