Atrás da coxia

Novos vazamentos do Intercept mostram como nasciam investigações da "lava jato"

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18 de junho de 2019, 21h02

No filme Janela Indiscreta, um homem de perna quebrada é forçado a ficar em casa e começa a ficar obcecado com observar a vida dos outros pela janela. Não demora até ele desenvolver algum tipo de paranoia. Mas ler as mensagens trocadas entre os procuradores da “lava jato”, vazadas pelo site The Intercept Brasil, pode ser esclarecedor – e até divertido.

André Telles
Novos vazamentos de mensagens de procuradores pelo Intercept mostram conversas que antecediam início de investigações da "lava jato"
André Telles

Por exemplo: em novembro de 2015, a “lava jato” já era a investigação mais celebrada do mundo, mas penava contra as acusações de parcialidade. No dia 17 daquele mês, o procurador Roberson Pozzobon sugeriu num grupo de procuradores no Telegram instaurar um único PIC, o inquérito do Ministério Público, para investigar os institutos de Lula e Fernando Henrique Cardoso. “Assim ninguém poderia indevidamente criticar nossa atuação como se tivesse viés partidário”, disse aos colegas.

A proposta foi seguida de fotos de e-mails da secretária de FHC a dois empresários em que ela pedia para eles entrarem em contato com a Braskem para ver “a melhor maneira para fazer a doação”. “E aí???? Querem mais baton na cueca?”, provocou Roberson. “Porra, bomba isso”, empolgou-se Paulo Galvão.

O que se seguiu foram trocas de mensagens de incentivo de procuradores empolgados com o próprio trabalho. Paulo Galvão tentou trazer todos à razão, lembrando que, se o material mostrava só doações não registradas ao iFHC, seria apenas um crime tributário. Ele propôs “achar uma obra do PSDB para dizer que é propina”, mas depois pensou melhor: “A ideia é excelente. Despolitizar”. E arrematou provocando Roberson: “Se bem que vc votou na Dilma hahaha”.

Alguns minutos depois, no entanto, Deltan Dallagnol acabou com a festa. Foi ele quem lembrou que doação não vinculada a contratos apenas por influência política é o próprio conceito de doação. E lembrou que a tentativa de “despolitizar” poderia sair pela culatra: “Será pior fazer PIC, BA [busca e apreensão] e depois denunciar só PT por não haver prova”.

Um ano e meio depois, Deltan foi cobrado pelo ex-juiz Sergio Moro por causa da investigação sobre doações a FHC. “Tem alguma coisa mesmo séria do FHC? O que vi na TV pareceu muito fraco”, escreveu Moro, em abril de 2017. Deltan explicou que era uma estratégia para parecer imparcial, mas o magistrado não comprou: “Acho questionável, pois melindra alguém cujo apoio é importante”.

Fofocas
Os procuradores também são gente, e fofocam. Falaram do ex-advogado-geral da União Fábio Medina Osório, por exemplo. Em junho de 2016, quando Medina foi a Curitiba falar com os procuradores e o encontro foi noticiado pelo site O Antagonista, alguns acharam curioso. “Este cara batia na lava jato, mas como a lava jato começou a pegar no PMDB, ele ia ter que apoiá-la”, comentou Diogo Castor de Mattos.

A graça passou despercebida. Logo depois um procurador que o Intercept não identificou mandou uma reportagem da Folha de S.Paulo sobre a delegada da Polícia Federal Erika Marena. O texto dizia que ela era a favorita entre os colegas para ser diretora-geral da PF. Deltan chegou a sugerir uma nota de apoio à candidatura da ex-colega – na época, ele havia acabado de sair da coordenação da “lava jato” na PF.

O procurador Orlando Martello, então, ponderou que gostava muito do nome dela, mas tinha receio de desagradar os demais delegados que também almejavam chefiar a PF. “Creio que cada um no seu quadrado”, completou o procurador não identificado. “Gosto da Erika, mas me sinto entrando em discussão de uma questão que vai além da simples simpatia.” O Intercept não mostrou o nome de Erika por não ter conseguido identificar se tratar de uma pessoa pública.

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