"Midiatismo penal"

MP não pode tratar de venda de bens apreendidos, dizem criminalistas

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17 de junho de 2019, 19h50

Assinada nesta segunda-feira (17/6), a medida provisória que facilita a venda de bens apreendidos de condenados por tráfico é inconstitucional. É o que dizem advogados consultados pela ConJur.

Felipe Lampe/Iasp
Segundo ministro da Justiça, Sergio Moro, antecipar venda de bens de traficantes evita sua deterioração, mas criminalistas são unânimes em considerar medida inconstitucional
Felipe Lampe/Iasp

A alínea "b" do inciso I do parágrafo 1º do artigo 62 da Constituição Federal proíbe a edição de medidas provisórias sobre "Direito Penal, Processual Penal e Processual Civil".

Na opinião do advogado Luís Henrique Machado, o texto constitucional não dá espaço para muitas dúvidas: o governo não poderia ter editado a MP. “A única controvérsia que existe na doutrina é se pode ser editada MP para melhorar a condição do réu. No caso específico da venda de bens, a Constituição proíbe”, analisa.

Para o criminalista Thiago Turbay, os vícios são muitos. Segundo ele, a MP "parece mais um apenso desconexo da sistemática atual" do que uma regra. Primeiro porque ela restringe direitos fundamentais, o que seria uma inconstitucionalidade material. Depois, porque não está claro se a MP atinge ao critério da urgência, necessário, conforme a Constituição, para a edição de medidas provisórias.

Renato Stanziola Vieira, do Kehdi e Vieira Advogados, concorda. "A disciplina da alienação antecipada de bens, de perdimento e uso de bens aferidos com processos penais relativos a drogas já é previsto em seção específica da lei 11.343/2006, que tem todo um capítulo sobre isso", diz.

Outra inconstitucionalidade é a declaração automática da perda de bens, afirma Turbay. "Os juízes devem deduzir as razões específicas e determinadas para dar efeito à sanção, como forma de imposição de publicitar suas razões. Automatizar a perda de bens, oriunda de decisão que não transitou em julgado, é antecipar os efeitos de um comando transitório, que poderá ser modificado", afirma.

Drible
Rafael Soares
, do Walter Bittar e Advogados Associados, lembra que o próprio ministro da Justiça, em seu "pacote anticrime", sugeriu medida parecida. Só que o pacote não teve a recepção que o governo esperava no Congresso. A edição da MP, portanto, diz o advogado, "evidencia a tentativa de se contornar a discussão sobre a presunção de inocência e seus reflexos pelo Congresso".

Ele também lembra que o assunto foi objeto de reforma legal recente, justamente para dizer que a reversão do dinheiro da venda de bens ao Fundo Nacional Antidrogas deve esperar o trânsito em julgado da condenação.

Segundo o advogado Ricardo Rios, do Maciel Marinho Advocacia, a perda automática dos bens viola o princípio da presunção de inocência se não esperar o trânsito em julgado. Por isso, diz ele, a Constituição proíbe que MPs tratem de Direito Penal ou Processual Penal: "Isso atenta contra uma cláusula pétrea", diz ele.

O criminalista Marcelo Galvão acredita que a medida seja simbólica, em nome de um "midiatismo político" do governo.

"Evitar a Deterioração"
Segundo o Ministério da Justiça, o objetivo da MP é evitar a deterioração dos bens apreendidos, transformando-os em "benefícios à sociedade". 

De acordo com o governo, o país tem hoje cerca de 80 mil bens de traficantes apreendidos. Desse total, cerca de 30 mil têm sentença transitada em julgado e podem ser leiloados imediatamente. São quase 10 mil veículos, 459 imóveis, 25 aeronaves, além de mais de 18,9 mil bens diversos, principalmente celulares. Estão, em geral, parados por "entraves de gestão do patrimônio confiscado", diz o governo.

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